domingo, 27 de fevereiro de 2022

Grund-Tharg - Cap. 14 - "- Emboscada no deserto..."


O grupo ainda encontrava-se sem entender o que havia acontecido, estavam com certeza caminhando a não mais que das horas desde Qwerrhar e no entanto, o grupo de anões protetores dos Salões de Mithral alegavam estar há poucos minutos de um ambiente dias de caminhada de onde supunham estar… Tharg senta-se pesadamente ao chão procurando entender o que acontecera e ponderando sobre o que tinha entendimento para tecer alguma alusão, comenta: “- Se fosse só a direção errada… Eu reconheceria errar a trilha, mas… Mesmo me perdendo como um macaco cego, não há como transpor dois dias de marcha em horas… Isso não tem sentido… Nem os portais dos druidas pelas árvores pode nos jogar lá sem que vejamos… Eu não sei o que diabos acontteceu aqui…”

Burnnar coçando suas longas barbas e com seu machado ao chão observa a todos, percebe que todos estão realmente convencidos de terem deixado Qwerrhar há poucas horas e por desencargo de consciência arrisca a pergunta: “- Vocês tem certeza de que estavam no vilarejo de Qwerrhar? Existem muitos vilarejos nessa gigante floresta, talvez tenham se enganado e estavam em uma próxima daqui…”

Tharg ergue-se e observando o comandante anão enfatiza sua certeza: “- Sabes melhor que eu que Elora não deixa Qwerrhar por nada, jamais a veríamos em outro vilarejo cuidando de feridos… Eu estive com ela Burnnar…”

O anão então acena positivamente, concordando e completando: “- Concordo… A druida rebelde jurou manter sua vida naquele local, e ela não se daria ao luxo de quebrar promessas… Se ela estava cuidando e tratando de vocês, com certeza estavam em Qwerrhar… O que me leva a outra questão… Será que era ela mesmo? Porque se for alguém se passando por ela, poderiam estar em outro vilarejo alegando que Elora estava lá e por isso estariam em Qwerrhar...”

Grund-Tharg bate uma mão à outra com o punho direito fechado e a mão esquerda aberta recebendo o golpe, sua expressão denotava a inquietação em não saber explicar o caso, rebatendo o questionamento do anão: “- É claro que era… Reconheceria o cheiro, a voz, eu não confundo essas coisas Burnnar… A gente saiu de Qwerrhar tem horas com mais certeza do que anões gostam de boa cerveja…”

O comandante dos Anões Protetores então dá de ombros dizendo “- Mas então, como explicar isso…” Ao passo que Nissa se aproxima, curvando-se ao anão, expondo sua opinião: “- É um prazer conhecer o senhor mestre anão… Eu sou Nissa e esta é Syndra, e enquanto o senhor e Grund divagavam, fizemos uma investigação arcana, a chave é esta névoa… Ela não é natural, ela foi criada por uma magia tão potente que sequer conseguimos rastrear de que tipo se tratava… Não temos dúvidas de que foi esta névoa que causou toda essa confusão…”

Grund-Tharg fica a observar e ouvir a conversa, Burnnar acena positivamente enquanto Akron, Jhon e Kinseph escutam atentos… Era o mestre anão, incentivado por outros da comitiva dos Salões de Mithral que viram a névoa se formar de forma estranha que comenta: “- Muitos dos nossos viram essa névoa formar-se e disseram que fora realmente fora do natural… Estávamos em carga contra os goblins e do nada eles foram envoltos pela névoa e achamos que havia sido algum xamã deles que o havia feito, mas se as jovens feiticeiras alegam ser algo mais forte, isso explicaria muito… Mas ainda resta uma dúvida…”

Foi então que Akron aproximou-se do grupo, fazendo uma reverência respeitosa ao anão e completando: “- Provavelmente a mesma pergunta que eu me fiz… Porque tanto trabalho apenas para nos desviar de nossa rota? Porque pensem comigo, os anões continuam em seu lugar, os goblins foram expulsos no mesmo lugar, nós é que fomos colhidos e trazidos para cá… Então é mais lógico afirmar que quem quer que tenha criado a névoa, criou para nos tirar de nossa rota, não estou certo?”

Todos com exceção de Jhon Raven ficam a menear suas cabeças e ponderar sobre tudo que foi dito, pareciam praticamente concordar com a teoria de Akron embora não houvessem na teoria, definições de quem e com qual interesse havia feito isso até que o kellintorita é quem responde: “- Adramanter! Com certeza isso se trata de obra dele, ele nos tirou de nossa trilha, colocando-nos em rota de colisão com os goblins… Para nos testar ou tentar a sorte, talvez os goblins nos derrotassem… Para nos fazer perder tempo e acabar encontrando outros combates pelo trajeto… De qualquer forma ele estaria no lucro com o resultado, qualquer atraso ou chance de sermos exterminados para Adramanter é uma vantagem… E Syndra e Nissa confirmam um poder arcano superior a guiar a névoa, para mim isto fica bem claro como sendo obra de nosso adversário…”

Burnnar é quem então, observando as falas do kellintorita, fitando-o diretamente nos olhos, com muita seriedade sugere: “- Se vão entrar em embate com o necromante, saibam que ele está aliado aos dragões cromáticos em uma investida que ainda desconhecemos… Se ele os quer morto, estejam atentos pois muitos estão ganhando riquezas imensuráveis servindo aos caprichos de Adramanter… Qualquer um pode ser um inimigo, desde que lhe falte caráter para seguir sua honra, qualquer um pode ceder aos benefícios materiais e místicos que a parceria com o necromante oferece… Tenham cautela, considerando a situação, eu diria que vocês se tornaram a caça de Adramanter…”

Todos ficam em silêncio por alguns instantes e então o anão completa: “- Venham, levaremos vocês até os portões dos Salões de Mithral e de lá creio que sabe o caminho de casa, não estou certo seu rastreador desatento que foi enganado por uma simples névoa mortal, AHAHAHAHAHAHAH!”

O anão ria, os demais o acompanhavam enquanto Tharg proferia bravatas e xingatórios descabidos, o que entre aqueles dois povos, anões e bárbaros, eram um sinal de amizade e proximidade, pois nem um ou outro lado aceitaria palavras de tal tipo, não existindo uma parceria anterior que as sustentasse…

Verdadeiramente como dizia Burnnar, após alguns minutos de caminhada, o grupo chegava até o caminho que levaria o grupo de volta à trilha para a Tribo do Corcel Alado e mais a oeste, se via há poucos minutos dali, a montanha gigantesca ancestral, lar dos Anões Protetores, o massivo Salão de Mithral… Os grupos se despedem e cada um seguiu sua rota pré-determinada mas quem quer que fosse o responsável pela mudança de rota do grupo, parecia estar disposto à tentar de novo… Com mais poucos minutos de avanço, novamente a névoa arcana surgiu, todos se posicionam novamente para o combate e então, tão rápido como surgiu, ela sumiu, e o grupo definitivamente não estava mais na Floresta Enluarada… Para piorar o cenário, ninguém reconhecia que local era aquele…

Parados na ponta do desfiladeiro pedregoso, há pouco mais de minutos de caminhada após terem sido tirados de sua trilha original, se avistava um vilarejo… Haviam pouquíssimas árvores, não haviam plantações, mas haviam muitos casebres e seres de várias raças… Nissa e Syndra sondavam o local, conseguiam definir muito pouca coisa, mas coisas que serviam como alguma forma de compreensão:
“- Não há feitiços agindo sobre nós, o local onde estamos é real… Essa parede rochosa atrás de nós existe de verdade, não temos como voltar por aqui, nossa única opção é seguir estrada abaixo em direção ao vilarejo…”

Kinseph que, diferente do que era sua personalidade estava na maioria do tempo calado, uma vez que não compreendia sobre localização e deslocamento pela selva ou outros terrenos, tão pouco do lugar onde andavam ou das localidades que ali existiam, apenas se ocupou do que sabia fazer e como forma de ajudar, alertou aos colegas: “- Existe muito mal nessa vila amigos…. Não parece estar vindo diretamente da vila em si nem de nenhum habitante em específico, mas… É como se uma bolha de maldade encobrisse o vale todo… Não há como dizer que o vilarejo é maligno, apenas que a presença do mal ali está também é bastante forte…”

Jhon acena positivamente, mas completa o que disse Kinseph: “- Creio que fomos trazidos para cá tão logo nos separamos dos anões… Adramanter preparou uma bela armadilha para nós neste local e a névoa era apenas efeito de sua magia de transporte… Não paramos aqui antes porque os goblins e anões interferiram e isso atrapalhou a ação do necromante que ia deixar rastro de suas ações e envolver outros em um acontecimento que geraria consequências para ele… No momento que ficamos sozinhos, ele nos largou em sua armadilha… Vamos à vila, se ela nos separa de nossa missão, iremos transpô-la e chegar à nossa destino… Não seremos detidos aqui!”

Todos acenam positivamente, todos se preparam para a ação mas sem transparecer uma expressão de que estavam indo à vila em busca de confusão ou combate, afinal, todo cuidado e atenção era necessário para evitar lutas banais… Como que para piorar a situação, a noite estava se aproximando, o que não era compatível com o tempo em que saíram de Qwerrhar igualmente, mas agora eles não buscavam mais razões e explicações, já tinham em mente o que poderia estar acontecendo, eles iriam sobrepujar o desafio e Adramanter que se esforçasse para detê-los…

O grupo adentra o vilarejo, era como uma grande feira, muita coisa poderia ser encontrada à venda, desde comida à equipamentos, mas o grupo não estava ali em busca de compras, queriam tão somente transpor a vila e seguir caminho…

Os vendedores ofereciam coisas aos gritos, tentavam chamar a atenção do grupo que passava… Existiam ali desde humanos até elfos e genasis… Orcs, goblins, anões, reptilianos, todos pareciam estar ali representados e eis que então, Akron esbarra em alguém sem querer... Ambos os envolvidos no choque viram-se para ver quem havia esbarrado em si… Akron abriu um largo sorriso enquanto o outro continuava a observá-lo aguardando que se desculpasse pela ato… Era um outro tiefling, porém ao contrário de Akron, este parecia albino, completamente branco, e continuou a encarar Akron com uma carranca inquisidora… Feliz em ver alguém de sua raça depois de tanto tempo, o especialista sequer deu bola para a situação e prontamente se pôs a falar: “- Nossa, um conterrâneo, quanto tempo não via um… Como estão vivendo os nossos? Estão em algum grupo, em algum reinado? O que pode me dizer sobre ideias para o futuro de nosso povo ou coisa similar, conte-me algo! Aliás, eu sou Akron, a sorte!”

O especialista estende a mão para cumprimentar o tiefling albino esperando uma resposta amistosa, mas o diabrete olha para a mão de Akron, depois fita seus olhos com desdém e então escarra ao chão com visível expressão de nojo… “- Ridículo… Chega a ser nojento… Que povo seu otário, é cada um por si… Ao invés de estar tentando bancar o diplomata deveria estar fazendo o que nasceu para fazer… Roubar e se dar bem… Otário, tipos como você me dão nojo!”

O tiefling albino vira-se para sair enquanto Akron o segura pelo ombro, fazendo com que o mesmo detivesse seu caminho, olhando para a mão em seu ombro e depois para o próprio especialista, claramente o ameaçando caso não parasse de tocar nele… Akron percebe, retira a mão com um sorriso forçado e então completa: “- Me desculpe… Achei que como membro da mesma raça poderíamos conversar… Não irei importunar mais…”

O albino observa Akron de cima abaixo, vira-se e sai caminhando sem olhar mais para trás, apenas deixando a fala final como que no ar, falando mais para si mesmo que para os demais: “- Que eu nunca me torne patético assim…” Tharg estava com a mão segurando o cabo do machado, sua expressão com certeza não era agradável… Nissa e Syndra começavam a brilhar suas mãos, enfurecidas com a cena enquanto Jhon foi quem entrou na frente deles levemente, acenando negativamente com a cabeça como dizendo que se acalmassem e não tomassem qualquer atitude… Akron como se nada tivesse acontecido, começa a caminhar à frente dos demais e Jhon o segue de perto…

“- Não acha que roubá-lo só porque te roubou é devolver o crime com o mesmo teor errado Akron?” Era Jhon Raven quem interpelava o tiefling, ao passo que o mesmo sorridente, responde contrariando-o e explicando aos demais: “- Sei que fui ingênuo em achar que poderia conversar com outro tiefling, mas… Não é porque eu quis ser sociável com uma raça que só entende a força como explicação que ele tinha o direito de roubar minha adaga… Achei aquilo mais ofensivo que suas palavras e por conta disso, quis mostrar que ele não se tratava do maioral como achava que era… Mas mais que isso, olhe o que descobri, eu roubei sua espada e saco de moedas de ouro, mas a espada… Ela evaporou assim como a névoa… Ela não era real, mas tenho certeza de que o albino o era tal qual este saco de moedas de ouro…”

Todos ficam impressionados com o acontecido, nenhum deles havia percebido Akron ser roubado muito menos o pequeno dando a retribuição ao albino, fora algo tão rápido que eles sequer perceberam… Jhon então pondera sobre tudo e começa a formular uma teoria ao passo que os demais, agora entendendo porque Jhon e o próprio especialista deixaram a afronta à Akron passar em branco, viam a noite cair rapidamente, os vendedores começaram a se recolher e as tavernas começaram a acender suas lamparinas arcanas… O comércio agora mudava de face, sumiam as feiras de alimentos, itens e equipamentos e iniciavam-se os comércios de alimentação, bebidas, prazeres e pernoites… Jhon observa o local, ele sabe que aquele escurecimento não é natural, mas pondera que ficarem expostos à rua até a noite instaurada passar, seria mais arriscado ainda e então convida o grupo para irem até a taverna mais à frente onde sentam-se e esperam ser atendidos…

O estalajadeiro percebe o grupo diferenciado, ele se aproxima com receio, as expressões de todos não era amistosa, haviam sido ofendidos ao meio da rua, todos pareciam estar bastante transtornados com tudo, o que causava uma certa tensão… Jhon procura tomar a frente em demonstrar que o proprietário podia atendê-los sem qualquer risco e pede: “- Quero refeições para todos e um quarto para nos abrigarmos após o jantar…”

O estalajadeiro, um gnomo, acena positivamente e corre para trás do balcão para preparar tudo… Foram apenas questão de minutos e a mesa estava farta de uma forma incrível, o que também não coincidia com o tempo normal, como preparar tanta coisa em tão pouco tempo… Tão logo tudo foi servido, devido à fome e cansaço, nenhum deles exceto Jhon e Kinseph pararam para cogitar se a comida e bebida era segura, apenas se colocaram à comer, sem dizer uma única palavra… Jhon Raven e o clérigo Kinseph comiam igualmente, mas estranharam a atitude de todos ao comerem sem reclamar de nada e com esse retorno, cada vez entendiam mais o que acontecia naquele lugar estranho…

O grupo levou em torno de 30 minutos para terminar suas refeições e então o gnomo os conduziu para um quarto ao lado, que mais parecia um barracão de madeira, tão pobre como os demais que existiam ali e a própria estalagem… Haviam camas feitas de palha ao chão assim como caixotes e troncos de árvores cortados que serviam como mesas e bancos… Algumas velas estavam dispostas e acesas e visivelmente encabulado com as instalações o pequeno gnomo se resignou a dizer que se precisassem de banheiro, existia um nos fundos da taverna… O estalajadeiro já ia sair para deixar todos descansarem quando Akron interrompe chamando a atenção do mesmo:

“- Caro senhor, deixe-me pagar adiantado pelos gastos, inclusive de nosso pernoite… Peço que me diga o valor e seu nome, afinal, gostaria de sempre lembrar do belo atendimento que tive aqui…”

O gnomo parecia estar emocionado com a fala de Akron e, ainda trêmulo, oferta: “- Qualquer duas peças de cobre que me consiga senhor, eu poderei preparar outra refeição ao próximo viajante que aqui chegar… Eu me chamo Gaer senhor, e enquanto eu aqui tiver de ficar, seguirei servindo à todos da melhor maneira possível para quando finalmente conseguir uma boa quantia em peças de ouro, ir embora em busca de comprar meu próprio lugar para escrever sobre as maravilhas e diversidades deste mundo… Assim irei viver feliz como sempre quis que fosse…”

Akron então apanha o saco de moedas que havia roubado e retira dali entregando ao pequeno, o total de dez peças de ouro... Gaer olha para aquela quantia absurda, impressiona-se com o valor e quase que automaticamente se joga ao chão em reverência à agradecer e dizer que não estava certa aquela ação… Akron o ajuda a se erguer, os olhos do tiefling escorrem pesadas lágrimas e o gnomo não as entende, mas o especialista reforça que o valor é dele e que agora ele poderia viver seu sonho… Gaer então se curva e agradece uma vez mais, virando-se para voltar à sua taverna e guardar suas moedas quando ao passar pela porta, como já era esperado por Akron, Kinseph e Jhon Raven, desaparece diante de todos, as moedas todas espalham-se pelo chão, deixando ainda Tharg, Nissa e Syndra sem entender o que estava a acontecer…

Akron recolhe as moedas com cuidado e então sem olhar para ninguém ou dizer qualquer coisa, ele se retira para uma das camas ao chão, visivelmente triste com os acontecimentos e antes que algum daqueles que nada entenderam perguntassem, Kinseph toma a palavra: “- Há muita magia neste local, assim como também existe em abundância, bem e maldade… No entanto, além da magia em si, existem muitas almas perdidas aqui, de alguma forma, sem nem mesmo entenderem isso, estão presos neste vilarejo por algo ou alguma força muito poderosa… São espíritos que queriam realizar algo em vida e não o conseguiram, morreram antes de atingir essa vontade, desta forma continuam pela eternidade a tentar fazê-lo sem entender que já partiram, até que finalmente por algum motivo, se convençam de que atingiram essa meta deixada para trás na vida, conseguindo enfim desaparecer aos nossos olhos comuns, ascendendo aos reinos de suas respectivas divindades… A cena de senhor Gaer acreditando que poderia finalmente largar tudo e ir embora, o libertou em definitivo do que quer que o estivesse prendendo ao mundo mortal pois a vontade de um espírito, quando consciente, é mais forte que qualquer magia deste mundo… É realmente emocionante, eu o entendo Akron…”

Syndra, Nissa e Tharg ainda não conseguiam entender tudo, e foi Jhon quem continuou: “- A comida que comeram não existia, no entanto vocês sentiram como se fosse real... A espada que Akron roubou era falsa, mas as moedas verdadeiras... Esta estalagem e este cômodo existem, mas senhor Gaer, estava morto há muito... Existem coisas reais e existem coisas irreais aqui, o necromante ou alguém a mando dele, está mantendo presos espíritos de seres que já fizeram a travessia e os deixa agindo em sua rotina sem fim como se vivos estivessem… Eles acreditam que estão à viver como antes e não percebem sua condição, assim, até que se conscientizem de que podem ascender, não o farão… Akron conseguiu descobrir o desejo de Gaer e o permitiu sentir que estava pronto para ir e então ele partiu… Da mesma forma, as moedas que Akron usou, demonstramo que nem tudo aqui é ilusão ou mundo dos mortos… Kellintor me confirma as explicações de Kinseph, desde o momento em que Akron apanhou a espada e ela sumiu, começamos a perceber que tudo parecia realmente fantasioso nesse vilarejo… Estamos em uma armadilha potencialmente perigosa meus amigos e precisamos estar atentos à esta noite...” Jhon Raven aperta o punho da espada e conclama: “- Por Kellintor, até o amanhecer, todos os espíritos aqui presos estarão livres para fazer sua merecida travessia… Eu juro que assim será!”

Tharg era quem batia a mão na outra novamente com um punho fechado e outro aberto, alegando que, se a armadilha era eminente, o ataque durante a noite seria certeiro, e assim, ele tomaria o primeiro turno como guarda! Syndra e Nissa se prontificaram para os próximos ao passo que Kinseph se prontificou também, assim como Akron, deixando o turno final para Jhon Raven…

Todos acomodaram-se para dormir e Akron, ainda bastante emotivo, antes de pegar no sono, puxa um papel de seu bolso, lendo-o com atenção e, adormecendo logo em seguida sem guardar o mesmo… Nissa ficou curioso com a cena e embora arriscasse acordar o colega, aproximou-se tomando o papel e lendo o mesmo, deixou escorrer lágrimas de seus olhos… No amassado pedaço de papel as seguintes palavras estavam escritas e, parecia que faziam longos anos que isso havia sido feito:

“- Pais que não conheci ou não existem... Sei que se foi assim, é porque não tenho direito à uma família e a amor, afinal sou um abissal… Mas obrigado, mãe e pai, sejam quem forem, se é que ainda existem, por ter me dado uma vida pra tentar viver… Eu amo vocês mesmo que não me amem e sempre me esforçarei!”

Akron desperta, Nissa estava chorando e entrega o papel para o tiefling e este entende o que acontecera… Sentando-se lentamente, com um sorriso desengonçado ele comenta…

“- É esquisito, eu sei, mas é a forma que encontrei para sentir amor de pai e mãe… Todos os dias, finjo que tenho pais e dou boa noite a eles… Me ajuda a superar certas coisas… Como sei pouco do meu passado, e existe um lapso de memória apagado entre meu nascimento e quando tenho recordações, minha primeira lembrança é da época do transcorrer do meu décimo verão... Quer ouvir uma história Nissa?"

Akron sorria largamente, contar feitos, aventuras e lendas, era um de seus passatempos preferidos, disputava com os bardos por vezes em tavernas para declamar trovas e narrativas, e o brilho empolgado em seus olhos demonstravam o quanto ele gostava da ideia de uma oportunidade para narrar acontecimentos... Nissa acena positivamente e senta-se diante dele em um dos caixotes pronta para ouvi-lo ao passo que Akron agradece e pigarreando para limpar a garganta, inicia:

"- Tudo para mim iniciou-se quando a ouvi falar.... Quando ouvi aquela voz que talvez por ter sido a primeira voz consciente que ouvi, marcou tanto… Ela dizia enquanto eu tentava acordar: “- Você devia ver o jeito que as pessoas olham pra você, criança diabo.”

Akron se acomoda melhor e guarda o papel amarrotado… Percebendo que Nissa o ouvia atentamente, ele continua: “- Aqueles olhos castanhos, frios como uma tempestade de inverno, que fitavam direto em meu coração, misturados a seriedade repentina que eu sentia naquela voz, sacudiram-me… Fiquei tão sem saber como agir que involuntariamente reagi, questionando como se realmente não me importasse com tal fato: “- E o que é que eles estão falando sobre a criança diabo??”

Um sorriso ao vento como se fosse bom relembrar aqui e Akron continuava: "- Enquanto Bhrindy, a mulher humana que havia tratado meus ferimentos meio que sorria, ela continuou: “- Primeiro vocês aguçam nossa curiosidade, depois para ambientar tudo sugerem a ideia de alguma conspiração para nos entrelaçar em suas conversas e aí então vem o terceiro ato, lançar uma maldição nos desavisados caso não seja atendido em seus intentos... Você acha realmente que eu nunca havia ouvido falar de suas maneiras de agir e persuadir as pessoas antes garoto diabo?”

Nissa completamente focada na narrativa, até percebia que podia justamente estar caindo nos “atos tiefling" como Akron mesmo narrava, mas quis arriscar mesmo que fosse o caso, o que ela considerava não ser, e então Akron continuou, sorridente: “- Eu fiquei a observar, digerir o que estava acontecendo, estava bastante machucado, sequer sabia como havia ficado assim, só o que consegui decifrar foi que estava sem dúvida alguma em uma espécie de hospital e que ela com certeza cuidava de mim e de vários outros… Bhrindy então continuou enquanto seguia à tratar de meus machucados: ”- Não se preocupe, não é que eu esteja entrando nas profundezas da sua mente meu pequeno mas esse é o fardo e ato que todo tiefling que conheci carregava… É digamos, seu método de vida... É claro que já ouvi histórias de que “algumas ovelhas negras desgarradas dos demais”, conseguiram transpor esse fardo, mas também vi falar de muitos mais que transformam isso em nós em volta de seu pescoço e deleitam-se com isso até o fim de seus dias.”

Uma lágrima escorre do olho de Akron que completa: “- Eu inclinei a cabeça novamente, analisando-a, da forma como ela falou, eu me imaginava como se tivesse um brilho depravado em meus olhos enquanto ela tentaria se defender de uma investida mental minha ou similar e então depois de alguns segundos me olhando à sorrir, ela me completou: “- Você luta contra isso, não é mesmo? Como um pequeno gato do mato, aposto. Cada espetada e comentário apenas afia suas garras e você tenta mantê-las guardadas... Não deve ser fácil, mas se pretende trilhar outro caminho, o caminho da “ovelha negra de sua raça”, saiba que esse combate será eterno e não terá a ajuda de muitos, pois, você sempre será a criança diabo na visão da maioria… Está preparado para isso pequeno?”

Nissa e Akron ficam em silêncio por alguns instantes e então Akron completa: “- Eu fiz um aceno simples de cabeça pra ela concordando, mas em meu íntimo, aquilo era uma promessa… Eu creio que ela interpretou assim também, porque terminou minhas ataduras e suturas dizendo que confiava em mim… Desde então, pra evitar um dia me tornar a “criança diabo”, eu fiz essa frase que leio antes de dormir para sempre me manter agradecido e nunca desejar mais do que tenho… Afinal eu fiz uma promessa…” O tiefling observa Nissa completamente emocionado e se sente constrangido com tudo, sendo rápido em tentar corrigir a coisa se desculpando: “- Me desculpe ter feito você perder tempo de dormir ouvindo minha história…”

Nissa então limpa as lágrimas e envolve Akron em um abraço caloroso e assim ela fica por alguns segundos como se quisesse que o aliado tivesse a certeza da sinceridade daquele abraço... Assim que largou o estupefato especialista, o mesmo ainda sem entender nada fica a observá-la e a mesma completa: “- Não ter família é algo que destrói a gente pode dentro... Eu entendo de certa foram sua dor... Mas sabia que mesmo não tivesse feito sua promessa, ou ainda, não estivesse fazendo preces à seus pais todas as noites, você sempre seria "a ovelha negra tifeling", você nunca passaria para o estilo deles de pensamento, seu coração é puro... E agora, você tem família… Ok, ela é meio que, diversificada digamos, mas… Enquanto nos mativermos vivos, creio que seremos uma espécie de família... Não é mesmo?”

O momento de ternura então é rompido antes que Akron pudesse devolver a gentileza pelos gritos de Tharg e o som aterrador de algo sendo destruído! A lateral da parede do casebre onde estavam era arrancada como se fosse de papel diante de todos… Grund-Tharg que estava em seu turno de guarda, empunha seu machado de guerra posicionando-se entre o grupo e o que quer que viesse de fora, necessitando apenas poucos segundos para que o grupo inteiro estivesse de pé pronto para combater o inimigo que os atacava… Os sons começaram a ceder, a poeira começou a baixar e então a verdade começou a se revelar…

Diante deles, quatro seres dos ditos “meio-dragão” estavam perfilados os encarando com expressões diversas ao passo que a poeira começou a erguer-se novamente sob um tufão de vento poderoso que atirava tudo que estava à solta para os lados… Um novo estrondo foi sentido e então, pousando pesadamente sobre a casa logo a frente deles e atrás dos meio-dragões perfilados, o motivo da ventania que bloqueava a visão com os detritos rodopiantes e era Akron quem gritava: “- UM DRAGÃO BRANCO!!”

De porte mediano e ainda parecendo muito jovem, a fera ancestral mostrava seus dentes enquanto recolhia suas asas, observando a todo o grupo de aventureiros que agora, estava completamente exposto ao ataque inimigo…

Foi nesse momento que Jhon Raven pediu às arcanas, através de um gesto, a magia “comunicar-se mentalmente” à todos eles e Syndra imediatamente executou o pedido, fazendo com que todos pudessem falar abertamente pelo pensamento sem com isso exporem seus planos ao inimigo! Jhon Raven de pronto fala à todos que em posição de combate, prestam atenção integral à tudo que o kellintorita tinha para dizer:

“- Eis a armadilha… Eis os que contribuem para a infelicidade dos presos bem como nos afasta de nossa missão… Hoje e agora, nós vamos derrubar estes inimigos… E para isso, precisamos seguir um plano que tracei, por isso, me escutem:”


Galeria de imagens:

O imponente Salão de Mithral:

A vila misteriosa onde o grupo foi parar:

O tiefling albino:

Gaer - Gnomo dono da taverna:

Bhrindy - A mulher de olhos castanhos, nas lembranças passadas de Akron:

Os meio-dragões cromáticos que aguardam o grupo para o combate:

Meio-dragão negro:

Meio-dragão azul:

Meio-dragão vermelho:

Meio-dragão verde:

Dragão branco jovem:

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Perturbador - Caso 08 - A coisa certa a fazer...


Naquele momento único, tenso, de baixa capacidade de discernimento e de visão escurecendo, ela começa a lembrar-se de coisas que nunca havia parado para repensar ou reviver… Seu início, seus primórdios, suas primeiras etapas na vida… Era angustiante saber que ela podia ter feito aquilo antes, ter pensado antes, ter lembrado antes, mas infelizmente não aconteceu e agora… Era tarde demais para tentar corrigir… Rita nasceu em uma favela pobre do Rio de Janeiro! Desde muito cedo sua vida era trabalhar para ajudar os pais no sustento da casa, fosse nos semáforos, fosse ajudando na lida da casa… Seus pais sempre disseram à ela, sempre faça a coisa certa, mesmo que seja difícil e assim viverá em paz, não importa o problema que tenha para resolver!!

Dedicada e atenciosa aos ensinamentos dos pais, ela atingiu seus doze anos e começou a fazer serviços domésticos ao redor de onde moravam e assim, aumentou a renda da família sem precisar se voltar à situação à margem da lei que uma parte significativa dos mais pobres se voltavam… Agora, graças ao empenho de todos, eles tinham três refeições por dia para os quatro, seu pai, sua mãe, ela e seu irmão caçula… Na mente, sempre o conselho do pai quando se sentia fraquejar pelo cansaço e esforço:

 “- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!”

O tempo passou, e embora todo seu esforço e fé em dias melhores, quando tinha seus quinze anos um terrível incêndio na favela levou a vida de seus pais e irmão e uma nuvem negra abateu-se sobre ela… Sem casa, sem parentes, as ofertas da rua e da vida começaram a rondar-lhe, mas ela lembrava de seu pai: “- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!” De posse disso, Rita negou-se a deixar a conduta que sempre teve de lado, ia honrar os pedidos de seu pai! Buscou trabalho, dormiu algumas vezes na rua, mas conseguiu encontrar ajuda e um novo emprego, ergueu-se novamente com seu esforço e retidão!

Rita nunca estudou mas era uma empregada doméstica dedicada e profissional no que fazia, havia atingido seus dezoito anos apesar das dificuldades e persistência e agora, sua vida havia mudado… Estava trabalhando no centro do Rio de Janeiro, a família dos Moraes era íntegra, empática e a havia recebido muito bem… A patroa, professora de universidade particular estava grávida de seu segundo filho e feliz com o aumentar da família; o patrão, empresário do ramo de comércio internacional, estava radiante com o futuro onde Rita cuidaria deles e de seus filhos… Ambos com estabilidade e vida confortável, Rita conquistou a confiança da família, os Moraes admiravam e apoiavam a conduta da funcionária, sempre em qualquer tarefa destinada a ela, guiada pelos ensinamentos do pai falecido: “- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!” A nova oportunidade rendeu-lhe bom salário, foi convidada a morar com eles e incentivada a estudar para aprender a ler e escrever com mais facilidade, dando novas oportunidades! Rita estava feliz e convencia-se que seu pai estava certo, fazer sempre a coisa certa!

Alguns meses depois, o patrão foi convidado a assumir uma das filiais nos Estados Unidos e a família iria mudar-se… Rita foi convidada a ir com eles, teria moradia, escola e salário, além de folgas adequadas para ter uma nova vida… Nada mais prendia a jovem aqui e assim, em poucas semanas ela abandonava o Brasil e assumia nova pátria, com grandes expectativas no futuro junto dos Moraes… Em sua mente ela agradecia, “- Obrigado pai, por sempre fazer a coisa certa como me ensinou, hoje eu vivo bem e em paz!”

A família Moraes e Rita chegam ao seu destino, se instalam na nova casa, foram muitas semanas até tudo ficar pronto e finalmente estavam perfeitamente estabelecidos… Rita havia conhecido a vizinhança, estava matriculada em educação para jovens e adultos, mas adaptava-se maravilhosamente bem na nova cidade, na nova vida, e o lema de seu pai sempre à guiá-la… “- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!”

Em torno de um mês depois, o casal Moraes pediu à Rita que cuidasse do bebê recém-nascido e de seu filho mais velho, agora com doze anos, enquanto eles saiam para comemorar a nova fase de suas vidas. Com toda a responsabilidade do mundo, depois de colocar as crianças para dormir, Rita desceu as escadas e foi para a sala principal assistir TV. Do nada o telefone tocou, ela temia não saber responder pois conhecia muito pouco do inglês, mas resolveu arriscar… Do outro lado, ao invés de alô, a voz chiada e assustadora diz, em português: “- Estou aqui em cima com as crianças. É melhor você vir aqui”.

Rita, descrente de algo assim ser real, ignora a ligação, achou que fosse um trote e seguiu assistindo a TV. O telefone toca novamente, entre gargalhadas, a mesma voz sinistra dizia: “- Estou aqui em cima com as crianças. É melhor você vir aqui”.

Dessa vez Rita preocupou-se com a possibilidade de alguém estar rondando ou observando a casa, e ligou para a polícia avisando sobre o trote. Eles pediram para ela tentar prolongar a conversa com a pessoa no telefone caso ela ligasse de novo para que eles pudessem rastrear a ligação. O telefone como esperado pela polícia e indesejado por Rita toca outra vez, e a mesma voz sinistra sentencia: “- Estou aqui em cima com as crianças. É melhor você vir aqui”.

Rita não consegue prolongar a ligação e decide desligar e ir ver as escadarias, porém, quando largou o telefone ao gancho, embora receosa ela atende e seu espanto foi gigante ao perceber que era a polícia avisando que o tempo ao telefone havia permitido rastrearem a ligação e com voz apavorada, a oficial diz: “- Saia da casa, o homem está na outra linha, em outro cômodo da casa!”.

Assustada, ela ponderou as palavras da policial, mas também ponderou as palavras de seu pai…
“- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!”

Ao ouvir passos pesados no corredor, Rita entende que a policial estava certa e que as crianças eram sua responsabilidade, subindo as mesmas determinada ao mesmo tempo que em pânico, torcendo para que nada tivesse acontecido com elas quando então, fora como se o tempo tivesse parado… Uma sensação estranha e incômoda percorreu suas costas e ela resolveu parar e olhar para o espelho do corredor... A cena foi aterradora e ela não conseguia acreditar estar vendo aquilo...

No espelho, era ela, a mesma roupa, o mesmo cabelo, a mesma idade, mas... Sua expressão era sádica, estava coberta de sangue com uma enorme faca na mão direita à torcer a cabeça enquanto gargalhava… Sua mente então atacada por aquela visão, é invadida por uma recordação, algo destruidor, algo avassalador, algo que ela deveria saber o tempo todo e por algum motivo não lembrava… Ela enxerga em sua mente, o fogo... Lembra de que ela se viu no espelho no mesmo dia, mas com fósforo em, uma mão e álcool na outra, e lembra também de sua mãe e seu irmão já desfalecidos com as pancadas que com o rolo de massa ela havia feito nos dois... Seu pai? Ela nunca conheceu seu pai… Ela nunca teve um pai, fora fruto de violência sexual que sua mãe havia sofrido… Então, com a visão confusa e sua mente mais ainda, ela se pergunta: “- Então... Quem sempre… Me falou… Aquilo?"

Sua versão do espelho então sorri sadicamente se aproximando dela, mesmo que ela não houvesse se movido no corredor e eis que um vulto sombrio e demoníaco surge como que com a mão ao ombro da cópia maldita, satirizando: “- Oi filha… Que bom que fez a coisa certa…”

Rita grita de forma estridente, sua mão se move sob ordens do peso da culpa e da desilusão de ter fraquejado... Sua mão se guia pela fúria de ter sido tão fraca e sucumbido de novo... Agora ela tinha se decidido, estava determinada, aquilo nunca mais iria acontecer... Então, a dor lancinante e fina em seu pescoço e logo o liquido quente escorria abundante pelo mesmo trazendo a esperada redenção que a jovem finalmente teve coragem de procurar… Ela tenta levar as mãos, mas percebe que sua visão escurece aos poucos enquanto seu corpo chegava ao chão… Somente ali, naquele momento, ela sentia o prazer de organizar os pensamentos e entender tudo que acontecera desde sempre e naqueles segundos finais, enquanto por algum motivo obscuro ela mantinha a consciência, o vulto negro e disforme surge de novo, diante dela mas agora no corredor, sorrindo maliciosamente... "- Bem vinda de volta... Filha... Eu senti saudades..."

Quando a polícia invadiu a casa, encontrou Rita com o corte fatal no pescoço, as crianças esquartejadas, e centenas de pegadas descalças impressas com sangue por toda a residência…

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Perturbador - Caso 07 - Culpado acima de tudo...


A escuridão daquele cemitério era intensa, mal se enxergava o chão onde precisava cavar... Estava passado já da meia-noite como nos bons contos de história de terror… Em princípio eu deveria ter medo, ficar assustado, com o vento que imitava vozes à me chamar, com as sombras que pareciam monstros à espreita, com os portões e placas que batiam e rangiam como se os demais mortos quisessem sair dos túmulos…

Eu estava cansado, sujo, minhas mãos sangravam um pouco devido ao esforço para cavar o buraco que fosse adequado para seu tamanho… O velho estranho me disse que se o buraco fosse do tamanho certo, iria funcionar, que era a grande dádiva de sei povo à operar... A chuva atrapalhava, deixava a terra encharcada, não tinha apenas a terra para ser mexida, a água anexada aumentava o peso e tornava tudo mais difícil…

Além do esforço para abrir o buraco ao chão, as lágrimas e o choro me tiravam as forças... As imagens, as cenas, os momentos que nos levaram ali, me corroíam a alma e me faziam soluçar e por vezes gritar, desperdiçando energia valiosa… A autoestrada deserta, a discussão, os gritos, a noite, a falta de atenção, a curva e a água na pista… Tudo que lembro após é dolorido demais para analisar e mesmo assim, mesmo com a dor insuportável, tudo aquilo me salta à mente à cada instante, me culpando novamente por tudo…

Termino o serviço, saio dali como posso, não estou com medo, não tenho medo do ambiente nem dos que ali vivem, sou Eduardo Ramirez e minha meta é muito maior que isso, pois não poderia ter sido desse jeito, não poderia ter sido assim, não com Bianca… Isso não podia ter acontecido, eu tinha que resolver aquilo de qualquer forma... Eu entro em meu carro... Não, em nosso carro e me afasto em direção à nossa casa, com pressa, com ansiedade, com emoção, com a sensação de que fiz o certo…

Os relâmpagos cortam o céu terrivelmente quando adentro pela porta da frente de nossa casa, vou andando até perto da janela onde ficávamos a olhar as estrelas sentando-me pesadamente ao chão, mas desta vez, contemplando as nuvens turbulentas e o estrondar dos raios violentos lá fora... Alguns segundos de sobriedade e então de novo, a mente me assalta e minha consciência me cobra…

O carro sai da pista em plena floresta, rodopiou algumas vezes, ela foi jogada para fora pois havia removido o cinto para se jogar do carro… O carro seguiu descendo e se arrebatando, mas era mais lento que ela que foi arremessada mais à frente de forma brutal e quando finalmente tudo parou, lá estava Bianca em pé, expressão indescritível e aterradora, prensada contra uma árvore pelo nosso carro enquanto eu ainda estava ao volante, preso pelo cinto... Sua região abdominal esmagada pelo choque e ela ainda podia me olhar e respirar de forma fraca, o suficiente pra entender o que aconteceu antes de perder os sentidos e desfalecer…

O socorro chegou, a polícia chegou, ela foi levada e eu não fui culpado por ninguém… Ela foi examinada, liberada, sepultada e eu ainda assim não fui acusado de nada… Mas eu estava no volante, eu discuti por besteira, eu a acusei de algo que não havia feito à ponto dela tentar se jogar do carro… Então veio a curva e tudo aconteceu e eu a perdi…

Finalmente todas aquelas lembranças e dores me traziam para a realidade de novo, onde via o sangue escorrendo de minhas mãos pelos ferimentos da pá, era o início do meu êxtase naquela noite e minha espera parecia ter chegado ao fim, eu seria finalmente penalizado por tudo que fiz…

O local era ideal, me prometeram que encontraria li o que buscava… Apostei tudo nisso, removi ela de seu sepulcro e a levei para onde era o indicado, finalmente agora eu estava feliz e completo, minha hora de finalmente sorrir havia chegado…

A porta principal da casa se abre com um rangido que não tinha quando entrei, parecendo demonstrar um peso sem igual a forçar-lhe a abertura… Não ouso me virar, finamente eu tenho medo, finalmente eu temo por mim… Ouço passos encharcados, passos lamacentos, algo que parecia trôpego e falho na caminhada… Quero correr mas não o faço, eu esperei por aquilo, eu ansiava por aquilo… Então, dedos frios envolvem meu pescoço e começam a apertar até que sinto o ar começar à faltar em meus pulmões e meu sangue ter o fluxo interrompido… Sorrio... Ela voltou para mim... Finalmente alguém irá me culpar e me punir pelo que fiz!

FIM

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Grund-Tharg - Cap. 13 - "- Na vila de Qweerhar..."


Os olhos iam-se abrindo lentamente e a claridade amena não chegava a incomodar… O cheiro de grama e de mata agradou e muito o olfato assim como o cheiro de algo cozendo ao fogo brando fazendo reativar cada vez mais os sentidos do gigante selvagem… Com um pouco de dificuldade ainda, Tharg busca se localizar e tentar entender onde estava, conseguindo visualizar diversas camas rústicas revestidas com palha e algumas peles lanudas de diversos tipos, deixando tudo cada vez mais agradável ao bárbaro tão acostumado com a vida simples das florestas…

Com certeza o local tinha muitas camas, tantas como se uma família numerosa ali vivesse e tão logo focou de onde vinha o aroma saboroso e apetitoso, Grund tenta sentar-se para se levantar e seguir em busca da refeição, mas mal se mexeu e Akron surgiu diante dele sorrindo de forma eufórica, perguntando logo em seguida: “- Tem certeza de que já consegue se levantar grandalhão? O clérigo disse que você precisaria de mais tempo que nós visto que fez muito mais esforços físicos que todos…”

Grund-Tharg observa o tiefling sorrindo embora fosse um sorriso que denotava leve preocupação... Devolvendo um sorriso de satisfação, o bárbaro ergueu-se com firmeza, caminhando em direção ao local que seu nariz apontava como fonte de comida, respondendo em bom humor: “- Precisa mais que uma queda de braço com um dragão para me deixar em coma nanico!”

Akron dá risada como se discordasse do gigante mas feliz pelo bom humor do aliado e, tão logo passou pelo canto da parede, o bárbaro avistou Nissa, Syndra e Jhon, sentados ao redor do fogo que fervia calmamente um caldeirão cheio da aromático cozimento... O gigante se sentiu como que despertando por completo enquanto seu intestino emitia poderoso ronco ao observar a refeição sendo mexida calmamente por alguém que com certeza seria a anfitriã do local… Tharg detém seu movimento por alguns segundos tentando entender o que acontecia, observou quem mexia o caldeirão por uns segundos quando então ouviu de Nissa: “- Nossa… Que homem valente… Queda de braço com um dragão e ficou somente… Três dias em coma!”

Nissa, Syndra e Akron riam muito, Jhon apenas sorriu levemente e a anfitriã que mexia a refeição, sob qualquer olhar mais destreinado diria tratar-se de uma elfa, aparentemente com média de vinte verões de seres humanos, mas sua pele escura, quase em tom de azul petróleo e seus cabelos cor de prata demonstravam se tratar de outra raça, a conhecida como drows ou vulgarmente chamados de "elfos das sombras"...  Com olhos tão azuis quanto o mar ela sorria discretamente sem observar ninguém, aparentando mantendo uma certa distância, talvez por não ter sido apresentada ao bárbaro ainda… As tribais espalhadas pelo corpo da anfitrião demonstravam um alto poder de magia arcana, mas não se podia definir de que tipo e enquanto isso, Tharg se mantinha sério, observava a todos e busca em suas memórias se poderia ter ficado tanto tempo dormindo, suas lembranças chegavam apenas até o momento em que foram teleportados por Laryana para algum lugar… “- Bando de chacais mentirosos, estão a rir de minha cara, três dias em coma eu não acredito nisso…”

Então a elfa estende o braço ao bárbaro alcançando uma espécie de tigela que tinha quase o tamanho de um bacia média, repleta do cozido que continha legumes e carnes, nadando em uma espécie de creme de tonalidade marrom repleto de grãos, era impossível resistir ou negar a refeição e tomando a mesma com as duas mãos, o bárbaro esqueceu sua descrença no coma, sentou e começou a comer o cozido com satisfação enquanto a anfitriã apresentava-se: “- Eu sou Elora e estão em minha casa de socorro… Sou uma espécie de socorrista para os moradores desta vila onde estão e sim, o senhor esteve por três dias dormindo, senhor Corcel Alado.”

O bárbaro sequer olha para Elora, que por sua vez segue seus afazeres sem prestar mais atenção ao mesmo… Embora ainda incrédulo, Tharg estava mais preocupado em se alimentar, mas apesar de parecer que sim, não ignorou o olhar diferenciado da elfa… A fome parecia corroê-lo por dentro e embora a situação destoante, dedicou-se a comida com exclusividade e em poucos minutos havia devorado todo o conteúdo, limpando a boca com o braço e estendendo o mesmo à elfa, solicitando mais uma porção! Enquanto isso se desenrolava, Jhon olha para Tharg completando: “- Nós acordamos há poucas horas, mas seu corpo maior consumiu mais de você meu amigo…”

Syndra então se levanta, debruça sobre as costas de Tharg chegando perto de seu ouvido, sussurrando com sarcasmo: “- Não seria a primeira vez que você não consegue nos acompanhar senhor bárbaro, não é mesmo Nissa?”

As duas sorriem, Tharg fecha o semblante, Jhon se mantém sério enquanto Akron nada entende da piada interna... A anfitriã no entanto, mesmo sem saber do que aconteceu especificamente, sorriu com sarcasmo, parecia embora não tivesse vivenciado o acontecimento, entender do que se tratava a piada! Enquanto Tharg e os demais comiam, eis que a porta do recinto se abre e uma figura de cabelos loiros e compridos, trajando uma armadura leve mas bem protegida, em tons de amarelo, branco e verde surge pela mesma, com um sorriso amistoso e parecendo estar feliz com a cena que via, aproxima-se do local comentando:

“- Em nome de Luuthander, expresso minha felicidade em ver agora, o grupo inteiro desperto e recuperado! As graças do Senhor do Amanhecer finalmente os trouxeram de volta à plenitude de vossas capacidades… Seja bem-vindo filho dos Corcéis Alados, Grund-Tharg! Eu sou Kinseph e através de mim os dons de meu senhor estão ao dispor de todos vós…”

Todos acenam positivamente como que agradecendo aos cuidados do clérigo para com suas saúdes, com exceção de Tharg que com a colher na boca olhando para o recém chegado, ainda tentava entender tudo que havia sido dito, optando por ignorar e seguir comendo enquanto os outros que cuidassem das frivolidades, segundo sua visão! Alcançando a vasilha novamente à elfa anfitriã o bárbaro segue saciando sua fome enquanto os demais divagam sobre a situação:

“- Como chegou até nós no exato momento em que mais precisamos senhor Kinseph?” Era Jhon Raven, quem curioso e, precavido, fazia a pergunta, ao passo que como sempre sorridente, o jovem clérigo respondia:

“- Por favor, me chame apenas de Kinseph e me permitam tratar a todos da mesma forma! Nosso clérigo mais antigo em nosso templo me disse que Luuthander tinha uma missão para mim, encontrar e auxiliar o grupo que tinha sobre as costas a tarefa árdua de resgatar um artefato importantíssimo para a manutenção de nossa existência… Assim parti em minha jornada e acabei depois de alguns encontros com necessitados, chegando à esta agradável pousada onde pude ajudar senhorita Elora à tratar adequadamente de todos! Foi através dela também que pude saber como vieram parar aqui, quem os enviou e sobre sua missão, considerando então que graças às benevolências de Luuthander, eu encontrei meu destino!”

A anfitriã pretendendo deixar bem claro como tudo aconteceu, se pronuncia: “- Wigferth é amigo de nosso vilarejo há bastante tempo... Ele avisou-me da vinda de vocês e que precisariam repouso e cuidados… Fiz o que pude, mas creio que providencialmente, Kinseph surgiu em minha porta para realmente poder tratá-los, afinal, sem as devidas magias de cura suas recuperações demorariam muito mais… Então na verdade eu é quem fui a ajudante, Kinseph é o verdadeiro responsável pelo restabelecimento rápido de todos!”

Kinseph apontava para cima como dizendo, “- Luuthander os curou, não eu…” enquanto Nissa com a mão ao queixo ponderando, comenta: “- Luuthander… Wigferth é seguidor desta divindade igualmente, ele deve ter solicitado ajuda ao templo de outra cidade… Mas porque não enviou alguém do templo de WinterLess mesmo?”

Um tanto desconfortável com a consideração de Nissa, mas sorridente e plácido como desde que o viram pelo primeiro instante, o clérigo toma a palavra explicando: “- Não somos uma organização militar Nissa… Não somos chamados à uma missão de acordo com disponibilidade, treinamento ou mesmo posição geográfica ou ainda afinidades pessoais… Luuthander nos designa para a tarefa quando uma surge, e o escolhido é aquele que precisa aprender ou ensinar algo durante sua trajetória, na maioria das vezes os dois casos são verdadeiros…”

Syndra então é quem toma a palavra e continua: “- Eu compreendo... Não se trata de enviar qualquer um, mas sim aquele que por qualquer que seja o motivo, irá de alguma forma fazer diferença, para si ou para os outros em tal missão… Eu gosto disso!”

Kinseph sorri feliz, enquanto Nissa acena positivamente muito de leve como se considerasse as palavras e analisasse as ponderações sobre eficiência ou não de tais métodos… Akron então começa a caminhar pelo ambiente e continua: “- Luuthander é uma poderosa e exuberante divindade, popular entre as pessoas comuns, nobres, mercadores e jovens. É otimista e perseverante que abençoa os empreendimentos e destrói mortos-vivos com sua maça "Voz do Amanhecer". Seus templos são geralmente prósperos, não existe uma autoridade central nos mesmos e cada líder de templo é respeitado igualmente, não importando o tamanho de seu rebanho. Seus fiéis são encorajados a construírem algo novo, restaurar áreas áridas, fomentar o crescimento, cultivar a terra, evitar o mal e trabalhar para restaurar ou levar as civilizações para novos patamares de harmonia, arte e progresso. Normalmente visto como um homem jovem e atraente, Luuthander é um antigo poder com uma longa história na orientação da criação, progresso e inovação. Ele se opõe às divindades do mal, destruição e morte. Seus aliados incluem as divindades da natureza, bem, artes, beleza e invenção. Tradicionalmente inimigo das divindades da morte, ele aceitou Kellintor por seu combate às criaturas mortas-vivas mas ambos mantém suas “distâncias e respeitos”.

Kinseph sorridente, acena positivamente: “- Nem mesmo alguns clérigos de nosso Senhor do Amanhecer definiriam tão bem o mesmo… Estou impressionado Akron… De resto é lutar sempre para ajudar, fomentar novas esperanças, novas ideias e prosperidade para a humanidade e seus aliados. Fomentar o crescimento e trabalhar para o renascimento e renovação. Se aperfeiçoar, ser fértil na mente e no corpo. Onde quer que se vá, plantar novas sementes de esperança, novas ideias e planejar um futuro melhor nas mentes de todos. Assistir cada nascer do sol, considerar as consequências de suas ações para que elas tragam as maiores e melhores recompensas. Afastar-se da negatividade afinal existirá sempre outra manhã para tentarmos o sucesso novamente. E por último e não menos importante, coloque mais importância nas atividades que ajudam outros, a obediências às regras, rituais e ditames dos mais antigos. Eis nosso senhor Luuthander... E é para ser seu representante junto a vós que aqui estou!”

O clérigo faz uma reverência cordial enquanto os demais, exceto Grund-Tharg que ainda comia como se o mundo fosse terminar em minutos, acenam positivamente, da mesma forma que demonstravam certa surpresa pela notícia e era Akron quem questionava novamente: “- Então seguirá viagem conosco Kinseph?? Isso será muito bem vindo, certo pessoal?”

Jhon Raven era quem tomava a palavra erguendo-se de seu assento, considerando: “- Kellintor confia em Luuthander, e como ele eu sigo a mesmo vertente… Além do mais, Wigferth também já demonstrou em abundância o quanto os seguidores de Luuthander são dispostos à ajuda e ao bem comum, o que os torna confiáveis ao extremo… Seja bem-vindo Kinseph e obrigado por tudo que fez por nós!” Nissa, Syndra e Akron recebem Kinseph da mesma forma enquanto o selvagem Tharg termina de empinar a vasilha novamente, limpando a barba com o antebraço e olhando seriamente para Kinseph como se o analisasse… Alguns segundos então e o bárbaro faz menção de dizer algo, mas ao invés de palavras, tudo que sai da boca do fanfarrão foi um arroto poderoso que durou pelo menos cinco segundos e preencheu a sala com o odor da refeição devorada enquanto ele sorridente estende a mão ao clérigo:
“- Se os meus aliados concordam, Grund-Tharg apoia sem pensar duas vezes!”

O novo grupo estava formado, um reforço muito bem vindo havia chegado até eles e agora poderiam preparar-se para seguir jornada, afinal, haviam obtido a chave que poderia anular o poder do necromante por alguns instantes, tempo que eles usariam para avançar pelos domínios do mesmo e recuperar a "Esfera Dimension", porém… Ainda precisavam conseguir a façanha de chegar até lá e colocarem o plano em prática, o que exigiria deslocamento, furtividade, logística e muito esforço… Assim, usando uma das mesas que ali estavam, o grupo se reúne com todos os membros ao redor, ficando apenas Grund recostado em uma cadeira contra a parede um pouco mais ao longe e Elora que observava a todos de fora do círculo enquanto debatiam…

“- Se tivéssemos alguma outra maneira de vencer a distância que não fosse em marcha, uma linha reta seria a melhor opção, mas existem muitos obstáculos… Poderíamos pegar a estrada principal após SilverRavine, mas, isso nos colocaria em completa visualização dos espiões de Adramanter…” Era Jhon quem argumentava olhando para tudo, tentando encontrar uma rota menos exposta mas não tão longa quanto os contornos demonstravam… Akron observava também mas nada falou, apenas continuou a ouvir as opções e então foi Syndra quem se manifestou:

“- A única maneira de seguir essa ideia, seria nos disfarçando, mas duvido que o necromante não tenha olhos até mesmo entre os honestos para revelar nossas posições… É a linha mais rápida e prática, mas sem dúvidas a mais exposta…” Nissa então analisa tudo, pensa, repensa algumas coisas para si mesma e então sacode negativamente a cabeça:

“- Mesmo que usássemos todos nossos poderes mágicos disponíveis, mesmo que conseguíssemos vencer a distância com magia, chegaríamos diante da torre exauridos e sem condições de lutar… Realmente não é adequado tentar meios que não sejam a marcha, e pela marcha ou nos expomos ou aumentamos o trajeto…” Akron então fica passando os dedos pelo mapa como se contasse algo e depois de algum raciocínio, era sua vez de ponderar:

“- E acho que todo mundo esqueceu de algo… Seja qual for o meio que usarmos, precisaremos dormir… Não poderemos caminhar sem parar até a torre ou cairíamos em exaustão como Nissa bem citou… Além de achar uma rota adequada, ainda precisaremos achar uma rota que nos permita pousadas ou reabastecimento… Isso vai ser bem complicado…”

Grund-Tharg que tentava remover um pedaço de carne travado entre seu dente canino e o incisivo, desencosta-se de onde estava e abrindo espaço se aproxima da mesa com expressão de quem estava cansado de tanta falação, olhando para o mapa com atenção enquanto a anfitriã o observava, um tanto admirada com a atitude inusitada do selvagem, ao mesmo tempo que meio que mordiscava a ponta do próprio lábio… O bárbaro então olha para todos e conclui:

“- A Floresta Enluarada nos dará abrigo até suas fronteiras próximas à "Torre Solitária"… Aqui Adramanter não tem olhos eu creio… Faremos pausa na minha tribo onde conseguirei cavalos à todos nós e então o percurso se tornará menos demorado, mas ficaremos à vista de qualquer forma… Também posso conseguir parada ou abrigo na cidadela FerrBahrr… Depois disso, nos sobra cruzar o rio em alguma parte e escalar as montanhas, nada além…”

Todos se observam, o plano de Tharg era o mais simplista de todos e também o mais longo de ser feito, mas sem dúvida alguma era o que permitia mais recursos e opções de sobrevivência… Jhon observa os demais, olhando cada um diretamente em seus olhos colhendo suas opiniões e todos por fim concordam com a ideia do bárbaro, decidindo então o rumo que tomariam para continuar sua missão! O grupo reúne o mapa e começa a preparar seus materiais e suas vestes para partir ao passo que Grund-Tharg apenas apanhou seus pertences e sai do local quase que arrastando seu material pelo chão, indo para o lado de fora da cabana, finalmente confirmando onde estavam… Um sorriso cobriu-lhe o rosto com satisfação e procurando a árvore mais próxima, recosta-se à ela fechando os olhos enquanto o sol ficava à sua frente… “- Qweerhar… Bom estar aqui de novo…”

Súbito o sol some de seus olhos, ele os abre e Elora estava diante dele, parada… O bárbaro à observa por alguns segundos e então dispara seu impropério: “- Veio cobrar a refeição?”

A elfa finalmente sorri com mais satisfação e em tom quase malicioso responde: “- Na verdade eu venho em nome de outro débito mas se preferir tratar dessa forma a situação, me siga para realizar o pagamento senhor selvagem… Mas lembre-se que comeu bastante do cozido que preparei, terá que pagar na proporção adequada… Ainda mais que a última vez que comeu algo por aqui, já tem mais de seis luas… ” A jovem segue em direção à uma cabana bem menor mas limpa e organizada, enquanto Grund deixa escapar um sorriso igualmente malicioso, erguendo-se e, arrastando seu material como quando saiu do posto de socorro, seguiu Elora desaparecendo dentro da cabana pelo mesmo tempo que os demais levaram fazendo seus preparativos para iniciar sua viagem…

Algumas horas depois, o sol então estava agora saindo já de seu ponto central ao céus, indicando que metade do dia havia sido alcançada… O grupo se reúne para partir e quando iam começar a marcha, era Akron que perguntava por Grund que não estava entre eles... Como que em resposta, o último integrante do grupo de aventureiros vinha se juntar à eles, ainda colocando parte de suas vestes preparando-se para seguir com o grupo enquanto na porta da cabana, Elora coberta com um tecido que deixava parte de seu corpo à mostra sorria com malícia completando: “- Venha fazer refeições sempre que quiser Grund-Tharg… Sabes bem que meu cozido é a melhor refeição destes reinos...”

O grupo reagia de formas diferentes, Akron com sorrisos maliciosos e risadas baixinhas, Nissa e Syndra com um misto de espanto e revolta com as palavras de Elora, olhavam para Tharg e para Elora várias vezes tentando encontrar uma resposta que não fosse a óbvia explícitas a todos… Jhon ignorava por completo a situação enquanto Kinseph empolgado comentava: “- Fertilizar o mundo é uma dádiva nobre Tharg, em breve uma prole poderá aguardá-lo neste novo lar!” 

O bárbaro olha para Kinseph e deixa escapar uma alta gargalhada, comentando: “- Se por prole estás falando de um rebento, isso é para quem não sabe aproveitar o coito corretamente clérigo! Precisa aprender mais sobre a vida seguidor do deus sol!”

Agora o grupo todo ria de forma moderada e a boa energia tomava conta de todos, enquanto os aventureiros iniciavam sua marcha rumo à tribo dos Corcéis Alados!

O grupo seguia pela Floresta Enluarada, Grund-Tharg, sentindo-se em casa, ia à frente em uma movimentação que mais se tornava um paradoxo à todos do que uma cena propriamente dita… O selvagem tinha em média dois metros de altura, sua largura era incomparável com o do resto do grupo, sua musculatura fortemente desenvolvida, mas, contra todas as possibilidades, em batalhas ou em movimento, ele agia e reagia com a agilidade de um felino… Suas ações como escalar árvores e rochedos eram superadas somente por Akron que com seu tamanho diminuto perto do gigante levava grandes vantagens neste quesito ou furtividade por exemplo… Já as técnicas de espada de Tharg, em termos de habilidades de movimento, eram superadas por Jhon Raven igualmente, assim como o bárbaro era incapaz de conjurar magias como os demais, porém... O tanto que quase alcançava os dois aliados em suas vantagens naturais, unidos a seus instintos selvagens, o tornava alguém versátil, poderoso e temido… Sem dúvida viajar com Grund-Tharg havia dado muito mais segurança aos demais do grupo e isso refletia na capacidade em que todos agora podiam se dedicar à suas especialidades enquanto ele servia como muralha e ataque devastador…

Nissa, ponderando sobre momentos atrás, relembra algo que o grupo havia deixado passar, questiona… “- O vilarejo do qual saímos há pouco, para onde Wigferth nos mandou e que Elora e Kinseph nos ajudaram, chamava-se Qweerhar, estou certa? Não foi este o nome que senhor Aramis nos falou, que seria seu vilarejo de origem?”

Syndra assentiu com a cabeça, completando: “- Sim, eu lembro bem desse momento… Torço pra que eles tenham conseguido chegar até SilverRavine em segurança e que tenham chegado a tempo de salvar aqueles pobres aldeões que estavam bastante feridos…”

Foi neste momento que Kinseph juntou as informações e com um brilho no olhar, questionou: “- Falam de senhor Aramis, líder de uma caravana que foi atacada por Orcs e Ogros, e salva por um grupo de aventureiros que dirigia-se para o Fosso do Réptil?” À exceção de Tharg que seguia seu trabalho de batedor, os demais detém seu movimento e observam o clérigo como se concordassem, ansiosos por alguma informação, ao que Kinseph explana:

“- Quando vinha em jornada, cheguei diante dos portões de SilverRavine mas senti que minha missão não se encontrava lá… Segui caminhada pela estrada principal e em torno de uma hora após, encontrei a caravana estacionada abaixo de árvores… Me aproximei para ver se podia ajudar de alguma forma e um deles, uma criança, estava em seus estágios finais devido ao sangramento! De pronto invoquei os dons curativos de Luuthander e consegui estabilizar o menino para logo em seguida passar a cuidar de todos que ainda encontravam-se feridos… Ficamos ali por algumas horas e anoiteceu, passei a noite ao lado deles e no dia seguinte, eles partiram para SilverRavine enquanto em empreendi caminhada rumo ao Fosso do Réptil já que os aventureiros que Aramis citou poderiam ser o grupo que eu buscava… Porém, não consegui achar o caminho e rastro que seguiram e acabei indo à Qweerhar para tentar alguma informação, onde finalmente e porque não dizer, providencialmente, encontrei à todos vós! Em suma, eles estão bem, fiquem tranquilos, o Senhor do Amanhecer os guarneceu no momento mais desolador!”

Jhon sorri sem sequer olhar para trás enquanto Akron e as arcanas comemoravam o salvamento do grupo… “- Parece que seu deus realmente tem boas sugestões à fazer Kinseph, graças à você e a ele aqueles viajantes apesar do acontecido, conseguiram atingir seu destino… Em nome de todos nós eu lhe agradeço…” Era Nissa quem se pronunciava e enquanto Kinseph dirigia os agradecimentos à sua divindade, Jhon seguia atento a tudo enquanto Akron aproximou-se de Tharg questionando algo que lhe instigava a mente desde que viu o bárbaro em combate pela primeira vez… Com calma e cuidado ele o acompanha como pode e dispara: “- O que é exatamente aquilo que acontece com você quando fica furioso Tharg? Eu percebi que sua massa muscular aumenta, sua força se amplifica e é quase como se você ficasse sem controle… Que tipo de habilidade é essa?”

Tharg detém o movimento por alguns segundos, seu rosto se manteve fixo à frente como se observasse algo adiante e alguns segundos se passam obrigando todos na “fila indiana” a se deter igualmente, prestando atenção no que acontecia… O selvagem então após sua reflexão momentânea, vira-se para Akron o observando por mais alguns segundos, respondendo finalmente:

“- Não tenho ideia do que tu tá falando diabrete! Simplesmente o chacal revida e eu revido mais forte, não tem magia nenhuma, é enfiar o punho no crânio do oponente até seu braço adentrar a cabeça vazia dele e encerrar o combate… Só isso!”

O gigante vira-se e segue adiante enquanto o resto do grupo se observa e logo segue adiante também… Akron seguia mais lento, sua mente estava voltada à sua pergunta que não havia sido respondida satisfatoriamente pensava ele… Jhon percebendo o impasse, estudioso dedicado de tudo que fosse ao seu alcance, aproxima-se do tiefling e enquanto Tharg estava ocupado com o guiar do grupo em direção à tribo dos Corcéis Alados, o kellintorita satisfaz a curiosidade do aliado: “- A Fúria é uma habilidade tão natural aos bárbaros como respirar para todos nós! É a mais importante dos primeiros combates de um guerreiro selvagem como ele, e tudo se deve ao tipo de vida que esses guerreiros tem desde que nascem e são colocados diante das provas da vida! Basicamente ao ficarem irritados, esse fator ativa-se neles de forma natural, aumenta sua força e defesa muito além do que o normal gigantesco que já possuem! Suas habilidades de ataque e defesa com armamentos e recursos se elevam igualmente os deixando mais letais, mais brutais e mais motivados que nunca! Claro que isso também cobra seu preço, pois se fosse um bárbaro conjurador, algo bastante raro, Tharg não teria concentração suficiente estando nesse estado para convocar uma magia, ou mesmo, reconhecer aliados dependendo do nível de imersão de sua fúria...”

Nissa então é quem se aproxima e completa a explicação de Jhon com um importante detalhe: “- A fúria dos bárbaros concentra todos os seus sentidos em dois únicos focos, sobreviver e derrubar o oponente... Com isto em mente, é necessário que se entenda que nesse estado de atividade, ele poderá não distinguir aliados de inimigos, quem se opor a ele, será derrubado até que alguém o derrube... É fato que ao se acalmar, seu corpo se torna exausto e ele precisa descansar para poder continuar, porém até tirá-lo desse transe digamos assim, ele pode ter derrubado meio mundo!”

Syndra é quem se aproxima pelo outro lado colocando a mão sobre o ombro do tiefling, com um sorriso sarcástico ao rosto: “- Em outras palavras meu estimado Akron, quando Tharg estiver em fúria, evite ficar próximo a ele, dê tempo para que se recupere e reencontre suas percepções normais, só então corra esse risco...”

De repente todos passam a prestar atenção ao selvagem foco do debate que novamente se deteve e observava para vários lugares buscando por algo… Ele ergue a mão direita com o punho cerrado indicando que pedia a todos que detivessem seus movimentos e ficassem atentos, enquanto ele sobe em uma das árvores com extrema agilidade… Akron o acompanha subindo em outra árvore e do topo das mesmas ambos conseguem observar o fenômeno… Uma estranha e densa névoa cobria o caminho totalmente, como uma coluna de nuvens rasteiras se dirigia velozmente na direção deles, branca, lenta e espessa, e foram necessários apenas segundos para os dois aliados chegarem ao chão com a notícia, ao passo que a nuvem abraçou a todos gerando poderosa dificuldade de visão, obrigando o grupo a se manter próximos para protegerem-se…

Abrindo e fechando as narinas como que farejando, o selvagem foi o primeiro a falar sobre: “- Isto não é fumaça ou névoa… Pelo menos não natural, não há cheiro, não há umidade, é como se ela não existisse de verdade…”

Nissa e Syndra acenam positivamente e ambas eram categóricas em afirmar que a névoa era realmente uma conjuração, ao passo que Kinseph e Jhon concordavam também ao se olhar, que a mesma estava impregnada de maldade… Todos sacam suas armas e criam um círculo, com os conjuradores ao centro e os demais os cercando prontos para o combate que com certeza chegaria… Longos segundos de silêncio se promoveram e tudo tornava o ambiente mais angustiante ainda quando finalmente, os sons irromperam de todos os lados e dezenas de goblins saltaram por sobre os aventureiros, com suas adagas e espadas à mão prontos para a matança!

Os primeiros à chegar ao grupo explodem em chamas diante dos ataques mágicos de Syndra e Nissa que com seus olhos irradiando energias místicas, criavam uma barreira quase completa, incinerando todos que a tocassem; a segunda leva foi brutalmente rechaçada pelos golpes de machado, espada e adagas de Grund, Jhon e Akron respectivamente, suas armas rasgavam, partiam ao meio, quebravam ossos e atingiam pontos vitais certeiros que além de os tirar de combate, garantiam a morte certa após o sangue se esvair por completo… Kinseph se preparava para curar os ferimentos dos aliados que viessem a surgir de tal batalha mas os furiosos e preparados aventureiros estavam a segurar as ondas de ataque uma a uma com maestria! Os combates que haviam vivenciado até então os havia calejado, deixado mais unidos, conheciam-se uns aos outros e os goblins é quem estavam percebendo isso da pior maneira possível!

Quando a terceira leva se lançou contra eles um leve tremor de terra contínuo se propagou pelo lugar assim como a entoação de gritos de guerra que aumentavam em uma velocidade incrível e mesmo sem conseguir ver corretamente o que acontecia, era possível ver os goblins sendo arrebatados por golpes de machados, martelos e flechas às dezenas… Muitos foram mortos ali mesmo em meio a névoa, a grande maioria se colocou a correr em desespero enquanto os gritos ovacionais tomavam conta do local! Grund-Tharg e os demais, sem entender ainda o que acontecia, mantinham-se em prontidão completa, não tinham ideia de quem agora atacava até que finalmente a gritaria cessou e começou novamente a imperar o completo silêncio…

Passos curtos mas pesados podiam então começar a ser distinguidos, assim como o bárbaro começou à sentir o odor que tomava conta do local e a abrir, um leve sorriso… Como se num passe de mágica, de dentro da névoa ainda espessa e poderosa surgiam dezenas, talvez centenas de pequenas pessoas trajando armaduras possantes, armas cortantes assustadoras assim como barbas gigantes e que quase escondiam seus rostos… Poucos segundos foram necessários para serem reconhecidos por Tharg através de suas insígnias… Anões Defensores dos Salões de Mithral… Tharg desfaz sua pose agressiva e dirige-se ao grupo que os havia ajudado, com um sorriso de orelha a orelha ao rosto ao ver que estavam diante de aliados de seu povo de longa data! Guardando seu machado, sendo seguido pelos demais aventureiros que fizeram o mesmo, Tharg cumprimenta:

“- Burnnar seu maldito destruidor de barris de cerveja… Há quanto não te via seu fedido caçador de goblins! O que faz tão longe dos salões de Mithral?"

O anão sorri levemente, mas bastante rígido com as palavras diferente de Tharg, responde ao mesmo satisfeito: “- Sempre te disse que beber cerveja é uma arte e não uma capacidade, mesmo com o dobro do meu tamanho, você jamais beberia mais que eu seu chacal fedido! E Goryn como está, ainda corre atrás de centauras? AHAHAHAHAHAHA!”

Os dois riem bastante mas então tomando uma feição mais séria, Burnnar comenta preocupado: “- Mas me diga, quem são seus aliados e porque acha que estamos longe dos salões de Mithral?"

Tharg rapidamente aponta para cada um dizendo seus nomes sem muita cerimônia para logo em seguida alegar sua fala: “- Ora, saímos de Qweerhar tem poucas horas em direção a minha tribo, os salões ficam do lado oeste da floresta há dois dias de viagem pelo menos… Então vocês tão longe de casa oras…”

Burnnar fica sério olhando para o bárbaro como se quisesse definir se o mesmo falava a verdade ou estava à pregar-lhe uma peça… Percebendo a seriedade nas palavras de Tharg e a expressão dos aliados que endossava suas palavras, o anão comandante daquela patrulha, com voz séria e comedida explica: “- Grund-Tharg… Saímos tem minutos do posto avançado quase diante dos Salões… Não estás perto de Qweerhar, estamos no lado oeste da Floresta Enluarada, como bem dissestes, praticamente dois dias de onde tu alegas ter estado…”

O grupo fica atônito, se olham entre si e Tharg ainda fica a observar o anão esperando a risada que confirmaria a piada do mesmo, mas ela não veio e então o bárbaro exprime sua sentença máxima de espanto:
“- QUE PORRA É ESSA..."



Galeria de imagens:

Kinseph - Clérigo de Luuthander:

A anfitriã de Qweerhar - Elora:

Comandante da Patrulha de Anões Protetores - Burnnar:

O ataque dos Goblins:

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Perturbador - Caso 06 - Amor a qualquer custo...


A chuva caía de forma intensa… Não era algo impossível de se suportar, mas ela molhava bastante, era fato… Não estava frio também, a temperatura deixava os pelo eriçados, mas ainda assim não incomodava… Na verdade, tudo aquilo que se podia sentir ali em nada se comparava a tudo que já havia sentido… Eu havia decidido, não queria sentir mais nada…

Ao nascer minha mãe morreu, meu pai me culpou enquanto viveu pela perda dela… Eu sentia que ele não me amava por conta disso… Aos oito anos foi a vez de meu pai partir e então fui para uma casa de acolhimento… Fome, frio, maus-tratos entre outras coisas que prefiro sequer mais lembrar causada pelos cuidadores da instituição, à destruírem o pouco de mim que ainda restava… Eu tinha quase uma década e ainda ninguém nunca tinha me amado de verdade…

Consegui sobreviver, cheguei à adolescência, a escola mesmo com os bullyings devido à minha massa corpórea fora do padrão, sempre me trouxe tristeza mas não era algo que chegava a incomodar, afinal, eu era obeso mesmo, iria contrariar como? Segui meus dias, acreditando que realmente eu era a pior pessoa do mundo, um ser humano que deu errado e que as pessoas preferiam estar longe… De novo a vida jogava na minha cara, eu não era amado por ninguém, e isso me corroía…

Aos meus vinte e um anos, por conta de minha aparência física em desacordo com os moldes da sociedade, nunca conheci festas, confraternizações, reuniões, nada disso chamava minha atenção inclusive, mesmo que eu algum dia tivesse sido convidado para alguma… Nunca fui aluno exemplar, nunca fui bom em nada e meu estado de espírito não me permitia lutar para melhorar ou considerar que eu tinha algo que deveria ser cultivado, a autoestima… Tudo que batia na minha mente e na minha alma o tempo todo, era… Eu nunca havia sido amado por ninguém…

Hoje estou aqui, aos trinta e seis anos… Nunca tive um relacionamento, nunca uma mulher se interessou por mim… Nunca um vizinho se preocupou se eu estava bem ou vivo… Nunca alguém proferiu a frase “- Você se sente bem?”... Eu não esperava um amor incrível, eu queria que apenas, como alguém que ama cães afaga seu cãozinho, uma única alma pelo menos, dissesse para mim um dia com sinceridade, “- Eu gosto de você…

Mais um dia na minha vida se encerrava, eu adentrava o kitnet que alugava desiludido… Fui demitido segundo o chefe, por corte de despesas… O aluguel estava vencido havia três meses, o senhorio já havia dito que iria me despejar… Acumulava dívidas no mercado, na farmácia, no hospital… Sim, hospital, onde fui tentar descobrir que dores estomacais eram aquelas e adivinhem? Recebi um resultado de acordo com minha vida, havia um câncer nascendo em mim, nos intestinos, inoperável… Minha estimativa eram cinco meses, ou menos… Olhei para os céus e pensei… Porque vir ao mundo sem nunca poder ser amado por alguém, qual foi meu crime afinal?

Saí do kitnet, apanhei o ônibus e andei por quase duas horas até chegar próximo da floresta… Dali ainda tinha pelo menos uma hora de caminhada até o local que todos usavam, pois para não incentivar meu ato, não existem transportes públicos até o local… Vencendo essa etapa e me perguntando a todo instante, porque nunca fui amado, percebi alguns carros estacionados e cobertos de vegetação… Sim, muitos vinham e deixavam seus carros ali e nunca mais voltavam, nem mesmo seus familiares ou amigos vinham procurar por eles… Parece que haviam mais pessoas que não eram amadas também…

Segui pela trilha por talvez uma hora e era triste o caminho… Alguns calçados… Barracas destruídas pelo tempo… Árvores retorcidas, marcas em cada uma delas talvez por alguém que temia se arrepender da decisão e retornar… Era praticamente uma “via crucis” cheia de dor e medos e, a cada momento que eu cogitava "- Não, essa não é a atitude correta...", em minha mente martelava de novo… Eu nunca fui amado por alguém então, porque insistir…

Escolhi uma árvore, coloquei a corda por sobre o galho e subindo em um tronco consegui deixá-lo alto o suficiente para executar meu plano e então, relembrando tudo que minha vida tinha sido, verifiquei se o nó que eu tinha estudado e treinado tanto estava perfeito… Coloquei o pescoço dentro do laço e preparei para me despedir quando então algo me chamou a atenção… Luzes… Como se uma casa existisse ali… E voz de crianças… Brincando, rindo, se divertindo… Eu estava decidido, mas, definitivamente aquilo era curioso, como alguém podia se divertir no meio de uma floresta escura como aquela?

Desci e fui em direção, a chuva caía e vi a cabana… Um senhor e uma senhora estavam sentado ao lado de um fogo de chão, enquanto as crianças em idades variadas corriam e riam felizes… Era uma família, todos pareciam se dar bem, se amar… Eu olhava pra eles e pensava, porque nunca ninguém me amou… Quando dou por mim, o senhor de dentro da casa gesticulava para mim, aos gritos:

“- Ei… Você… Vai se resfriar nessa chuva… Venha, entre, espere a chuva passar…Vamos!”

Fiquei sem entender, mas… Nunca ninguém me convidou para nada… Eu fui, meus olhos escorriam lágrimas, eu estava repleto de felicidade com aquele convite… Ao chegar, o velho homem me recebeu com abraços, a senhora me convidava a entrar, retiraram meu casaco e as crianças faziam festa ao meu redor… Sentamos rodeando a fogueira e a panela borbulhava com aromas deliciosos devido provavelmente aos temperos utilizados…

O senhor então sorridente, após ver que eu estava bem e já me secando da chuva me pergunta, o que eu estava a fazer naquele local isolado com aquele tempo horrível… Eu óbvio não quis falar a verdade, disse que havia me perdido… Ele sorridente me disse que ficasse tranquilo, que hoje eu ficaria com eles e tudo estava bem… Me contaram histórias, contaram piadas, perguntaram sobre mim e sobre o que eu pensava ou sentia… Em meio a tudo aquilo, comecei a chorar de emoção e então eles ficaram sérios a me observar… Sem poder mentir mais pra eles falei tudo que minha vida tinha sido e que eu tinha ido para tirar minha vida…

Entre prantos de alegria, esclareci que era a primeira vez que alguém me acolhia com tanto carinho e que mesmo que eu morresse hoje, estaria feliz… Foi então que eles ficaram com aspecto tenebroso, estáticos a me olhar… Estranhei mas não imaginei o que poderia ter sido, então seus sorrisos se abriram, dentes surgiram por suas bocas e antes de conseguir discernir o golpe de machado em minha cabeça que tirou minha vida, eu pude ouvir o mais velho dizer:

“- Felicidade deixa a carne macia senhor... Nós amamos refeição macia... Obrigado senhor…”

Antes de expirar meu último suspiro, antes de perder meus sentidos por completo, sentindo minhas forças se esvair rapidamente, consegui com um sorriso no rosto e uma lágrima no rosto, formular um último sentimento em minha mente quase desligada…

“- Pelo menos, em algum momento… De alguma forma… Eu fui amado…”

Grund-Tharg - Cap. 25: "- Aproximação pelo Monte Egophia!"

O dia amanhecia, como há muitos dias não acontecia, com o grupo despertando em camas, dentro de moradias, o cheiro de comida nova emanava pe...