Lanthys, confrontado com a revelação inesperada, esboça uma expressão genuinamente surpresa, ele sentia que Zhaal’kor, agora Ehllënia, tinha algo de majestoso, de imponente, de diferente, mas não cogitou que pudesse ser uma das que participou da talvez, cena mais trágica dos acontecimentos que levaram à decadência da esperança naquele mundo… Ele agora era capaz de compreender as palavras duras, a mágoa contida ao tempo todo, exercendo gigante esforço para o controle de suas ressalvas ao mundo e seus habitantes, sejam os nativos ou vindos de outro lugar…
Buscando não perder a oportunidade conquistada, o androide não move um servo-motor sequer, ele se mantém estático, apenas observando, esperando ansioso o que quer que Ehllënia pudesse vir a narrar sobre os feitos, e após alguns segundos, em que a ave ficou a observar Lanthys após a revelação, como se compreendesse que tinha algum sentido continuar a explicar, a criatura majestosa, sob o sorriso orgulhoso de Orr’vhael, iniciou sua narrativa:
“- Chamavam-nos de Draal'vethar... Embora esse título hoje seja cuspido com ódio nas praças e nas casas, assim como murmuram nossos nomes como se fossemos uma maldição, principalmente porque a maioria deles sequer nos conheceu ou soube a verdade…” A majestosa criatura se detém por segundos, e então, como se reencontrasse o equilíbrio uma vez mais, continua: “- Muito antes de tudo isso, fomos a esperança, fomos a luz contra a escuridão que todos aplaudiam e invocavam. Então tudo começou a mudar, não fora algo abrupto, começou sutilmente, um pensamento estranho aqui, uma notícia dúbia ali, parecia paranoia no início, como se o mundo inteiro estivesse de repente tomado por teorias da conspiração e acusações vazias. Mas nós sabíamos, havia algo mais, algo frio, algo que desejava o controle, algo a rastejar por entre os pensamentos humanos.”
Mais atento do que nunca esteve à uma narrativa, Lanthys assimilava cada palavra, guardava cada expressão, absorvia as sensações exaladas pela criatura, tentando captar o montante de quanto aquilo foi para seus cernes, sendo obrigados depararem-se com tamanhos acontecimentos em um mundo que parecia, ter uma rotina e destinos pré-estabelecidos, ao passo que Ehllënia, com a mesma imponência e reserva de sempre, continuou:
“- Essa entidade, essa consciência sombria, era invisível aos olhos, mas não ao coração. Alimentava-se de negatividade, medo, ódio, tristeza, e não apenas alimentava-se... Ela os plantava. Espalhava mentiras como sementes no vento, e quando floresciam, faziam-na mais forte. Ao passo que nós... Nós supostamente seríamos os antídotos, os quatro, os únicos que pareciam capazes de enxergar e resistir, porque a esperança nos movia, e com ela, nossa força crescia. Mas a entidade sabia, nos atacar diretamente seria inútil, nós iríamos resistir e provavelmente triunfar, e então…”
Uma nova pausa, um novo esforço para manter a serenidade e a narrativa por parte da águia, e após alguns segundos a mais de silêncio, ela continuou: “- Então ela atacou pelas sombras, plantou mais dúvidas, forjou imagens, torceu fatos, e o povo... Ah, o povo... Não por maldade, ao menos não no início, mas por medo, por ignorância, por falta de coragem e de força no coração, começou a nos odiar, a acreditar que éramos a causa de seus infortúnios, que tudo que o planeta e as populações sofriam de catástrofes e situações adversas, era na verdade nossa culpa, culpa de nossos dons, que nós éramos o inimigo, que nós éramos os arautos do fim dos tempos…”
Orr’vhael então baixa a cabeça, a expressão dele era de pesar, ele sentia tudo tão ou mais pesadamente que a própria Ehllënia, porém, sua maneira de lidar a com a dor é que era diferente, e em segundos, ele erguia sua fronte novamente, olhava para a águia com determinação, e acenava positivamente como se a incentivasse, como se enviasse forças a ela para continuar! A majestosa ave por sua vez, mantinha a expressão imutável, o semblante era o mesmo desde que surgiu pela primeira vez, e parecendo buscar forças há muito suprimidas, ela olha para o lado como se as invocasse a lhe dar suporte, e então continuou:
“- Assim, fomos caindo… Primeiro, pela solidão, depois, pela perseguição. E por fim... pela morte. Eu lembro também, do dia em que perdemos Th'redox...Eu não queria lembrar, mas eu lembro, todo o dia, todo o instante, a todo segundo durante todos esses anos, sem esquecer o mínimo detalhe, a mínima expressão de quem ali estava, de quem participou, de quem se omitiu… Ele era o mais gentil entre nós. Forte como as montanhas, mas com o coração tão calmo quanto as águas de um lago ao entardecer. Ele nunca levantaria a mão contra alguém inocente, nunca, sob qualquer hipótese, mesmo quando o chamaram de assassino, mesmo quando mostraram ‘provas forjadas’, imagens falsas, palavras distorcidas, ele não se ofendeu, não se defendeu, porque ele sabia, não iria convencer qualquer um deles, a maioria já estava cego, ou surfando no oportunismo gerado... E quando o povo veio... Com pedras, paus, armas improvisadas, adagas... Ele não fugiu, ele não reagiu, ele não revidou…”
Lanthys sente o clima pesar ainda mais, ele entende o quanto aquela cena mudou a vida de todos eles para sempre e percebe que Orr’vhael sente tanto quanto Ehllënia… Seria o anfitrião também um integrante dos chamados Draal'vethar? Ou ele simplesmente era empático o suficiente para sentir a dor de alguém que mesmo sem uma proximidade familiar ou sanguínea ainda assim afetava tanto seu espírito? O androide não tinha essas respostas, assim como a narrativa não parecia haver sido concluída, pois novamente Ehllënia toma a frente e continua, visivelmente entristecida apesar da imponência inabalável:
“- Ele olhou para mim uma última vez, e vi em seus olhos a dor de quem entende, de quem perdoa… Não a dor física, não o medo da morte, mas a tristeza de ver aqueles que jurou proteger se voltarem contra ele, de forma manipulada, os induzindo a um erro que eles mesmos iriam reconhecer depois, em algum momento de suas existências… E ele ficou... Ficou para não machucar ninguém... Ficou porque ainda acreditava que as pessoas não eram más, apenas estavam perdidas... Porque revidar, para ele, seria confirmar o medo delas, seria dar razão ao ódio... Desta forma, forasteiro…”
E agora o semblante da ave parecia incendiar-se, seu tom de voz mudava, sua fúria se tornava palpável e qualquer um que a ouvisse poderia sentir, o rancor e o desejo de vingança nas palavras proferidas: “- Eles o espancaram sem qualquer piedade até que não houvesse mais som, até que não houvesse mais movimentos… Até que não houvesse mais vida…”
O silêncio então imperou no local, Orr’vhael deixou escorrer lágrimas, Ehllënia encarava Lanthys de forma agressiva, enquanto Lanthys, de forma firme e determinada, a observava com a expressão que transmitia respeito, condolências e pesar, sem mover seu olhar do olhar dela por um milésimo de segundo que fosse, pois seria a espera da águia, o que ela interpretaria como hesitação, como uma dúvida, e por consequência, a incapacidade para realizar o que o androide alegava que iria realizar… Lanthys então pela primeira vez toma a palavra e se dirige à Ehllënia: “- E depois de tudo que você viu e sentiu… Como pode suportar tamanha dor até os dias de hoje sem desistir? ”
A pergunta de Lanthys atinge Ehllënia como um raio silencioso, assim como faz brilhar placidamente os olhos de Orr’vhael, não pela complexidade do questionamento, pelo contrário, por ser justamente uma questão absurdamente simples... E incrivelmente humana. A pergunta não fora o que a arredia águia tinha como certeza que seria... Ela esperava do androide, uma busca por encontrar a tecnologia para tais feitos e talvez se aproveitar destas tecnologias, ou ainda, uma tentativa de descobrir segredos sobre tais processos para proveito próprio, ou mesmo ainda, detalhes de tudo isso para que fosse, acúmulo de conhecimento, ainda assim seria em proveito próprio, tampouco ele buscou sobre poder ou destino. A pergunta fora sobre ela, sobre o que ainda restou em seu ser que a faz persistir… Uma pergunta que demonstrava consideração, sem esperar coisa alguma em troca, apenas e tão somente compreender sua dor e sua resiliência...
Ela esperava desconfiança e ele ofereceu cuidado. Ela esperava interesse e ele ofereceu compaixão. Ela esperava alguém como todos os outros e ele perguntou aquilo que ninguém jamais perguntou. E por um instante, o silêncio pareceu ser mais denso do que a atmosfera pesada da sala, o olhar de Ehllënia, que até então era firme, calculado, quase predador, se desvencilhou da guarda fechada, sua feição quase mudou, quase oscilou, como se fosse responder a um impulso... Mas ela então para... Ela fecha e abre seus olhos sem os demover de Lanthys, era a primeira vez em muito tempo, que alguém não agia exatamente como ela previsa, ele queria apenas e tão somente, entendê-la...
“- Então você crê que eu não desisti? Enganou-se terrivelmente, eu desisti de tudo. Do mundo, das pessoas, de mim mesma…Me escondi no mais alto que pude, para nada ver e com ninguém interagir porque odiar é mais fácil do que sentir saudade e remorso… Mais fácil amaldiçoar todos do que tentar achar uma maneira de justificar toda a perversidade que acompanhei...”
Ela se cala, e há um longo silêncio durante todo o tempo em que finalmente ela demoveu seu olhar de Lanthys e focalizou então o chão do local, cabisbaixa assim como pensativa, ao passo que os dois respeitaram esse silêncio enquanto a esperavam retomar sua fala... Quando a ave ergue seus olhos novamente e retomou a palavra, sua voz carregava algo que parecia perdido: fragilidade. E talvez… Dúvida…
“- Eu... Eu estava lá. Presa pela multidão, contida por correntes e armas com aqueles que nos apoiavam como reféns para que não revidássemos, apenas… Assistindo. Eu sentia a entidade rir em algum lugar, inalcançável, cada vez mais forte com cada gemido de dor que emitimos, com cada golpe que recebemos, com cada lágrima derramada por todos nós. E eu gritei, gritei o nome dele, gritei a verdade, mas as palavras se perdiam no meio das acusações infundadas, mentirosas, caluniadoras e destrutivas… Ainda posso ouvir as vozes entoando ‘Mentira!’... ‘Monstros!’, gritavam outros... E o sangue, dele primeiro, depois os nossos, tingiu as pedras que antes haviam sustentado nossos passos de esperança. Após isso, tudo ficou mais escuro, tudo ficou cinza, tudo perdeu o sentido e a lógica, assim como eu não senti mais vontade alguma de perdoar qualquer um deles…”
Novamente o silêncio imperou no local, Orr’vhael tentou se aproximar e Ehllënia ergue o olhar deixando claro que não o fizesse… Lanthys percebe o ato, compreende que ela não queria palavras também, apenas que a deixassem concluir, e assim eles o fizeram, e aguardaram, até que ela retomou sua “confissão”: “- Não sei quanto tempo fiquei nas areias do deserto, quando despertei, os outros dois não estavam comigo, não sei onde estão... Talvez mortos, talvez escondidos. E eu... Eu sei lá porque falei tanto sobre isso, ainda mais considerando que não resta uma única centelha de lucidez neste mundo…”
Lanthys permaneceu em silêncio por mais alguns instantes, não era um silêncio vazio, era o tipo de silêncio que ouve, que respeita, seus olhos não desviaram um só momento dos de Ehllënia, sem qualquer julgamento, no lugar, admiração… Ele deu um leve passo à frente, seu semblante era sereno, mas carregado de algo que poucos conseguiam manter vivo por tanto tempo: fé nos seres… Com voz calma, quase como se estivesse devolvendo a ela um fragmento esquecido de si mesma, ele disse:
“- Você diz que desistiu, Zhaal’kor… Mas desistir não deixa marcas positivas no mundo além de nosso íntimo... Desistir não observa de longe, protegendo sem ser vista. Desistir não sente tudo que você sente e sentiu... E ainda permanece de pé. Talvez você tenha acreditado que se apagou… Mas eu prefiro a imagem que via daqui debaixo tentando entender quem me vigiava, uma estrela encoberta por nuvens, e que o mundo apenas esqueceu de olhar pra cima… Seu intento altruísta e protetor, nunca deixou de brilhar, você sempre será digna de quem foi, e portadora de esperança que ele demonstrou naquele dia…Se desejar nunca mais tentar trazer a esperança de volta, eu vou compreender, mas nunca esqueça do que Orr’vhael tentou nos passar aqui… A verdadeira vitória, é nunca desistir!”
Orr’vhael estava radiante, Ehllënia há muito não se sentia surpreendida de tal maneira, ao passo que Lanthys, exibia um sorriso confiante, ele havia conseguido muitas informações e talvez, tivesse feito uma aliada… Empolgado com o rumo que tudo tomou, e considerando que poderia finalmente descobrir em verdade, o que ou, quem era a sombra, o androide abre sua boca para tecer sua pergunta, mas um alarme sonoro dispara interrompendo o diálogo, Lanthys e Ehllënia olham para Orr’vhael, que corre para perto de sua parede onde aciona alguns controles analógicos, fixos em uma mesa de madeira com parafusos maiores que o espaço permitia, e rapidamente o idoso se vira e responde: “- É um ataque! Um verdadeiro exército está vindo para cá! A árvore petrificada corre perigo!”
Ambos focam suas atenções ao televisor que mostrava o lado externo, e podiam assim visualizar o que se aproximava... Diversos soldados robóticos ao que aparentava, empunhando armas que pareciam ser de diversos tipos, desde rifles lasers a armas mais antigas, vindo de todos os lados, a árvores ficaria completamente cercada em poucos instantes!
É Lanthys então quem questiona: “- Qual sua visão de lidar com essa situação agora Orr’vhael?” O anfitrião aciona uma alavanca logo atrás do painel, e então uma porta ao chão se abriu, mostrando uma escada e um longo túnel, iluminado por lâmpadas incandescentes, com espaço e altura para um humanoide andar ereto sem dificuldades!
Orr’vhael olhar para os dois e completa: “- Vocês dois devem seguir por aqui, eles querem a vocês! A saída se dá centenas de metros à frente em meio à floresta, poderão seguir dali até o centro onde a Sombra reside e cumprir suas missões!” Lanthys sequer olhou para Zhaal’kor e o mesmo fora feito pela ave robótica, mas o androide foi mais rápido, argumentando primeiro que Ehllënia: “- De maneira alguma irei adiante deixando um de vocês para este evento, você e Zhaal’kor então seguem para segurança, eu vou proteger sua moradia!”
A águia e o anfitrião então é que olham para o androide, sendo pegos de surpresa pela fala do homem-máquina, e desta vez Zhaal’kpr é quem argumenta: “- Está louco? Morrer para proteger uma árvore e algumas quinquilharias… A vida é mais importante, todos devemos fugir daqui e procurar segurança, eles querem silenciar vocês dois! Sigamos todos pelo túnel, para que Orr’vhael também fique em segurança!"
Com um leve aceno negativo de cabeça, o anfitrião demonstra discordar de ambos e colocando a mão sobre o ombro de cada um, com um sorriso no rosto e deixando à mostra seu dente faltando, expõe: “- Eu não vou fugir, esse é meu lar, viver sem o que dediquei minha vida a fazer, não tem qualquer sentido! Se essa for a minha hora de morrer, eu morrerei junto de meu sonho e não deixando ele para meus desafetos!”
Lanthys se mantinha em silêncio, pensativo, ao passo que Ehllënia meneia negativamente a cabeça em discordância, mas o velho sábio estava irredutível e acionando uma outra alavanca, as câmeras mostram o redor da árvore, onde diversas metralhadoras de grosso calibre que estavam ocultas por todo o corpo petrificado da moradia, se movimentam e apontam para fora, se preparando para atirar, enquanto o velho mais empolgado anfitrião completa: “- Acha mesmo que estou aqui há tanto tempo, apenas sobrevivendo com palavras? Neste mundo, é necessário saber se defender!”
O anfitrião então aciona diversos botões e as armas acionam o sistema de mira automática, começando as mesmas a atirar em todas as direções, iniciando por atingir os soldados que se aproximavam do local! Zhaal’kor alça voo e sobe até o topo da árvore desaparecendo nos céus, Lanthys observa o televisor antigo e fica a ver o resultado, enquanto Orr’vhael parecia um empolgado atirador, abatendo dezenas de soldados, pelo menos os que estavam mais próximos da árvore, transformando o local em um verdadeiro campo de batalha!!
“- PODEM VIR SEUS MALDITOS, PODEM VIR, NÃO IRÃO DERRUBAR MINHA CASA, ORR’VHAEL O GIGANTE VAI DERROTAR A TODOS, AHAHAHAHA!” O anfitrião, totalmente fora da personalidade que havia demonstrado até então, estava eufórico, e parecia empolgado como um jovem combatente derrubando inimigos medonhos, como se fosse um herói em plena guerra contra o mal, e, considerando o mundo em que viviam, realmente o era! Sua expressão era de perseverança, de determinação, mas ao mesmo tempo de satisfação, de diversão, ele sentia que poderia dominar a situação!
“- PODEM VIR, EU TENHO MUNIÇÃO PARA CENTENAS DE VOCÊS, AHAHAHAHAHA!” comemorava o empolgado Orr’vhael, atirando à vontade contra todos que corriam em direção à sua moradia, quando então Zhaal’kor surge de novo, descendo dos céus, em velocidade aflição elevados, e pousando a frente do velho guerreiro, informa, bastante preocupada: “- Acabei de sobrevoar o campo de batalha, eles estão em milhares!”
A expressão do anfitrião muda, o sorriso fica amarelo, ele olha para os níveis de munição a diminuir e então de volta para os dois, como que reconhecendo que não teria o suficiente para vencer, novamente deixando à mostra seu dente faltando enquanto sorria, coçando a cabeça: “- Acho que vai faltar munição para derrubar alguns então…”
Zhaal’kor meneia novamente a cabeça em negativa, e uma vez mais insiste em abandonarem o local, mas não houve tempo para mais debates, um veículo surgia por entre os atacantes, centenas de metros diante da porta de entrada, seu canhão aponta para a mesma, visivelmente com intenções de destruir por dentro, o local tão único! Sem delongas, a máquina dispara uma munição poderosa, um projétil de pelo menos quinze centímetros de largura por mais cinquenta de comprimento, revestido de pesado e espesso material metálico, e então, tudo fica em câmera lenta, dentro e fora da árvore…
Todos os envolvidos na cena, percebem ao mesmo tempo o disparo, e cada qual a seu modo, reage de acordo com seus princípios… Orr’vhael vira-se para abrir os braços e imaginariamente abraçar sua árvore, recebendo a morte, lutando pelo que elegeu em sua vida, como sua meta! Já Zhaal’kor, que queria todos fora dali, vendo não haver outra saída, nem tempo hábil para remover o idoso amigo dali, lança-se em direção a ele, girando seu corpo, abrindo suas asas e se preparando para receber o impacto no lugar de Orr’vhael, o salvando assim, ao passo que Lanthys, percebendo a movimentação de todos, decidiu também de acordo com seus princípios e julgamentos!
Tanto a águia quanto o anfitrião talvez não pudessem avistar naquele momento devido a velocidade com que tudo aconteceu, mas o androide se direcionou vigorosamente à porta, ao passo que seus sistemas analisaram em frações de segundos, o que os ameaçava, e a extensão do risco que eles corriam:
"- HEAT tandem charge... Munição com dupla ponta de impacto! Haste de material superdenso, nesse caso urânio empobrecido, sua função é puramente perfurar, usando energia cinética. Ela rompe a blindagem e se fragmenta no impacto. Logo atrás da cabeça cinética, vem a carga explosiva principal, protegida por um invólucro resistente, que não explode ao primeiro impacto, devido a blindagem, abrindo caminho para o núcleo reativo logo atrás. Ao colidir com qualquer obstáculo interno, a carga enfim detona com força total, vaporizando tudo ao redor. Nada escapa ao segundo impacto."
"- HEAT tandem charge... Munição com dupla ponta de impacto! Haste de material superdenso, nesse caso urânio empobrecido, sua função é puramente perfurar, usando energia cinética. Ela rompe a blindagem e se fragmenta no impacto. Logo atrás da cabeça cinética, vem a carga explosiva principal, protegida por um invólucro resistente, que não explode ao primeiro impacto, devido a blindagem, abrindo caminho para o núcleo reativo logo atrás. Ao colidir com qualquer obstáculo interno, a carga enfim detona com força total, vaporizando tudo ao redor. Nada escapa ao segundo impacto."
A munição estava à milímetros de atingir a porta e inicia a destroçar a entrada, naqueles míseros segundos, o ar ao redor e por dentro de toda a árvore se ionizou fortemente, a munição atingiu a porta e iniciou a quebrar a madeira petrificada que a compunha, enquanto que um relâmpago desceu dos céus e o brado de ENERGIZAR foi então ouvido, voltando o cenário e acontecimentos à velocidade normal!
O que se podia ver após estes esparsos segundos, era simplesmente inacreditável e inspiradoramente, magnífico de acompanhar…
A porta ao ser rompida pela munição, ao invés de atingir o centro da árvore e explodir, fora detida pelas mãos robóticas de Lanthalder, que atrás da porta estava, pronto para deter o ataque, de qualquer forma… Embora a munição fosse poderosa, o androide não fora movido para trás um centímetro sequer, da mesma forma que o projétil sequer conseguira a detonação explosiva, uma vez que seu dispositivo para tal estava na ponta da ogiva, e o herói segurava a munição pelas laterais, sem ativar seu mecanismo detonador de forma alguma…
Zhaal’kor parecia não crer no ocorrido, Orr’vhael olhava para o herói ainda envolto em micro relâmpagos e uma vez mais ensaiava seu sorriso não conseguindo crer tal atitude ser real, ao passo que o exército ao lado de fora, finalmente deteve seus movimentos como se aguardasse algo antes de atacar novamente, afinal, eles consideravam que a vitória havia sido obtida, e foram brutalmente trazidos a realidade, com o passo metálico de Lanthalder, que agora iniciava a sair para fora da árvore moradia como arauto dessa notícia!
O passo ecoa então ao lado externo da árvore, agora já com suas armas defensivas desativadas e sem munições, Lanthalder pisa ao solo de forma intimidadora, não um passo de guerra, mas um movimento que denotava propósito, sua presença era firme e ainda assim serena, e se podia dizer qualquer espectador que o visse, ele resplandecia, inabalável…
O projétil que segurava, então sob pressão das poderosas mãos do androide, estilhaça-se como se nunca tivesse representado ameaça, e as ondas de choque emanadas ao romper sem o efeito agravante do catalizador no detonador dos explosivos, se dissipam ao redor dele, como se até mesmo o tempo tivesse parado para observar o que estava a acontecer… A pesada ogiva cai ao chão, sem qualquer atividade, sem qualquer detonação ampla, deixando a todos impressionados...
A árvore atrás de Lanthalder ainda tremia com o impacto amortecido com as mãos pelo androide, e parecia emanar vida, uma testemunha solitária de um tempo em que sonhar era permitido. Ainda diante dos painéis, mas com visão para a entrada de sua raiz-portal, o ancião Orr’vhael observava em silêncio, olhos úmidos, coração batendo como o de um menino diante de seu herói predileto…
O exército estagnou, apesar de serem apenas máquinas como confirmavam os sensores do herói robótico, as armas abaixaram-se sutilmente, não por medo, mas por hesitação, o comando seguinte não viera, e é então quando Lanthalder finalmente fala, sem elevar voz, mas o timbre e volume eram quase como uma declaração enfática e imponente…
“- Há quem diga que sonhos são inúteis diante de números e armas. Mas vejam o que se tornam, seres máquina, sem uma meta, sem sonhos? Somos apenas, engrenagens e circuitos reagindo através de comandos e programas, nada além, prontos a sermos desativados, e sem qualquer ressalva sobre tal encerramento de uma existência, mesmo que robótica…”
Um silêncio quase reverente paira no ar, o vento, como testemunha, parecia sussurrar pelas folhas que ainda existiam na grande árvore e dentro dela, Zhaal’kor, com um olhar e atenção que há muitas eras ela não dispensava a ninguém, ouvia atentamente cada palavra, assim como analisava cada gesto…
“- Essa árvore não é apenas madeira petrificada ou mesmo raízes ou folhas que ainda persistem… Ela é o símbolo máximo de uma existência, o tudo que ele tem e o tudo que ele almejou, é a representação viva de sua meta, seu refúgio, seu propósito, seu lar… Destruí-la seria condenar uma alma a viver sem direção e uma vida sem direção, é uma vida de exílio, de tortura, de sofrimento e de inexistência de sentido…”
Lanthalder então caminha, até mesmo o solo parecia solene a respeitar seus passos, Orr’vhael e Zhaal’kor o observavam sem conseguir um piscar de olhos que fosse, tamanha a surpresa e o impacto que a cena estava causando, e a voz do androide então ganhava força, sem perder a compostura:
“- Sonhos não são fraquezas, são a centelha que mantém vivos os que perderam tudo. São a razão pela qual alguns, mesmo em silêncio, ainda resistem e se negam a se entregar ao nada, ao martírio e ao vazio…”
O androide então observa o exército até onde alcança, com olhar firme e determinado, não em um desafio, mas em uma demonstração de que acreditava em suas palavras e daria sua existência por mantê-las… Um brilho quase humano reluz em suas pupilas cibernéticas e eis que o guerreiro completa:
“- Hoje, me coloco aqui não apenas para vencer uma guerra… Mas para dizer que vale a pena lutar por aquilo que dá sentido à existência e que sem essa luta e essa persistência, de nada adianta seguirmos em frente, pois somos o que almejamos e sonhamos, mesmo que ninguém, mesmo nós, não mais acreditemos nessa verdade!”
Ele para. O silêncio agora é absoluto. Até os sensores dos soldados parecem esperar, e Lanthalder foca no veículo que disparou a munição contra a árvore, o encarando como se algo prendesse sua atenção naquela localização, como se alguém ali o estivesse observando, e com um sorriso leve ao rosto, ele então enfatiza:
“- Agora eu tenho a certeza... Sua mente está aí, entidade… Esteve sempre a ouvir tudo que falei, tal qual na torre da cidade anterior… Deveria saber já que, assim como na cidade, não permitirei que tente enterrar o que ainda de sentimentos existe nesse planeta… E por mais que o faça agora, não poderá se ocultar para sempre, não haverá disfarce que o remova de minha determinação, não poderá escapar ao julgamento de seus atos… Eu irei até você, para fazê-lo encarar aquilo que está a eras negando a todos… A verdade!”
O veículo então sofre uma espécie de tremor e Lanthalder podia perceber através de seus sensores, que a entidade havia abandonado o local… O exército novamente ganha vida, as armas novamente são apontadas e Lanthalder apenas profere à majestosa águia, que ainda diante de Orr’vhael, não removia a visão de Lanthalder: “- Proteja nosso amigo, eu cuido dos soldados máquina… O sonho de Orr’vhael não será derrubado hoje!”
O silêncio que se instalara após o discurso de Lanthalder fora mais brutal que qualquer grito de guerra. O exército de autômatos, fileiras intermináveis de máquinas frias e padronizadas, com olhos vermelhos como brasas de fornalhas mortas, hesitantes ainda, estavam prontos para o ataque, era um fato! Os olhos de Orr'vhael observavam os galhos que ainda carregavam sonhos e anos de sabedoria, o vento balançava folhas antigas, como se quisessem fugir do que viria... Diante da árvore, Lanthalder caminhava lentamente até parar entre ela e o exército que se formava como uma muralha metálica. Os autômatos então avançaram.
Eram dez, talvez vinte ou mesmo cinquenta, não importava, eram apenas os primeiros batedores, reconhecimento, mas cada um deles, armado com lâminas de energia e força amplificada. Lanthalder não ativou o Titanium, nem se posicionou como quem empunha uma arma, ele firmou os pés na terra, soltou os ombros... e fechou os punhos. “- Vamos ver... Como se saem contra um corpo robótico que pensa.”
O primeiro soldado avançou com uma estocada reta, Lanthalder girou o tronco para o lado com leveza e desferiu uma cotovelada giratória, direto no pescoço da máquina. O impacto foi tão preciso que os sensores ópticos do inimigo conseguiram energia suficiente para piscarem duas vezes antes de bater ao solo, já incapacitado. O segundo veio com um salto, Lanthalder saltou também e, no ar, girou em um chute descendente que quebrou a placa do peito do inimigo, o fazendo cair pesadamente ao solo, como uma bigorna que caía da bancada de trabalho diante de força imparável.
Dois outros flanquearam pelas laterais, o braço esquerdo de Lanthalder subiu em um bloqueio, encaixando um golpe com o joelho, de forma devastadora no que seria o esterno do inimigo da direita, e logo em seguida agarrou o outro diretamente ao pescoço, esmagando o crânio contra seu próprio joelho metálico em uma execução brutal. “ - Vocês calculam ângulos e números tão somente, mas eu posso ainda adaptar os cálculos, aos instintos gravados em meus sensores e às formas de combate que adquiro!”
Cinco então vieram ao mesmo tempo. Lanthalder girou o corpo, e novamente usou seu cotovelo, atingindo simultaneamente dois deles no mesmo movimento, completando sua movimentação de joelhos ao chão, se arremetendo por entre os outros três. Em plena curva de ação, lançou-se para cima, chutando ao mesmo tempo com as duas pernas, uma para esquerda e a outra para a direita, atingindo novamente próximo dos pescoços de dois inimigos distintos, partindo em consequência também, suas caixas torácicas em duas partes cada um, com tamanha força de golpe, tirando mais dois autômatos do combate!
O próximo soldado robótico investiu pelas costas, um erro fatal. Lanthalder se arremete para o alto e para frente, girando sobre seu próprio eixo, usando seu pé direito para desferir um chute circular que esmagou os sensores faciais do autômato, o som resultante, se assemelhava novamente a uma bigorna, mas desta vez sendo atingida pelo martelo de uma forja em completo processo de trabalho!
Mas o movimento não terminara com o chute ou mesmo com a destruição do autômato, com o impulso do ataque desferido, naturalmente o pé esquerdo do androide tocara ao chão primeiro, ainda em movimento giratório, o suficiente para ele agachar, manter a perna direita completamente estendida, rente horizontalmente ao chão, atingindo calcanhares de outros diversos soldados máquina de forma abrupta, os arremetendo ao alto e para longe com tal golpe, ostentando cada qual dos atingidos, tornozelos fraturados, e em instantes, diversos outros danos que seriam causados, consequentemente, com a queda que sofreram!
Mais de vinte estavam no chão, a poeira preenchia o campo de batalha, ele respirava com constância calculada, seu sistema térmico mantinha o calor gerado sob controle, mas era possível ver pequenas colunas de vapor escapando pelas saídas das costas. Seus punhos estavam cerrados, não por esforço, mas por precisão. “ - Seriam essas tropas, todas mecânicas por uma intolerância da tal entidade aos sentimentos, ou os vivos não se dispõem a lutar por sua causa, o obrigando a recorrer à autômatos em todos os combates?” O herói questionava as motivações por trás dos oponentes que enfrentava, mas a batalha não lhe deu mais tempo para reflexões!
Os próximos vieram com golpes sincronizados, uma tentativa de cercá-lo e vencê-lo pela coordenação, mas Lanthalder correu, se lançou aos céus, girou e mergulhou no centro deles com um movimento acrobático perfeito, usou os braços como meio de equilíbrio, pousando com os dois pulsos ao chão, criando uma onda de impacto que arremeteu detritos em grande velocidade, atingindo vários dos mais próximos, tirando muitos deles de combate apenas com esse movimento!
No entanto, o guerreiro continuou a ação erguendo seus dois pés e girando, com as mãos ao chão, atingindo diversos mais ao redor com um giro completo, pernas horizontalmente abertas, aproveitando os detritos ao ar, arremetendo mais deles com força, atingindo crânios, mecânicos, placas peitorais de proteção, braços e rostos, criando um verdadeiro caos entre os atacantes inimigos, devido a velocidade e ferocidade dos ataques sincronizados e acrobaticamente realizados!
Trinta e sete autômatos ao chão era a conta atual, Lanthalder parou, as luzes vermelhas dos corpos inertes tremeluziam antes de apagarem por completo, a poeira ao redor dele subia lentamente, como se o próprio mundo segurasse o fôlego. Como um verdadeiro kickboxer, o androide repetiu movimentos que visualizara algumas vezes, repetindo o processo de forma espontânea, estalando o pescoço, rolando os ombros para trás… “- Os sonhos ainda existem nesse mundo, eles serão protegidos, enquanto meus sistemas me permitirem, eu não desistirei de restaurar a esperança neste planeta!”
Ao longe, um som mais pesado: os reforços chegavam. Muitos. Lanthalder virou o rosto para a árvore assim que ouviu um ruído poderoso, ele mal conseguiu captar o momento, mas Zhaal’kor havia ganhado os céus de forma avassaladora, e agora, restava apenas o sorridente Orr’vhael assistindo a tudo em silêncio, seu olhar era cada vez mais esperançoso e talvez, só talvez, ao observar aqueles olhos que nunca desistiam, é que Lanthalder sentia mais e mais vontade de seguir seu exemplo, e não se render jamais!
Mil sons metálicos colidiram com o vento, pisadas ritmadas, como o tamborilar da morte anunciada, o chão tremia, as raízes da árvore de Orr'vhael estalavam sob a pressão do cerco, mas Lanthalder, sequer moveu um único dedo… Ele estava pronto, ele não iria cair, ele iria derrubar todo e qualquer ser que hostilizasse a árvore única, e então, com mais um passo à frente, sua silhueta brilhou sob a névoa âmbar…
Os primeiros robôs do reforço em carga investiram como um enxame, Lanthalder girou sobre o calcanhar esquerdo para desferir um novo chute e acertando, arremeteu o novo oponente por sobre a fileira de centenas que se aproximava, mas antes que ele pudesse preparar seu novo movimento e se arremeter em meio ao tsunami de combatentes robóticos, eis que o sol é de alguma forma ofuscado por segundos, e então um guincho aterrador é ouvido, e Zhaal’kor desce dos céus, suas asas completamente energizadas, ela voa por entre o exército devastador, atingindo e destroçando em um único voo, dezenas, que em segundos se tornavam centenas de autômatos abaitdos, abrindo uma verdadeira clareira entre os atacantes!
A águia ganha os céus após o ataque incrível, retorna em novo rasante, em um novo ataque e então, uma nova área devastada surge com o abrir de suas asas mortais, que a tudo retalhavam, finalizando a cena com ela se dirigindo no mesmo impulso até Lanthalder, concluindo com bastante veemência: “- Seu estilo é muito lento, não poderá derrotar tantos com tão poucos recursos! Leve Orr’vhael daqui, com minhas asas posso derrubar centenas, coisa que você não poderá fazer!”
O androide então observa a águia, compreende sua atitude e preocupação, mas novamente ele se vê obrigado a dizer: “- Me desculpe Zhaal’kor, mas novamente você deixa claro que não me observou corretamente, nem minhas capacidades, tampouco meus princípios!”
A águia ganha os céus de novo e prepara novo ataque, novamente meneando a cabeça em negativa, em sua visão, era claro que o guerreiro com a maneira que estava lutando, não poderia derrubar mais que dezenas, mas então Lanthalder ergue seu braço direito, e este começou a se transformar, placas de titânio que se reorganizavam enquanto circuitos e servos motores internos giravam, obedecendo ao comando: “- TITANIUM!”
Um feixe azul, puro e vibrante, emergiu de seu punho, não era apenas luz, tampouco eram somente energia destrutiva em forma de lâmina, era a manifestação da vontade, da promessa, do juramento feito diante de Orr’vhael e da árvore, um legado que ele não permitiria ser apagado.
O guerreiro se lança contra a turba mecânica, e a lâmina de luz cortava o ar com precisão cirúrgica, com resultado imediato de três corpos metálicos partirem-se ao meio antes mesmo de tocar o chão. Raios de energia e faíscas voavam em todas as direções, pintando a relva queimada com cores do inferno. “- Eu prefiro ignorar os números e me dedicar ao propósito.” Os autômatos novamente chegam ao androide, e enquanto Zhaal’kor seguia seu embate, ela ainda assim continuava a observar Lanthalder a lutar, cada vez mais surpresa, cada vez mais impressionada diante do que via em uma máquina obstinada!
Saltando para o alto, o androide pousou ao centro da horda, como um raio descido dos céus, o impacto rachou o solo, robôs foram lançados como bonecos de ferro para fora da zona de choque, deixando o terreno livre para o guerreiro continuar a avançar e enquanto lutava, seu sistema interno monitorava cada soldado abatido, dando uma margem a Lanthalder de sua evolução no campo de batalha!
Com o braço esquerdo, desferia socos que afundavam crânios dos soldados robóticos, com o direito, Titanium executava cortes diagonais, limpos, cada um derrubando dois, três inimigos enquanto a lâmina energética se adaptava, alongava-se como uma lança quando necessário, curvava-se como um chicote quando o inimigo tentava flanquear.
Eles tentaram cercá-lo, o herói girou sobre si mesmo com velocidade absurda, uma dança mortífera em 360 graus, com resultado mais que eficaz de membros cibernéticos voando pelos ares, torques e fiações cintilavam ao serem cortadas e a cada movimento, sua respiração artificial liberava vapor de plasma pelos dissipadores do pescoço.
500 unidades tombadas. Seu corpo já carregava arranhões, marcas de disparos, fragmentos cravados na carcaça, tudo se ajustaria em seu auto reparo mais tarde, mas seus olhos, de tom âmbar intenso, permaneciam firmes e determinados! “- Enquanto houver um único sonho, a chama da esperança não está extinta, e assim, não me é permitido que os deixem encerram essa chama vibrante neste planeta ferido.”
Explosões tremiam a relva atrás dele. Ele correu sobre os corpos, saltou sobre uma pilha de destroços e pousou como uma flecha viva no centro de outra formação. Um robô ergueu uma arma mais pesada, era literalmente um canhão arcaico, Lanthalder o inutilizou antes mesmo que o disparo acontecesse, girando Titanium em um arco horizontal tão veloz que o ar pareceu se dobrar à sua vontade, enquanto corria por entre as fileiras, seccionando braços, pernas, cabeças, tórax, surpreendendo positivamente - novamente - a águia majestosa, uma vez que ela não tinha noção de que o guerreiro poderia ser tão destrutivo, se assim o quisesse, e a contagem do sistema do androide apenas ia acumulando dados…
800 unidades destruídas...
Mesmo cercado por mais centenas, ele não recuava, era como se o campo de batalha dançasse ao redor dele, e não o contrário, visualizava Zhaal’kor... A lâmina de Titanium agora brilhava intensamente, alimentada pelo calor gerado no combate, seus filamentos vibravam como cordas de um instrumento cósmico. Um autômato maior então surge, duas vezes o tamanho dos demais, ergueu-se ao fundo provavelmente fundindo-se a outros em uma mecânica de difícil elucidação, avançando como um tanque com pernas humanas. Lanthalder gira o pulso e concentra toda a energia da arma em um corte vertical.
“- Sonhos não morrem enquanto houver quem acredite firmemente neles!”
Saltando a uma altura impossível, ele desceu com um grito silencioso e cravou a lâmina no centro do colosso inimigo, exato momento em que um clarão azul de magnitude intensa explode em todas as direções, eliminando com todos os demais autômatos em uma descarga de energia cinética descomunal, varrendo por completo o cambo de batalha que parecia antes sem fim! E finalmente o som cessou.
Mais de mil robôs desativados... A poeira repousava aos poucos, como se levada pelo vento que vinha, ansioso igualmente, a tentar revelar o desfecho do combate, apresentando o guerreiro máquina ajoelhado, mas não vencido, seu braço Titanium ainda brilhava em intensa energia, seus sensores escaneavam a área e finalmente a resposta esperada… Nenhuma ameaça em movimento e a árvore de Orr'vhael permanecia intocada.
O vento então soprou com um pouco mais de fluidez, como se agradecesse, ao passo que Lanthalder se ergueu, caminhou lentamente de volta, e ao tocar a casca da árvore, disse com voz serena: “- Orr’vhael… Você me ensinou que, enquanto houver alguém que sonhe... haverá alguém que lute. Eu farei isso até que os verdadeiros detentores do poder de mudar este mundo, se unam a você, nesta empreitada!”
Zhaal’kor então finalmente pousa, ela nada diz, ela apenas observa Lanthalder a retornar à sua forma Lanthys, percebendo seus nanobots a iniciar os processos de reparo… Em sua mente, um pensamento divagava, em silêncio, apenas para ela: “- Ele avança… mesmo cercado, mesmo sozinho. Nenhum cálculo frio justificaria aquelas ações… Nenhuma lógica de sobrevivência… Eu esperava hesitação, um erro, uma falha, mas o que vi foi precisão, força e... fé. Fé de alguém que não é sequer orgânico, a fé que nasce de um propósito maior… Pela primeira vez em muito tempo, algo em meu íntimo dúvida, uma fagulha incômoda, quase esquecida… Algo que parece não deixar de insistir em me questionar… E se eu estiver errada?”
Orr’vhael comemorava como uma criança, Lanthys percebe Zhaal’kor a o observar e, em sinal de respeito genuíno que detinha por tudo que viu e ouviu, se curva diante dela agradecendo: “- Obrigado por ter salvo a nós todos, sem você, eles teriam chegado à Orr’vhael por mais que resistisse, lhe agradeço imensamente por ajudar a salvar o sonho dele!” O androide vira-se para entrar novamente na árvore, queria pegar algumas informações a mais e então seguir viagem, era necessário encontrar “A grande sombra” de uma vez por todas, não havia mais tempo para hesitação…
O androide então, após mais alguns instantes junto do anfitrião, certificando-se que ele estava bem e poderia ficar sozinho uma vez mais, ainda sem informações sobre “a sombra” em si, já considerava que não mais precisava disso para chegar até ele, descobrir o que era e como de fato fez tudo que fez, seria uma próxima etapa que ele acreditava, viria naturalmente! Neste momento, ele precisava ir até o algoz daquele mundo e realmente confrontá-lo, para entender como deter a destruição das mentes daquele lugar…
O guerreiro sai novamente da árvore, o cenário era de destruição, mas o velho anfitrião teria muita diversão coletando o material espalhado... O homem-máquina se põe então a caminhar, não sem antes Orr’vhael dar-lhe um caloroso abraço, algo que fora retribuído com dedicação por Lanthys! Já Zhaal’kor ainda continuava no mesmo local à entrada da árvore, sobre um dos galhos ali presentes, e observando Lanthys ela estava, e assim permaneceu, mesmo quando o androide novamente curvou-se ligeiramente diante dela…
Orr’vhael vendo Lanthys seguir caminho, observa com reprovação para Zhaal’kor, e ainda tenta argumentar: “- Você deveria ter ido com ele, Ehllënia…” ao passo que a águia majestosa finalmente observa o velho anfitrião, bate asas e começa a ganhar altitude, pronta a retornar aos céus, onde havia vivido por tanto tempo… “- O nome ainda é Zhaal’kor…” A criatura então parecia ter percebido algo e sussurra quase inaudível: “- E ele manteve isso, em nenhum momento me chamou pelo nome mesmo eu o tendo revelado…”
Então, a ave novamente parecia recobrar sua postura de sempre, olhando para o anfitrião uma vez mais, completando: “- Palavras e uma batalha não convencem ninguém Orr’vhael, ainda não concordo com essa ação, ainda creio que dará em nada, mas fique contente que não vou tentar impedi-lo… Agora vá comemorar, você manteve sua casa ao final de tudo, e não se meta em mais situações perigosas…”
A ave bate asas e desaparece no infinito azul, Lanthys já estava centenas de metros distante, rumo ao local onde supostamente, “A grande Sombra” repousava… Orr’vhael não obteve êxito em demover a reclusa águia de seu autoexílio, mas ele tinha certeza, algo mudou em todos eles, aqueles acontecimentos haviam fortalecido e dado ânimo a todos, ele não tinha qualquer dúvida disso… Uma única frase encerrava aquele encontro, e Orr’vhael não deixaria de o mencionar, mesmo já estando sozinho…
“- O que meus braços já não puderam mais proteger, eles protegeram... O que minha fala cansada já não conseguia mais explicar, ele compreendeu. E aquilo que eu julgava perdido para sempre… retornou. Como será que reagiremos, quando enfim olharmos e compreendermos… Perceberemos que talvez nenhum de nós, que vivemos este momento único de embate, seja aquele que poderá verdadeiramente salvar este mundo?"
Um episódio magnifico meu amigo!
ResponderExcluirAntes de mais nada devo destacar o quanto eu curti o Orr´vhael deixando de lado a paz e serenidade e descendo tiro nos invasores com uma alegria quase maníaca! Fuicou sensacional essa quebra de expectativa e com um clime de humor muito bem contruído.
A história da Zhaal'kor e da queda dos guardiões que, sendo também 4, foram praticamente transformados nos 4 cavaleiros do Apocalipse foi conduzida de forma perfeita, evitando ficar pedante, mesmo refletindo a época atual com o perigo das fake news.
A batalha, é óbvio, também merece destaque com a sua habitual forma de conduzir lutas, descrevendo-as tão bem que dá até para quase sentir o impacto dos golpes e suas consequencias. Empolgante como sempre!
A história segue impecável e instigante, cada parada do Lanthalder revela lugares fascinante que, cada um por si só, renderiam muitas outras histórias.
Meus parabéns!
Salve Norb, gratidão pela leitura uma vez mais! Fico muito feliz que o velho e bom Orr'vhael, tenho se saído bem em sua ascensão de combate repentina, afinal como comentei, eu até cogitei a ideia de que eles todos fugissem e abandonassem a árvore para viver, afinal, a vida é mais importante, mas, pensando bem, considerando tudo que ele mesmo falou, a meta e a questão de não desistir dos sonhos, seria contrariada, então, cogitei algumas possibilidades e a ideia dele cogitar munição pra centena e ter milhares, me levou a essa postura do Orr'vhael, fico feliz que curtiu cara! Zhaal'kor ainda tem surpresas a apresentar, mas sem dúvida alguma, ela representa o rancor e a mágoa com as atitudes das pessoas, principalmente aquelas às quais estendemos a mão quando elas nos pedem ajuda! Agradeço de coração pela leitura, pelo apoio e espero que a história continue a te cativar, grande abraço!! \0/
ExcluirMeu amigo Lanthys!
ResponderExcluirA cada episódio de "Utopia do Mal" você se supera e faz com que nossas esperanças num mundo melhor se renovem, apesar das tormentas.
É uma obra de ficção, mas "Utopia do Mal" traz uma crença tão poderosa na manutenção da fé e da esperança, que não tem como não acreditarmos que dias melhores virão.
Muito do que "Utopia do Mal", traz em sua narrativa, infelizmente se observa no mundo de hoje.
Sua crítica social é vigorosa ao apontar sem pudores, o quão nefasto é a disseminação de mentiras que , além de denegrir reputações , mata a própria sociedade aos poucos.
Você põe o dedo na ferida de forma clara e objetiva, ao mesmo tempo que mostra que, por mais difícil que seja, sempre há uma saída.
Orr´vhael e seu sonho utópico quase ingênuo e sua positividade sem limites.
Zhal- Koor , e a dureza da dor e das perdas, que lhe tolheram a fé e a crença, tornando um ser duro e implacável.
E Lanthys/Lathalder com sua empatia maior até que de muitos humanos e seu senso de justiça inabalável.
Três pontos de vistas.
Três modos diferentes de reagir ao caos.
Confesso que, muitas vezes, ao me deparar com a insanidade das pessoas e da inversão de valores, eu me reconheço em Zhal-Koor...
Acho que Orr´vhael está mais do que certo em continuar a sonhar e considero a atitude de Lanthys/Lanthalder o ideal a ser realizado.
Um presidente da maior potência econômica e bélica do mundo, além de deportar quem tenta ter uma vida melhor nesse país, persegue de mofo implacável quem discorda de sua ideias.
Ao mesmo tempo, ao ver uma Ministra de Estado, de origem humilde, negra, como vimos nessa semana, ser agredida por covardes que se acham no direito de calarem uma voz que sempre teve uma causa, mandando "se pôr no seu lugar", vemos que estamos longe desse estágio evolutivo, mas, ainda sim, Lanthys me faz acreditar que é possível.
Precisamos de muitos Lanthys/ Lanthalders em nosso mundo de intolerância e agressividade.
Cada vez que leio "Utopia do Mal" minhas forças se renovam.
Essa leitura renova meu espírito , diante das minhas lutas pessoais e das coisas erradas nesse mundo que minhas percepções me mostram.
Quero muito chegar a esse estágio de Lanthys, embora, hoje esteja mais próximo de Zha' Koor.
Obrigado por me fazer refletir!
Aplaudo de pé!!
Grande amigo Jirayrider, infelizmente, nos tempos atuais, tudo que temos condições é de nos parecer e muito com Zhaal'kor, pois as dores, as traições, as perdas, as dores, nos levam nas direções das atitudes e pensamentos dela! Mas existe sempre um convite a nos guiarmos, com esforço hercúleo, a chegarmos ao nível de Orr'vhael, sermos otimistas, esperançosos, termos fé inabalável e uma certeza de que fazendo o que nosso coração manda, estaremos pelo menos fazendo o nosso melhor, nas condições atuais! Atingir um nível Lanthys/Lanthalder, é demais para nossa capacidade ainda, somos humanos demais pra conseguir agir com tamanha empatia e tamanho respeito diante das coisas ruins, por isso creio que, se conseguirmos chegar até um nível Orr'vhael, a gente já está no caminho certo... Nosso mundo atual é repleto de desafios e de sofrimento, não estamos aqui para sermos felizes, mas podemos (e devemos) em meio à dor e ao combate diário, aproveitarmos ao máximo, cada pequeno momento de felicidade e alegria que porventura tivermos! Ao final desta saga, eu quero trazer uma outra reflexão, que por motivos óbvios não posso revelar agora, mas tenho certeza, que vai fazer bastante sentido, ainda sobre essa questão de nosso mundo atual e nossos estágios diante dele! No demais, o meu muito obrigado por esse comentário tão pertinente dentro da temática que a história quer abordar, eu quero muito mostrar à vocês quando concluir a história, de onde eu tirei a ideia pra essa aventura e verão que as similaridades existem e muito! Gratidão por tudo meu amigo, até o próximo episódio! \0/
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