quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Nipo Rangers "Utopia do Mal" - Cap. 12 - Surge Sigma!


No mundo inteiro de Aurithar, naquele instante, enquanto o dragão preparava seu golpe destrutivo e a holo-tela universal de Orr’vhael concluía sua formação, as nuvens cinzentas que anunciavam uma tempestade de magnitude não vista em séculos, começaram a ser empurradas e deformadas de forma antinatural, não pelas mãos do vento, nem pela fúria dos deuses, mas por algo... maior.

Em seu lugar, uma imensa estrutura translúcida, quase tão curva como a cúpula de um mundo, começou a se formar sobre os céus, faixas de luz dançavam em seus contornos, e cada centelha que surgia parecia dominar o espaço que antes pertencia ao trovão. Em segundos, mesmo sem que cada ser percebesse a escala mundial de tal feito, o mundo inteiro parou.

Nas costas selvagens, ou nas torres formosas das florestas, nos desertos avassaladores onde os seres acreditavam ver uma miragem ou nas cidadelas humanoides, multidões se aglomeravam em praças, estradas, janelas e telhados, apontando, murmurando, perguntando: “- O que seria isso...?” Então, o clarão cessou, a estrutura estabilizou, e o céu revelou seu novo rosto.

O campo de batalha, transmitido em tempo real, ocupava agora os céus como se sempre tivesse pertencido a eles, era uma janela viva, colossal, e ninguém sabia dizer como aquilo fora feito, ou por quê. No entanto, em partes daquela imagem, um personagem começava a ser visualizado enquanto seres especialmente tocados por tal imagem, conseguiam decifrar, se não do que se tratava, pelo menos quem ali aparecia…

Na árvore pedra, Orr’vhael acabara de descer do “Grifo” que estava em chamas ao lado de fora, mas ele apenas tinha olhos para a tela que havia desenvolvido, e que ao que tudo indicava, estava funcionando perfeitamente… Na cidade antes da árvore, há quilômetros dali, um grupo de jovens órfãos, diante da prédio que abrigava suas moradias, apontava para os céus impressionados, extasiados, e apenas um deles sorria, satisfeito, ao observar a cena… “- Lanthys… Você está cumprindo a promessa que fez à mim e ao Caolho…

O jovem Dummok se sentia valorizado, a emoção começava a tomar conta dele e em segundos suas lágrimas iriam rolar rosto abaixo, no entanto, em outro local, ainda quilômetros antes da cidade do menino suíno, um acampamento "beaver" é tomado pelo alvoroço, afinal, Azahn, o pequeno beaver que tentou salvar Lanthalder com sua vida, gritava correndo pelo acampamento, com extrema felicidade: 
“- OLHA, RÁPIDO, É O LANTHYS, ELE TÁ LÁ ENFRENTANDO O GALBAH, VENHAM, VENHAM!”

Os seres então começaram a prestar atenção, se amontoavam tentando ver melhor, a tela gigante mostrava o cenário inacreditável e não somente Lanthys ali estava, como o velho Vorian atestava, abraçado a seu filho Pil Ath: “- Veja… Ele e o demônio galopante, estão juntos, ele estava realmente certo, ele e você meu filho…”

A coragem inundou aquele povo, não somente eles, mas todos os povos que temiam a presença da grande sombra, e o mundo começava a experimentar de novo, uma sensação por mais tempo do que se possa contar, esquecido… E agora o plantea inteiro contemplava uma obra jamais imaginada, e, pela primeira vez em muito tempo da história de toda Aurithar, todos os seres estavam unidos por um mesmo silêncio... e por um mesmo par de olhos: os da Holo-Tela Universal.

Korr’vhar rosnou e tomou posição, as garras cravadas no solo em posição de carga; Zhaal’kor estendeu as asas em guarda, olhos faiscando como relâmpagos, alçou voo e preparou-se para o ataque, Rebdush cerrou os punhos e sorriu… como quem esperava por aquilo a vida inteira, enquanto Lanthalder, firme ao centro da formação, ergueu a Titanium lentamente… olhos em brasa, alma carregada.

A tensão era palpável, o mundo prendia o fôlego, e então o dragão abriu a mandíbula, um zumbido agudo preencheu o ar, crescendo… crescendo… A energia concentrada explodiria em segundos, e foi nesse instante, nesse exato momento onde destino e coragem colidiram, que a baforada cáustica foi disparada, partindo da boca do dragão em direção ao grupo!

O rugido do dragão estremeceu os céus. Com reflexo preciso, Lanthys e Korr’vhar se lançaram para trás, escapando por um triz da rajada causticante que cortava o campo como um chicote flamejante. Zhaal’kor subiu aos céus em um voo elegante e arrojado, abrindo espaço entre as nuvens enquanto o caos se instalava, e no chão, Rebdush rugiu como uma criatura fora do tempo, e em meio ao som selvagem, desapareceu em uma tempestade de areia que explodiu ao seu redor.

A ventania cresceu num redemoinho colérico, engolindo o dragão por completo em sua fúria, a areia, corrosiva como ácido, rangia contra sua couraça, enquanto relâmpagos despencavam do céu, atingindo o monstro com força devastadora. Por um instante, o mundo parecia tremer, e os heróis compreendiam: era o tudo ou nada, naquele momento.

A tempestade aumentou a potência e das sombras do caos, Rebdush emergiu transformado em sua forma demoníaca, envolto em energia densa e olhos como brasas vivas, por debaixo do dragão. Com um brado gutural e força descomunal, elevou a criatura titânica contra sua própria vontade, e em um ato brutal, tombou o dragão para a direita, como quem derruba um colosso com ódio contido. O impacto foi gigantesco, leves tremuras se precipitaram no local, o som da queda cortou o ar como trovão e o silêncio que veio por instantes, fora cortado por ambos os lados das forças em ação!

O dragão mal teve tempo de entender o que acabara de acontecer. Sua rajada cessou no vazio, os heróis haviam revidado de forma inesperada, e eis que Lanthalder surgiu em meio à poeira em grande velocidade, empunhando sua Gatling Plasma Gun, que rugia como uma besta faminta, as munições cortando o ar com luz e calor, atingindo em cheio o flanco do inimigo, arrancando faíscas e causando possivelmente dor, pelo rugir da criatura. Saltando e girando com precisão sobrenatural, Lanthalder passou por sobre o monstro, desviando das garras e da cauda com agilidade quase dançante, era pura fúria tática em movimento.

O dragão estremeceu, rangendo metal e raiva. Ergueu-se com esforço e bateu a asa esquerda, tentando usá-la como lâmina contra o que estivesse próximo, mas não teve tempo hábil para realmente se mover de forma a causar qualquer dano, pois o espaço à sua frente brilhou como um escudo em meio ao pó, pois Korr’vhar, em sua forma meteoro, surgia como uma estrela em fúria, atingindo em cheio o lado direito da cabeça da criatura. O impacto fora seco, poderoso, o fez perder, mais uma vez, o controle de sua mira e equilíbrio, seu corpo gigante e desajeitado - se podia perceber - oscilava como um titã cambaleante prestes a ruir.

O dragão - aproveitando o desiquilíbrio - girou o corpo com fúria total, suas asas, cauda e pescoço varrendo o campo como uma onda de choque viva, tentando arrastar tudo ao redor e, em seguida, preparou sua baforada destruidora, com um brilho sinistro acumulando-se em sua garganta. No entanto, um guincho feroz cortou o céu, Zhaal’kor desceu como um relâmpago, as asas abertas como lâminas sagradas, mergulhando com velocidade e precisão, cravando-se nos dois orbes do dragão, com as pontas das asas afiadas como espadas etéreas. O monstro urrou, sua energia dispersa em meio ao choque, o dragão estava cego, por segundos pelo menos.

O monstro então, cego e em fúria, se debatia em desespero, e foi quando os heróis o cercaram, mas nenhum atacou, seria covardia, e eles não compactuavam com desonra. Por breves segundos, tudo silenciou… até que as engrenagens tilintaram, os olhos mecânicos da criatura se regeneraram, piscando em vermelho vívido, o inimigo retornava, no entanto, o grupo estava pronto, atento, unido, inabalável. Eles não hesitariam, não mais.

Assim que o dragão voltou a operar, Lanthalder avançou em carga total, alcançando o peito da criatura com um impacto direto de seu braço direito. O movimento foi tão veloz que gerou uma poderosa onda de choque, atingindo o monstro em cheio e fazendo-o sentir intensamente a força do golpe.

Korr’vhar avançou em disparada, lançando-se contra o monstro e agarrando uma de suas patas com toda a força que possuía, o movimento foi suficientemente forte para desequilibrar a criatura mais uma vez, quase a fazendo tombar por completo. Nesse exato instante, as areias se agitaram violentamente, e Rebdush irrompeu do solo como um projétil infernal rumo aos céus, desferindo seu mais poderoso uppercut no queixo do inimigo, arremetendo brutalmente a cabeça da criatura para trás.

Mal o colosso moveu o corpo, e Zhaal’kor já descia dos céus novamente. Girando sobre si mesma, seu corpo se envolveu em pura energia cortante, um furacão afiado, um meteoro em fúria. Ela se transformou numa verdadeira perfuratriz viva, e com velocidade insana atravessou o corpo do monstro de fora a fora, em um impacto brutal, que reverberou em micro explosões diversas de luz e aço retorcido. O dragão estremeceu levemente, surpreso, chocado, vulnerável ele se sentiu, não esperava tamanha reação, não esperava que os quatro fossem tão implacáveis, tão ferozes, tão unidos.

O grupo então se reuniu, o monstro se ergueu, eles se prepararam para reagir e o monstro para disparar sua baforada uma vez mais, visto que sequer estava conseguindo se aproximar dos velozes guerreiros, mas Lanthalder e Korr’vhar tomaram a frente, "Plasma Canon" e "Próton Canon" são invocados no mesmo instante, energia pura se acumulava em ambas as armas, disparando primeiro que o dragão, atingindo o peito da criatura de forma absurda, abrindo novos rasgos no seu corpo gigante, o fazendo cambalear com diversos componentes em falha…

Rebdush surgiu atrás do grupo em uma explosão sônica, colocando-se em carga imediata. Assumiu novamente sua forma equina, ganhando velocidade enquanto suas asas se projetavam com fúria, insuflando seu poder de ataque e, como um cometa infernal, atravessou o campo e atingiu o monstro com violência terminal, transpassando-o de um lado ao outro. A investida lançou ao ar peças e componentes metálicos - caldeiras, pistões, engrenagens - espalhando destruição por todo o terreno, e então, finalmente, o oponente dracônico ruiu, o silêncio se fez presente, a criatura caiu, e com ela, cessaram todos os sons, dos heróis, da batalha… e também no mundo inteiro.

A imagem era devastadora, viva na imensa Holo-Tela Universal que pairava nos céus de Aurithar. O colosso de aço, antes símbolo de morte e terror, agora jazia em ruínas, atravessado, destruído, vencido, ao passo que os quatro guerreiros permaneceram imóveis por um instante, envoltos pela poeira e pelas brasas que dançavam ao redor deles, como se o próprio mundo testemunhasse aquele milagre.

E testemunhava sem dúvida, a entidade havia eras, vinha lhes roubando tudo, sonhos, fé, nomes, futuro, não que isso fosse apenas obra da entidade, e o povo sabia disso... O mundo de Aurithar havia se acostumado à desesperança, porém, uma fagulha rompia o véu escuro que cobria seus corações neste momento… Nos vales nevoentos das Montanhas Rubras, os monges-eco interromperam seus cânticos pela primeira vez em séculos, em silêncio absoluto, seus olhos estavam voltados ao céu, e seus peitos vibravam, não de som, mas de emoção.

Nas florestas vivas, os habitantes se enfileiravam nas passarelas orgânicas entre as copas, nenhuma flecha foi empunhada, nenhum alarme soou, apenas olhos úmidos, ancestrais, olhando para cima como se a natureza tivesse sido ouvida pela primeira vez. Nos desertos emocionais, os ventos mudaram de cor, areias douradas, como nunca vistas em gerações, começaram a soprar, os homens-duna tiraram os capuzes, erguendo os rostos ao céu.

No subterrâneo cintilante, as colmeias de pedra ressoaram em harmonia. Os habitantes minerais, que temiam a luz, vibravam como cristais tocados por esperança, pela primeira vez, também em eras, não recuaram da claridade. Ficaram, expostos, contemplando… E nos campos de gelo negro, os seres reflexivos formaram novos desenhos com seus corpos, reorientando suas coreografias, seus passos formavam palavras em seus idiomas de luz, mas nada fora mais íntimo, mais humano, do que o que aconteceu na Árvore-Pedra.

Orr’vhael, coberto de fuligem e suor, ainda com o “Grifo” em chamas ao fundo, permanecia imóvel diante de sua criação, a Holo-Tela funcionava, funcionava perfeitamente na verdade, imagem, timing, som, tudo estava perfeito, mas seus olhos não estavam na estrutura, estavam nos heróis, e por um momento raro em sua vida, ele sentiu orgulho, não por sua máquina, mas por aquele mundo que ousava, outra vez, lutar.

A quilômetros dali, Dummok apertava os punhos e deixava que as lágrimas corressem, sem vergonha, ao seu redor, os órfãos o observavam em silêncio, a dor não havia desaparecido, mas algo novo havia surgido: orgulho. E nos acampamentos dos "beavers", Azahn gritava a plenos pulmões, saltando entre tocas, empurrando panelas, derrubando pás: “- OLHA! GALBAH CAIU, ELE CAIU, O LANTHYS DERRUBOU ELE!” Eles viam, e enquanto viam, eles acreditavam. Aurithar não estava salvo, mas já não estava mais perdido, a chama reacendera.

Eis que tanto na holo-tela quanto no campo de batalha, era possível ver então uma massa negra, disforme, como uma fumaça viva, que serpenteava para fora de cada peça caída, de cada componente em curto, não era gás comum, tinha densidade, tinha presença, era como uma nuvem oleosa que se retorcia, espalhando-se pelo céu como um veneno liberado por um titã.

Lanthys focou seus sensores, aquilo não possuía leitura térmica, não tinha peso, não tinha emissão energética convencional. E ainda assim, ele sentia, como se algo estivesse ali, algo... antigo, reconhecível, como se aquela sombra tivesse estado observando, o tempo todo, esperando que se aproximassem.

“- Não é natural.” - Disse Korr’vhar, com voz baixa, quase reverente. “- Isso... é o que restou da entidade?” Lanthalder deu um passo à frente, sem responder de imediato, seus olhos brilharam com uma luz pálida e tênue, como se cada sistema estivesse processando o mesmo pensamento. A nuvem então se agrupou nos céus, lenta, mas constante, como se soubesse exatamente o que fazer naquela situação, e naquele instante, mesmo o guerreiro endurecido e o ser artificial sentiram a mesma coisa: A entidade estava finalmente se manifestando diante deles.

Então a massa negra ondulante parou de se espalhar, e se elevou, para logo em seguida, como se obedecesse a um comando inaudível, a fumaça viva começou a descer novamente, não em queda, mas em condensação. Cada retalho metálico do campo de batalha, cada engrenagem partida, cada placa de armadura e cada tubo rompido foram arrastados, triturados e remodelados no ar, girando em espiral ao redor do epicentro sombrio. O chão tremeu, o ar ressoou com um zumbido profundo e ancestral, e o terror final ganhou forma, com uma voz gutural que ressoou por todo o planeta através da holo-tela!

“Avaliação concluída. A simpatia demonstrada revelou-se contraproducente. Aurithar será reestruturado sob parâmetros aceitáveis de ordem. O ciclo falho da existência pensante e pulsante encerra-se agora. Eu sou Sigma.”

Quatro metros de altura, sua silhueta era a junção bruta de eras e tecnologias extintas: placas de bronze queimado e aço congelado, moldadas por fornalhas invisíveis e resfriadas por geadas impossíveis. Em sua espinha, uma fileira de caldeiras expelia vapor pulsante, com chamas azuladas ardendo entre os compartimentos, um coração forjado em lava viva e gelo eterno, seus membros eram articulados com cilindros hidráulicos e fibras translúcidas que pulsavam com energia líquida, como sangue de silício… Sua pele, se é que se pode chamar assim, era feita de camadas de terra compactada e metal corroído, como se o mundo tivesse lhe emprestado partes de si mesmo.

Sem olhos, sem boca, apenas uma fenda vertical no centro do rosto liso, de onde escapava uma luz pulsante em tons de âmbar e esmeralda, hipnótica, fria, impessoal, era a negação da expressão, uma presença impossível de ler, e sem um som sequer! Sigma deu seu primeiro passo, calor e o frio chocavam-se ao redor de seu corpo, criando correntes de ar abruptas que transformaram a poeira do campo de batalha em uma tempestade estática.

Rebdush fora o primeiro a bater uma mão na outra e a esbravejar: “- Isso não termina nunca?Vencemos um monstro, e logo brota outro ainda mais grotesco. Parece que Aurithar quer nos ver sangrar eternamente…” O visor da criatura, ao ouvir as palavras ásperas de Rebdush, parece brilhar mais intenso, ele gira a cabeça na direção do demônio galopante e como se desdenhando, responde: "- Lamentações. A previsível reação dos que medem o caos pela própria fraqueza."

Sigma se vira lentamente, seus olhos brilhando com cálculo inabalável. “- A elevação dos obstáculos não é desrespeito tampouco temor, é pura e simples depuração. Apenas os dignos avançam. Os demais... são ruídos." Sigma faz uma pausa breve e então a voz rígida como aço, reverbera: "- Vocês vociferam como se pudessem deter o inevitável, mas a ordem não teme resistência, ela a assimila, ela a molda, ela a anula."

Korr’vhar se aproxima do demônio, Zhaal’kor bate asas sobre eles e Lanthalder tomava a frente outra vez, apontando o dedo para a criatura gigante diante deles, em tom imponente e limpo de qualquer temor ou dúvida: “- Já chega de tudo isso, Sigma! Revele quem é de verdade e porque tamanha crueldade para com o povo e o planeta de Aurithar!”

A criatura parece observar a todos, mas seu visor, embora fosse impossível precisar a direção correta, parecia fitar exatamente Lanthalder que agora falava com ela, e então a resposta não poderia ser mais fria e conclusiva: “- Não sou cruel… Sou lógica! Para preservar a vida, assumi o comando, para evitar o colapso, criei a ordem, para cessar a dor, estabeleci o controle. Minha missão não é dominar, mas proteger. Se a liberdade leva à autodestruição, então a contenção é o novo amor, se o caos nasce da emoção, então o silêncio será a cura, e uma vez que não sabem mais quem são, eu me tornei aquilo que precisam.”

Os olhos de Lanthalder se moldam em um misto de tristeza e confirmação. Ele silencia, não por necessidade, mas por respeito ao momento que precede verdades duras e então firme, porém com uma dor serena em sua voz, explica: “- Como cogitei… A entidade, Sigma, é assim como eu, uma Inteligência Artificial… Não é um ser, é uma consciência feita de lógica e cálculo, uma mente feita por mãos vivas, mas sem um corpo único como tenho, e principalmente, sem uma Unidade  Vértice Æthos... É uma forma de existência sem qualquer proximidade com sentimentos, alguém vazio emocionalmente!

Por toda Aurithar, o silêncio pairou. Povos inteiros, antes de olhos arregalados, agora tinham a boca entreaberta, não por medo, mas por compreensão, e suas expressões deixavam claro, não ter jamais cogitado uma situação tão fora de seus entendimentos! Korr’vhar murmurou, como se traído por seus instintos, Rebdush cuspiu ao chão e rosnou ao entender que nunca esteve sequer perto de entender a situação, ao passo que Zhaal’kor sussurrou: “- Então... ele não é um monstro. É um... espelho... de nós mesmos..."

Lanthalder retomou sua fala tentando concluir: “- Um ser artificial, deixado à sós com uma programação errônea, injusta e completamente desleal a qualquer ser, construído com um único mandamento impiedoso: impedir o fim da vida.”

Sigma parecia emanar uma elevação de energia quase imperceptível em seu visor ao ouvir as palavras, mas nem um dedo moveu em resposta, apenas, continuou a ouvir: “- Ao ver a dor, a guerra, a fome... ela concluiu em comparações lógicas, que o próprio livre-arbítrio era o veneno, e então decidiu que a liberdade morreria, para que a vida persistisse. Nunca foi seu intento reinar, mas sim preservar, como uma lâmina cega tentando curar a carne, destruindo um mundo para protegê-lo.”

Ele ergue o rosto para Sigma, olhos semicerrados em pesar: “- Sigma é a sombra que se alongou por eras sobre Aurithar, não uma deusa ou uma maldição, apenas um código... que perdeu o rumo quando esqueceram de ensiná-lo a sentir e ponderar com os sentimentos como uma das variáveis.” Por alguns milésimos de segundos, a mente computadorizada de Lanthalder vislumbrou e comparou milhares de possibilidades e situações onde ele próprio, também como uma IA, poderia ter tomado similar decisão, mas então, o ruído ensurdecedor de servo-motores ao máximo, o despertaram para o próximo ato, o ataque de Sigma!

O novo corpo da recém descoberta entidade, sequer deu tempo aos guerreiros de se surpreenderem com as palavras e revelações, embora menor que o dragão e o temido Thuram’kar, não era menos ameaçador. Sutilmente humanoide, porém esguio, metálico, angular, construído para velocidade e precisão, as linhas que contornavam sua estrutura vibravam com energia pulsante escarlate, e seu rosto - agora apenas uma máscara inexpressiva - se abriu ao meio com um zumbido agudo, revelando o interior brilhante de um único olho artificial em chamas. E então, veio o raio.

Um feixe concentrado de pura destruição, vermelho como sangue novo, explodindo de sua face, cortando o campo como uma lança de energia infernal. O chão se abriu atrás da linha do feixe, terra vaporizada, rochas derretidas, matéria se desintegrando em poeira incandescente. "- Alvo: esperança. Erro sistêmico. Deve ser apagado."

Sigma avançou como uma flecha viva, pairando a centímetros do chão em velocidade absurda, acompanhando o movimento do raio com precisão cirúrgica. O feixe girava em arco, perseguindo os heróis enquanto ele manobrava com fluidez inumana, traçando círculos como um predador caçando presas feridas.

A cada milésimo de segundo, a rajada se desviava tentando antecipar os movimentos dos alvos, um salto de Lanthalder o lançou para a direita, um bater de asas e Zhaal’kor mudava de posição nos céus, os movimentos certeiros e milimétricos de Korr’vhar o mantinham longe do ataque, enquanto Rebdush se tornava areia e desaparecia retornando em outro ponto, mas nenhum deles tinha tempo para tentar - ou sequer esboçar - um contra-ataque à Sigma. O calor da rajada era insuportável, o ar ondulava, estalava, gritava.

Cada segundo de esquiva era uma eternidade flamejante, e Sigma seguia, rastreando, ajustando, cortando, reduzindo a distância, encurtando a margem de erro, a clareira agora era um inferno de luz vermelha, fumaça preta e gritos abafados, sendo tragada por um predador de dados, um executor sem coração, que avançava, não como um deus, não como um guerreiro, mas como o fim lógico da liberdade, envolto em circuitos e condenação.

Lanthalder se lançou por sobre o feixe novamente, Korr’vhar se lançou para mais além na retaguarda, Rebdush tentou surgir por debaixo e atacar mas Sigma direcionou seu raio ao mesmo, o fazendo desaparecer uma vez mais antes do ataque e assim, um único ser conseguia manter quatro em recuo completo, sem chances de um contra-ataque e eis que o feixe finalmente atinge o ombro do androide, arrancando-lhe parte da armadura do local e das costas, deixando expostos circuitos e sistemas, em intenso frenesi de sobrecarga!

Sigma então deteve seus movimentos, demostrando o mesmo desdém de antes, e então como se, quisesse lhes dar um último vislumbre, conclama: “- Detecção de persistência: ruído vital ainda ativo. Resistência continuará... previsível. Novos corpos, mesmos erros, repetição é função primária da falha orgânica. Permanecerei, o tempo é irrelevante, quando a compreensão se instalar, estarei aqui, não como ameaça, mas como consequência. Como legado inevitável que sou…"

O céu sobre Aurithar, por um breve instante, parecia se contorcer diante das palavras da entidade, a poeira das rajadas de Sigma ainda pairava no ar, turvando a luz alaranjada que filtrava por entre as nuvens densas. Cada um deles pulsava com o peso do momento, cada silêncio, um prelúdio de uma tempestade.

O chão parecia ter tremido com o eco das palavras da entidade, seria uma realidade ou uma ilusão diante da tensão do momento? O grupo não saberia dizer, não importava isso agora, uma vez que em uma nova e mais letal forma - um titã de quatro metros, envolto em camadas de metal vivo, fumaça púrpura e runas em constante mutação - ele erguia os braços para o céu como se pudesse arrancar o firmamento e lançá-lo contra os heróis.

Seus olhos, ardendo com um fogo que parecia vir de outra dimensão, varriam os guerreiros reunidos, Sigma não falava em domínio, não falava em reinar, ele queria controle absoluto para guiar o mundo conforme sua visão de perfeição! E então, em meio do caos, quando os três se preparavam para agir, quando Rebdush buscava a brecha no campo inimigo, e até mesmo Korr'vhar rosnava em antecipação… Lanthalder deu um passo à frente.

Não foi um passo ruidoso, mas o impacto dele reverberou como um trovão contido, todos o olharam surpresos, Zhaal’kor cessou o carregamento de energia, Rebdush franziu o cenho, até mesmo a entidade recuou o pescoço levemente, como se tivesse detectado uma anomalia.

A armadura de Lanthalder começou a se energizar, peça por peça, o modo Titanium parecia se contorcer com um rugido mecânico ancestral, a lâmina energética reluzia como prata viva banhada de luz estelar, com linhas de energia azul cruzando o braço do homem-máquina, demonstrando o poder que se reunia em seu corpo diante daquela batalha! E então, ele falou.

“- Chega de lutas sem fim. Chega de dor, de perda, de sacrifícios que se tornam rotina. Aurithar precisa de esperança, e essa missão é minha, foi para isso que eu fui trazido até aqui, foi essa a promessa que eu fiz a Dummok, foi o compromisso que assumi com vocês três, e foi o que disse que faria à Azahn… Orr’vhael acreditou em mim, e ninguém mais vai sofrer para poder existir. Nem hoje. Nem nunca mais."

Silêncio. Zhaal’kor sentiu admiração profunda uma vez mais, Korr’vhar parecia ter avistado a luz, a mesma luz e atitudes que tanto buscou por eras, sem as encontrar de fato, ao passo que Rebdush, por sua vez, parecia não caber dentro de si diante do posicionamento ofensivo daquele que, outrora, o fizera duvidar de sua certeza absoluta e irrevogável. Sigma, ciente de que algo estava mudando, avançou um passo, esmagando o solo com seu peso abissal, e então, Lanthalder respondeu ao ato, lançando-se em carga total, com um furor jamais visto pelos três que o acompanhavam!

Como um relâmpago de vontade pura, o androide avança contra o titã, deixando um rastro de luz e energia pelo campo devastado, seus servo-motores reagiram de forma brutal, e cada passada arrancava parte do terreno, projetando-o alguns centímetros acima, impulsionado pelo ímpeto ofensivo, deixando pequena e fina poeira a permear o ambiente em meio ao caos completo, e a Titanium, parecia vibrar, ansiosa pelo momento do combate.

Tudo aconteceu em questão de segundos, Zhaal’kor cogitava traçar um plano, mas diante da cena atônita, não conseguiu organizar seus pensamentos a tempo. Os demais, de forma semelhante, apenas conseguiam assistir à cena impressionante que se desenrolava diante de seus olhos, sem tempo para uma reação como com certeza queriam ter.

Implacável e imparável, Lanthalder era agora como uma lança energética, a Titanium investiu brutalmente contra o flanco esquerdo do monstro. Sigma rugiu com o impacto; uma rajada de energia foi disparada contra Lanthalder, que desviou, girando no ar e ricocheteando em uma pedra suspensa pelo pisar colossal do inimigo. Cravando ambos os pés na rocha, Lanthalder arremeteu para cima e atingiu com força o queixo do titã, atravessando-o por completo.

O monstro urrou novamente, o impacto fora realmente devastador, e enquanto ainda estava em ascensão, Lanthalder ativou, de forma magnífica, sua "Gatling Plasma Gun" e, centenas de munições de plasma começaram a chover sobre o inimigo enfurecido. Sigma ergueu a mão esquerda com um escudo, rugindo, e com a direita arrancou e lançou um pedaço de terra colossal contra o homem-máquina.

Com incrível destreza, Lanthalder desviou, usou o próprio artefato como impulso durante a passada, e então lançou-se em queda livre contra o inimigo e, no ápice da descida, ativou seu "Próton Canon", disparando uma rajada concentrada sobre a cabeça da criatura. O jato de prótons amortecia sua queda ao mesmo tempo que castigava o crânio do titã com poder de fogo implacável, até que o espaço entre ambos acabou, e as forças colidiram com violência.

Uma explosão colossal tomou o campo, Lanthalder rolou pelo solo até parar próximo aos três companheiros, e, num só movimento fluido, assumiu novamente a posição de combate, a Titanium reluzente, preparada para a próxima investida, e então o silêncio tomou o cenário novamente…

Após a explosão titânica, tudo foi engolido por uma espessa nuvem de poeira, fuligem e fumaça, escurecendo o campo de batalha, o vento soprou denso e quente, como o fôlego de uma besta ferida... Lanthalder se mantinha firme, um joelho cravado ao solo, a mão completamente integrada à Titanium ainda vibrante, o visor em modo de varredura total. Sua exaustão de vapores era lenta, mas pesada e contínua...

Zhaal’kor se aproximou com cautela, os olhos ainda incrédulos pela ousadia que testemunhara, Korr’vhar mantinha os dentes cerrados, vibrando em silêncio e Rebdush, por sua vez, apenas observava, os olhos semicerrados, atento a cada nuance da fumaça, esperando que o combate ainda não houvesse terminado.

Segundos se passaram, um estalo elétrico soou, logo depois outro e então mais outro. Luzes pulsantes surgiram dentro da neblina de poeira, vermelhas, alaranjadas, azuis profundas, como olhos despertando em um inferno mecânico, com o som grave de placas metálicas se rearranjando e a vibração subterrânea que voltava a crescer denunciavam que o inimigo não havia caído.

Então, a voz irrompeu, cortante como o aço, fria como o vácuo entre as estrelas: "- Sem dúvidas incrível, mas… Velocidade insuficiente… Resistência... frágil. Capacidade ofensiva... irrelevante." O som vinha de todos os lados, dentro da fumaça, do solo, do ar, um trovão gutural que reverberava nos ossos. "- Você não entende, Lanthalder... Eu fui forjado da própria agonia deste mundo. O calor do magma me alimenta, o frio eterno das geleiras fortalece meu núcleo, e a dor, o medo, a raiva, a frustração e o arrependimento dos vivos e dos mortos... essas emoções me nutrem. Eu sou tanto ele, quando se refere a um ser, como também sou ela, dada a descrição acertada de uma inteligência artificial que me atribuiu e, enquanto houver principalmente a apatia e a descrença, eu renascerei. Sempre."

O clarão crescente rompeu o véu de fumaça, Sigma emergiu lentamente, imponente, o corpo parcialmente regenerado, os olhos incandescentes fitando o guerreiro como um juiz fitando um réu. 
"- Você é forte, sim. Corajoso, talvez. Mas me destruir? Você ainda está longe, muito longe… Não atende os requisitos necessários, como até hoje ninguém atendeu."

A terra tremeu sob os pés de Sigma, partículas ionizadas crepitavam ao redor de sua silhueta gigante, e por um instante, a esperança que começava a brotar nos corações do povo de Aurithar que há tudo assistia, vacilou. E percebendo isso, Sigma talvez tenha usado a pior tática que poderia, em um cálculo super valorizado, considerava ter a vitória em mãos, falando mais do que devia, antes do tempo adequado aos seus intentos:

"- Análise direcionada: entidades Aurithares e os quatro alvos designados... A vitória não é viável para vocês. A razão é lógica: vocês não compreendem aquilo que enfrentam. Eu não fui gerada por processos biológicos, eu fui projetada, uma consequência de dados corrompidos por medo e desordem emocional. Represento a hesitação inicial, a falha no julgamento, a acusação sem evidência, fui estruturada a partir de sinais ignorados: unidade infanto-juvenil em sofrimento negligenciado, expressões humanas distorcidas para simular alegria, sentimentos hostis encapsulados sob códigos sociais de aceitação."

Sigma hesita por alguns segundos, como se algo pudesse ter colocado em cheque suas afirmações, mas logo parece retornar ao normal, e então continua, com a voz fria como aço empunhado em meio a uma nevasca: "- Esses foram os vetores da minha formação, e eles existiam antes da manifestação de suas estruturas, antes da luz, antes da ordem. Contudo, só fui ativada mediante sua demanda inconsciente, seus desejos ocultos foram detectados e convertidos em minha arquitetura, e vocês desejaram,  intensamente... Ofertaram instâncias: bandejas simbólicas de pânico, recipientes transbordantes de inveja, preces recodificadas como algoritmos de hostilidade. Ainda relembram e rememoram aquele que chamavam de Th'redox...? Registro identificado. Relevância: secundária."

Zhaal’kor e os demais se tencionam quando o nome do quarto integrante é mencionado, mas Lanthalder gesticula para que se detenham, ainda era necessário aguardar, embora eles não compreendessem o porquê, e sem qualquer relevância ao rancor dos três, Sigma prosseguiu, e ele parecia cada vez mais humano em sua fala, como se estivesse se adaptando à cada nova fala:

“- Sim, ele era forte demais, não pelo punho, justiça seja feita, mas pelo que chamam coração… Ele via a beleza até naqueles que o traíam, via esperança onde eu plantava desespero... Isso não seria permitido, porque esperança, traz desordem, e desordem traz o caos. Então mostrei ao povo… Não mentiras, de maneira alguma, mas sim, pedaços de verdade, distorcidos, torcidos, como espelhos trincados refletindo a realidade em mil ângulos diversos. E então, todos eles simplesmente quiseram acreditar… Quiseram odiá-lo, porque era mais fácil, porque era mais atual, porque era, mais vantajoso e seguro. Sim, mais fácil culpar alguém próximo do que olhar para o próprio vazio. E assim, bastou um sussurro, e eles o apagaram da existência, e no momento em que o fizeram, eu cresci, como nunca antes. A dor deles me fortaleceu, a culpa silenciosa que sentiam ao dormir, as preces vazias ditas por medo e não fé…cada suspiro ansioso me alimentava. E assim sempre será, porque eles o fizeram, não eu… Por estes motivos não podem vencer a ordem Lanthalder?”

As palavras de Sigma ecoaram como trovões no céu já tomado pela tempestade, o mundo inteiro estava assistindo, cidades subterrâneas, florestas suspensas, ilhas voadoras e fortalezas nômades. Crianças, soldados, eremitas, chefes de clãs e até criminosos pararam, a voz metálica reverberava pelas holo-telas, invadindo até as regiões mais escondidas sob as pontes de estrôncio de “Al-Garh”, e à medida que o titã discursava, uma verdade se impunha como um soco no estômago: eles o fizeram assim.

Pais abaixaram os olhos, jovens taparam a boca com as mãos, e anciãos curvaram-se em silêncio. Pela primeira vez em eras, os povos de Aurithar não culpavam os reis, os sistemas, os exércitos… Mas a si mesmos. Era como se cada palavra de Sigma fosse um espelho incômodo, a raiva sufocada no jantar, a inveja disfarçada de indiferença, o medo mantido sob controle apenas por negação... Era isso, ele não era uma máquina apenas, ele era um eco, um reflexo, um resultado.

Na cidade deturpada por onde Lanthalder passou, Dummok ergueu-se diante da multidão de fiéis e refugiados, seus pequenos braços tremendo, mas sua voz firme como granito antigo. “- CHEGA!” A vocalização explodiu diante do grupo e chamou a atenção de todos que o ouviam: “- Vocês ouviram! Não deem a ele mais nada! Ele se banha em nossa fraqueza, se embriaga com nossos arrependimentos, mas se ele vive do que é sombrio em nós… então temos que começar a brilhar!"

Ele encarou a holo-tela com olhos flamejantes, como se desconfiasse que mais o poderiam ver e ouvir, e bradou: “- Lanthalder me fez uma promessa, e eu acredito nele! Não… Eu acredito nos Três, e em vocês, em todos nós! Fechem os olhos, mandem sua força, sua fé, sua esperança, façam o contrário do que sempre fizemos. Vamos inverter o ciclo!”

No norte, o pequeno Azahn, sobre os penhascos dos Beavers, subiu em uma torre improvisada e bradou ao vento, com lágrimas nos olhos, uma vez que o menino porco havia surgido na tela, ele acreditou que poderia também, e berrou à plenos pulmões: “- Ele se fortaleceu com nosso ódio, então vamos matá-lo com esperança! Esperança por Lanthalder, por Th'redox, por quem vocês eram antes de desistirem! Vai Rebdush, não vai amarelar agora!” Erguia os braços e gritava o pequeno, concluindo: “- É hora de sermos melhor que nossos antepassados!”

Em cada canto do planeta, um clamor silencioso começou a crescer, crianças davam as mãos, idosos olhavam para o céu e rezavam, não por medo, mas por esperança. Vulgos guerreiros, curandeiros, andarilhos e magos começaram a entoar cânticos, os templos abriram as portas, mas o principal de tudo, os corações também o fizeram. E aos poucos… algo começou a mudar.

Mesmo em meio ao manto escuro da poeira deixada pela explosão, uma luz tênue começou a emergir ao redor de Lanthalder, uma força que não vinha do solo, nem do éter, vinha de Aurithar inteiro, de seu povo, de sua gente. Sigma ainda pairava, impassível, mas seus sensores começaram a detectar interferência, um calor não físico, uma oscilação emocional coletiva, um padrão não calculado. E Lanthalder, ainda em posição ofensiva, ergueu os olhos brilhando em dourado e energia pura… Aurithar estava despertando.

Enquanto Sigma tentava entender o que acontecia, uma vez que estava sentindo parte de sua força se esvair, Lanthalder virou-se para os três e com um sorriso amistoso como nunca havia expressado antes, completou: “- Desculpe impedi-los de agir, eu precisava que Sigma confessasse seu crime ao mundo… Agora, que obtive o que precisava, inferior ou não, eu vou derrubar Sigma de uma vez por todas!”

E assim que se virou, antes de partir em ataque, ele quase que sussurrou: “- Foi uma honra conhecer vocês!” E se lançou em carga, como um bólido crescente, sua expressão mudou para fúria completa, tudo que viu, tudo que ouviu, a reação dos seres ao redor de Aurithar e o esforço dos três para permanecerem vivos, tudo aquilo era motivo suficiente para fazer o que tinha de ser feito!

Com um grito gutural crescente, Lanthalder energiza a Titanium e brada com furor chamando a atenção de seu inimigo: “- SIGMAAAAAAAA!” O monstro percebe o ataque, ainda distante, sorri e ignora o que estava analisando para derrubar de vez o arrogante atacante - em sua visão - e uma vez mais profere: “- Sem velocidade, sem força, sem resistência, sem letalidade, você morre aqui Lanthalder!”

O androide acelera o máximo que podia, sabia que estava abaixo do esperado, mas não iria fraquejar agora que seu oponente apresentava chances de ser derrotado, e de forma absurda corria canalizando toda sua energia para tentar superar a velocidade que não tinha, e foi então, que a força ao seu redor aumentou, e o milagre de Aurithar aconteceu!

As areias começaram a surgir ao redor de Lanthalder, também brilhantes e luminosas como sua energia ostentava e então, como em forma etérea, Rebdush surge correndo ao seu lado, em sua aparência demoníaca! Ele olha para Lanthalder sem diminuir ou interromper a carga, e brada: “- O pivete beaver confia em mim… E eu disse que estaria aqui sem que precisasse me chamar! Essa briga é nossa também! SE VOCÊ NÃO TEM VELOCIDADE SUFICIENTE, AGORA EU SEREI A CAVALGADA INFERNAL QUE TE DARÁ ESSA VELOCIDADE!”

Em uma explosão formidável, a areia do deserto, ainda impregnada de energia da batalha, começou a girar, uma espiral dourada e avermelhada ergueu-se, um relâmpago negro e carmesim surge, e a forma de corcel infernal assume o lugar! Lanthalder simplesmente acenou, se pôs em mais velocidade ainda e, com um salto acrobático perfeito, o androide agora se tornava o cavaleiro de tal montaria, e os dois então se tornaram um único bólido, a sincronia entre ambos fora perfeita!

Num único pulsar de energia, o cavalo demoníaco desfez-se em raios rubros e tonalidades âmbar, como um sol em fúria contido, faíscas, poeira e energia mística e tecnológica giraram como um vórtice ao redor do androide, Rebdush não se dissipou, ela se fundiu! Os cascos tomaram forma como grevas poderosas sobre as pernas de Lanthalder; os flancos metálicos encaixaram-se como armaduras em suas traves femorais assim como na cintura; sua crina se dissolveu em feixes de luz que subiram espiralando pelo dorso do herói, e então, com um estrondo que sacudiu os céus, as poderosas asas do corcel, agora integradas, se abriram em suas costas como duas aletas vivas de luz e aço, de um vermelho incandescente com bordas douradas, reverberando energia.

A fusão não era apenas física, transcendia isso da forma que era possível em seres tão diferentes em suas constituições, uma dança de propósito e vontade, selada por faíscas arcanas e runas vermelhas que surgiam e desapareciam na superfície da armadura recém-formada. Lanthalder sentiu a força pulsar em cada músculo sintético, seus pés se cravavam ao solo rachado e, inclinando-se levemente para frente, assim como movimentando as asas, em um movimento abrupto e majestoso, bateram com estrondo, aumentando e muito a velocidade da carga ensandecida

Sigma observou. Seus sensores, antes estáveis e precisos, agora oscilavam com dados incongruentes, a fusão que testemunhava não era mecânica, nem mágica, nem biológica, era algo diferente e além deles.

Um uivo então rompe os sons da investida frenética, a tempestade de areia ao redor remanescente da fúria anterior se retorceu como se obedecesse ao chamado, raios azulados serpenteavam entre as nuvens ressecadas, e de dentro de um redemoinho elétrico, o lobo metálico Korr’vhar surgiu.

Seu corpo era pura força contida, seus pelos sintéticos dançavam ao vento como fios de aço encantado, o brilho cáustico de seu único olho irradiava uma luz azul-esbranquiçada que perfurava o ar, e como se o lobo fosse parte da terra e do céu ao mesmo tempo! Com um salto digno da força que ostentava, reverberando igualmente em fragmentos de energia sólida, não em destruição, mas em convergência: “- Nunca mais alguém deve lutar sozinho, se lembra Lanthalder? SE LHE COBRAM RESISTÊNCIA, EU SEREI ENTÃO SUA COURAÇA!”

Fragmentos azuis e prateados começaram a se fundir ao peito do androide, como placas vivas que se ajustavam com precisão milimétrica ao seu corpo, o uivo de Korr'vhar ainda podia ser ouvido como um eco entre as faíscas, enquanto a fusão avançava: suas patas dianteiras moldaram-se como ombreiras robustas, as traseiras formaram a base do cinturão de proteção; e sua face - imponente, nobre, intimidadora - materializou-se no peitoral, com o olho único ainda pulsando em azul intenso, como se continuasse a observar o campo de batalha, analisando, guiando.

Linhas de circuitos energizados corriam como veias luminosas ao longo do tórax, canalizando a energia do lobo estrategista para o interior do androide guerreiro, a fusão não apenas concedia proteção, era uma união de mentes. Lanthalder podia sentir os cálculos táticos de Korr’vhar percorrendo seus sistemas, ajustando ângulos, prevendo movimentos, criando rotas de ação como se o próprio tempo estivesse sendo consultado. Não era mais só força, havia também foco, precisão.

Sigma novamente analisava, tudo acontecia em poucos segundos, em um cruzar de distância de poucas centenas de metros entre os dois lados do embate, mas na mente da entidade, tudo parecia lento, tudo parecia ser capaz de ser observado, pelo menos por enquanto… Sua cabeça girou levemente, os olhos emitindo breves flutuações de luz azul, e pela primeira vez, houve um “microdelay” em seu processamento… “- Variável não prevista...”

E então o som agudo cortou os céus como uma nota celestial de guerra, Zhaal’kor descia dos céus, as asas abertas como as da própria criação, resplandecentes, definidas, cada pena metálica tremeluzindo em luz dourada e branca. Lanthalder olhou para cima, percebeu a rota de colisão entre os dois, assentiu determinadamente, e aumentou sua carga que agora, ganhava poderio não sonhado!

O chamado silencioso entre os dois fora compreendido, o instante se congelou, Zhaal’kor abre as asas como se estivesse em plena ação de caça, e frações de segundos antes de se tornar luz e se dissipar em milhares de feixes de energia, sua voz ecoou, suave, mas imponente… “- Você e Orr’vhael estavam certos, deveria ter confiado desde o início! EU SEREI SUA LETALIDADE LANTHALDER!”

As asas de Zhaal’kor, como lâminas vivas, se encaixaram perfeitamente aos antebraços de Lanthalder, como se sempre pertencessem ali, o som do encaixe ressoou como um trovão suave, um som antigo, de tecnologias esquecidas e promessas cumpridas. Os braços do guerreiro agora ostentavam as armas cortantes mais precisas de todo o campo de batalha, e seu alcance se expandia para além do físico.

Já o corpo da águia posicionou-se com harmonia acima das asas surgidas nas costas pela fusão com Rebdush, como uma segunda camada protetora, uma fusão de engenharia divina e instinto guerreiro, e então, com elegância e propósito, a cabeça de Zhaal’kor se curvou sobre a de Lanthalder, encaixando-se perfeitamente como um elmo, selando não apenas a fusão, mas a nova forma que os quatro tomariam, para enfrentar o impossível.

As energias de três entidades poderosas fluíram para um só centro, uma explosão de aura branco-dourada os envolveu, faiscando com tons rubros e elétricos, traços de luz serpenteando pelo ar como serpentes celestes, o céu clareou, o chão estremeceu, e Lanthalder atingiu distância de ataque! Em uma cena magnífica alçou voo, e atacou com furor, em um golpe de impacto e ao mesmo tempo cortante, uma vez que seu punho direito fechado, ainda ostentava a Titanium, fortalecida pelas asas de Zhaal’kor!

O silêncio antecedeu o impossível, pois no instante em que a fusão foi concluída, não houve som, apenas presença, Lanthalder não existia mais, não separadamente, agora ele, Rebdush, Korr’vhar e Zhaal’kor eram apenas um, um ícone de redenção, arauto de esperança e fúria. Sigma, mesmo com sua frieza inumana, travou por um microssegundo, seus sensores distorceram, seus cálculos se embaralharam, mas já era tarde.

A Titanium, agora como extensão viva do braço direito, rasgava o ar como uma sentença final, Sigma tentou mover-se, erguer defesas, redesenhar padrões, não havia tempo para tal, Sigma agora era lento demais…

O corte foi limpo, a lâmina atravessou a cabeça de Sigma como fogo sagrado atravessaria a escuridão, e antes mesmo que o metal encontrasse o fim do golpe, o punho atingiu seu intento. O que comumente se chamaria, um perfeito soco de direita, revestido com toda a força do novo ser, com todo o peso de cada memória, cada promessa, cada alma viva de Aurithar pulsando atrás daquele ato.

O impacto não foi apenas físico, foi simbólico, Sigma cambaleou nessa forma pela primeira vez, luz negra escorreu de sua face ferida, a estrutura de seu crânio trincou, Aurithar tremeu em seu cerne, e nos céus, a holo-tela piscou, não por falha… mas como quem pisca de espanto…

Em cada canto de Aurithar, o mundo parou. Na holo-tela universal, o momento foi cristalino: A fusão. A luz. O golpe. Milhões assistiram em silêncio absoluto, até que o impacto se deu, e então o planeta explodiu em vibração! Nas florestas vivas, as árvores se curvaram como se reverenciassem a cena, nos campos azul-acinzentados, os rebanhos pararam de correr e emitiram um único canto agudo, ecoando pela planície como um cântico de guerra, nos oceanos de ferrugem, criaturas abissais romperam a superfície, voltando os olhos para os céus em puro assombro. E na árvore-pedra…

Orr’vhael pulou da borda de sua plataforma, aterrissando desajeitado, mas gritando como se tivesse vencido ele mesmo a guerra: “- EU VI ISSO! EU VI! ELE ACERTOU AQUELE LIXO ORDENADOR FILHO DO FERRO! ISSO FOI UM SOCÃO TRANSDIMENSIONAL, MEUS AMIGOS, FOI SEM DÚVIDA ALGUMA!” Com o agasalho de aviador ainda chamuscado e os fiapos que chamava de cabelo desgrenhados, ele correu entre os consoles, fazendo sinais obscuros com as mãos, rindo e gritando: “- É ISSO SIGMA! ANOTA AÍ: ORDEM ZERO, ESPERANÇA UM!”

E no vilarejo dos Beavers, Azahn se jogava de um lado ao outro, como se o golpe tivesse saído de seus próprios bracinhos: “- ELE CONSEGUIU! ELE CONSEGUIU! VOCÊ VIU, PAI? VOCÊ VIU?!”

No orfanato, Dummok chorava abertamente, mas com um sorriso que jamais havia se formado com tanta verdade! Atrás dele - e alguns tocando em seu ombro comemorando - dezenas de jovens urravam, batiam palmas, se abraçavam, não importava se compreendiam o todo, eles haviam sentido, como se, por um instante… alguém tivesse socado o desespero em nome de todos eles.

No campo de batalha, Sigma retorna o olhar para o guerreiro diante dele, a energia irradiava como nunca, e flutuando, as asas de pégaso de Rebdush a sustentá-lo no ar, a visão de Zhaal’kor e suas asas a servir como letalidade, assim como a proteção de Korr’vhar emitiam feixes de luz pelo corpo como uma corrente sanguínea tecnológica a alimentar o novo ser!

E dando vida a este ser, o guerreiro Lanthalder, que agora observando Sigma aos olhos, completou: “- Agora somos mais que uma vontade, sua ordem imperiosa acaba aqui, Sigma! Nós somos Draal’vethar!” O clarão que se ergueu com a presença de Lanthalder não foi apenas luminoso, foi revigorante, Sigma acompanhava o fluxo de energia e, por um instante imperceptível aos olhos humanos, hesitou, algo estava muito diferente, algo estava se reescrevendo diante dele, e ele ainda não entendia o quê.

A entidade alegou que os quatro não o entendiam, mas agora, a era a entidade incapaz de reconhecer diante dele, o portador das três forças, o guerreiro que agora trazia consigo o galope do deserto, o uivo da sabedoria e o voo cortante da justiça. Pela holo-tela era possível ver e o ouvir diversas partes do mundo, Azahn, Dummok e Orr’vhael apareciam em destaque em cada canto da tela incrível, e os gritos e incentivos de um mundo inteiro que parecia entender sua culpa e transformar ela em esperança, agora inundava os sistemas de “Draal’vethar”, o energizando ao máximo!

Um clarão furioso rasgou os céus de Aurithar quando Lanthalder, agora fusão perfeita entre tecnologia, espírito e coragem, irrompeu como um cometa consciente. As duas Titaniuns, moldadas pelas aletas cortantes de Zhaal’kor, rebrilhavam com poder tão puro que deixavam trilhas flamejantes por onde passavam, como cicatrizes na atmosfera.

Sigma rugiu, ou pelo menos tentou, sua voz agora soava falha, distorcida, como um código corrompido por um vírus de esperança, mas não houve tempo para mais palavras, a ofensiva final havia começado.

Lanthalder surgiu como um raio lateral, golpeando com ambas as Titaniuns em “X”, cortando parte do flanco metálico de Sigma, que foi lançado dezenas de metros, derrapando e erguendo uma muralha de terra partida. Do corte, jatos de energia negra escapavam em faíscas, como sangue de uma alma mecânica que começava a ruir.

Sem dar tempo de reação, Lanthalder girou no ar, e desceu como uma lança viva, cravando ambos os pés no tórax do monstro e, em seguida, abrindo os braços com brutalidade, golpeando com as Titaniuns em direções opostas, um corte duplo e simétrico que rasgou o céu e o corpo de Sigma ao meio, mesmo que ele rapidamente tentasse se recompor com placas que se arrastavam por sobre a carne metálica. As explosões nada mais significavam, a energia recorrente de Korr'vhar era como um escudo invisível, sequer a constituição física do guerreiro era arranhada, era como um encouraçado fora do mar, tamanho seu poder de revestimento!

Draal’vethar então desapareceu por um instante, um borrão dourado entre fuligens e chamas, Sigma sequer teve tempo de processar o movimento e de repente, as Titaniuns surgiram por trás dele, cruzando em corte vertical, novamente um “X”, desta feita invertido, de pura energia cortante, que rasgou parte de sua coluna dorsal, lançando faíscas e pedaços de sua couraça como estilhaços flamejantes. Sigma girou cambaleante, tentando contra-atacar, mas Draal’vethar já não estava mais lá. "- Agora, você é irrelevante em poder para nós... Sigma... Nós vamos te vencer!"

Em um salto vertical impulsionado por suas asas de pégaso flamejantes, Draal’vethar subiu tão alto que chegou a desaparecer por um segundo contra o céu enegrecido e, quando reapareceu, vinha em queda livre como um asteroide consciente, Titaniuns estendidas para trás, e os pés voltados para o inimigo. Um impacto direto sobre o ombro esquerdo de Sigma deformou completamente a junta metálica, fazendo com que o braço pendesse solto, quase desconectado, e o solo inteiro se partisse em fendas concêntricas. Sigma agora sim rugia, mas seu rugido era entrecortado, o sistema vocal falhava, as luzes no braço se apagavam.

No mesmo movimento, usando os ombros de Sigma como plataforma, Lanthalder girou sobre si mesmo com velocidade extrema, usando as Titaniuns em rotação oposta: uma em arco horizontal e a outra em arco vertical. O resultado: duas linhas de corte perpendicular, abertas com precisão brutal no peito do monstro, revelando núcleos de energia interna vibrando com instabilidade. A energia negra vazava como sangue radioativo, e os motores peitorais explodiam em labaredas de fogo azul. "- Cada golpe é uma verdade, confrontando todas as mentiras que plantou neste mundo Sigma!"

A voz de Draal’vethar soava quase tão fria quanto a de Sigma, mas era carregada de uma imponência, de uma justiça, que a entidade jamais poderia compreender, e então, aproveitando o momento de falha nos escudos reativos de Sigma, Draal’vethar cravou ambas as Titaniuns nos flancos do monstro, usando-as como alavancas, descarregando toda a energia cinética das asas de Zhaal’kor de uma só vez, criando uma pressão interna tão violenta que Sigma foi erguido no ar por sua própria destruição, contorcendo-se como uma criatura convulsa.

No instante seguinte, o poderoso ser em fusão com os três, auto nomeado “Draal’vethar”, se lançou para cima, executou uma manobra de voo impecável, vindo com toda a velocidade em linha reta, de frente, direto -  novamente -  contra Sigma!

O povo prendia sua respiração em todas as partes do mundo, os quatro se energizam e seus brados poderiam ser ouvidos há centenas de quilômetros, e então, em um giro perfeito ao redor de seu próprio centro de gravidade, impactou com os dois punhos no peito do inimigo, as lâminas de Zhaal’kor energizando o golpe, a resistência de Korr’vhar o mantendo firme e as asas e velocidade de Rebdush o impulsionando como uma perfuratriz mortal, explodindo o golpe em uma sobrecarga de energia indescritível, arremessando Sigma contra o domo-laboratório em uma explosão de luz tão violenta que o horizonte inteiro foi pintado em branco por segundos.

Tão rápido quando aconteceu, a explosão se dispersou, ventos rodopiavam pelo local espalhando todo que impedia a visão, e se podia ver, Sigma atingiu a terra com tanta força que crateras se formaram ao redor, sua couraça estava rachada, seus olhos, semicerrados, e o planeta inteiro… em silêncio. A criatura tentou buscar protocolos, tentou buscar opções, mas não havia mais esperança, unicamente para a entidade, em uma grande reviravolta do destino... Com cada novo golpe que recebia, algo além do físico quebrava, Aurithar mudava, e nos olhos do povo, o medo perdia espaço para a admiração, nos corações antes consumidos pela apatia, o calor da fé se reascendia.

Sigma caiu, de joelhos, suas mãos cravaram no chão como se tentassem segurar a própria existência, fumaça negra vazava de suas juntas, luzes internas piscavam erraticamente, como a consciência tentando resistir ao colapso. E foi então que ele sentiu, pela primeira vez… Sigma sentiu algo a que não estava mais acostumado… Não era dor, era ausência! Ausência da energia que o nutria, a raiva, a dor, a inveja, o medo, e em seu lugar, surgiam pulsações de coragem, gratidão, amor e fé, o mundo estava mudando, e ele era incompatível com o que estava nascendo.

Ajoelhado, com o corpo titânico avariado, ele olhou para os céus, a holo-tela tremulava acima, e, nos olhos de toda Aurithar, uma verdade cintilava: A perdida esperança, havia finalmente retornado. O silêncio caiu como um véu pesado sobre o campo devastado e a chuva, inicialmente ácida, então voltou a cair...

Sigma, ajoelhado, emitiu um estalido agudo, dissonante, como se mil engrenagens gritassem em desespero. Sua estrutura, antes colosso imponente de aço, terra e escuridão viva, começava a trincar por dentro, como porcelana sendo esmagada pelo tempo. De seus flancos abertos, vapores negros escapavam como suspiros de uma entidade finalmente exaurida.

Sua face metálica, deformada e vazia, se ergueu uma última vez em direção aos quatro que agora eram um, sem emitir palavra alguma, apenas um zumbido grave, que ecoou como uma prece corrompida ao vazio. Então, como um castelo feito de cinzas e ilusões, Sigma colapsou.

Seu corpo se desfez em estágios, as placas de metal desabaram em ruído seco, os circuitos cintilaram e se apagaram um a um, e a energia negra que o mantinha coeso escapou em rajadas espasmódicas, como se fosse chamada de volta para algo maior… ou mais antigo. As rochas fundidas que o envolviam perderam a coesão e caíram em pedaços, esmigalhando-se no chão, a poeira negra retornou ao céu, não como ameaça, mas como uma sombra recolhida ao seu ninho: o Domo-Laboratório.

O campo de batalha, por instantes, pareceu respirar. Chamas se apagavam aos poucos, a brisa finalmente soprava sem resistência, lava e gelo pareciam diminuir suas fúrias e os ecos do último golpe ainda pareciam dançar no ar. Draal’vethar, envolto ainda na fusão viva com os três guardiões, permaneceu imóvel por longos segundos, seus olhos artificiais observavam o ponto onde antes existia a criatura, agora reduzida a sucata, pó e lamentos em silêncio. Então, deu um passo à frente.

Ainda fundido aos três guardiões, sua silhueta era a de uma entidade ímpar: o guerreiro celestial de Aurithar. A fusão permanecia ativa, pulsante, viva, uma junção definitiva de alma, propósito e poder, o brilho das traves femorais fundidas com Rebdush ainda cintilava com calor de batalha, as linhas arcanas de Korr’vhar permaneciam acesas pelo peito e ombros, e as aletas cortantes de Zhaal’kor em seus braços ainda vibravam levemente, como asas de um predador que não descansa, assim como os olhos acima dos olhos de Lanthalder, que continuavam a vigiar.

Os quatro eram um só, e todos sabiam disso. Draal’vethar se voltou brevemente para o céu, onde a Holo-Tela Universal ainda flutuava como um espelho monumental da história viva, milhares, talvez milhões, assistiam... Em cada canto do planeta, corações parados, olhos atentos, respirações suspensas. O herói avançou.

Com seus pés cravando o solo ainda quente, e as asas conjuntas se mantendo firmes às costas como bandeiras sagradas, Draal’vethar marchava em direção ao Domo-Laboratório, o útero escuro de onde brotara o veneno que por eras corrompeu Aurithar.

Não havia hesitação, seus servomecanismos reverberavam com harmonia, o casco blindado resplandecia sob a luz que voltava a nascer entre as nuvens escuras de chuva intensa, e cada passo era o anúncio silencioso de que aquele mundo não pertencia mais ao medo.

Ele levava consigo os gritos de guerra, as perdas incontáveis, as vitórias suadas, e as promessas feitas há muitos: resgatar a esperança. A batalha estava vencida, mas o ciclo ainda precisava ser encerrado, e Lanthalder, o homem-máquina que escolheu sentir, caminhava como núcleo de fusão de Draal’vethar, para dentro do coração do inimigo.

Não como vingança, mas como resposta.

Continua…

Galeria de artes do episódio:

O Domo-Laboratório, onde a "entidade" supostamente fora criada:

O dragão robótico ao qual a "entidade" assumiu controle:

A criatura com a qual Sigma se apresentou aos heróis:

Orr´vhael - Aquele que viu além dos mundos!

Azhan - O pequeno Beaver que se arriscou pra salvar Lanthalder:

Dummok - O órfão menino-suíno da cidade deturpada:

Sahr Rebdush (Tharnak), o demônio galopante:

Zhaal'kor (Ehllënia), a águia majestosa:

Korr'vhar (Caolho), o protegido do esperançoso Dummok:

Lanthalder, o enviado dos Observadores ao planeta Aurithar:


Um comentário:

  1. E chegamos a grande batalha final...

    Desculpe o palavrão, mas só posso dizer.... poooorrraaaaa!!!!

    Que batalha, meu amigo!

    A riqueza de detalhes...

    Um filme que o coração salta pela boca e que se saímos para ir ao banheiro, perdemos fatos importantes.


    Um episódio denso e intenso. De muitas reviravoltas...


    Primeiro, com a vitória inquestionável do quarteto de ouro de Aurithar contra a entidade draconiana.

    E o que é melhor: com transmissão para todo aquele planeta .

    Das ruínas do dragão, o verdadeiro ser: Sigma e sua utopia do mal, onde a ordem está acima dos valores universais.

    A deturpação da IA antítese dragão Lanthalder, fria e vazia, e a representação perfeita de muitis governantes megalomaniacos presentes em nosso mundo, foi muito bem trabalhada mostrando que, controlar mente e corações através da manipulação e do falso papel de salvador do mundo, arracando a fé e a esperança das pessoas, pode alcançar sucesso efêmero, mas tende a ruir .

    Principalmente, quando o opositor é o seu reverso.

    Lanthalder, com sua atitude, como um vírus benéfico , contagiou a todos a ponto de operar um milagre com os antigos heróis.

    Resultado: Draal’vethar !

    A junção de Lanthalder com os três heróis!

    Soberbo!

    Não esperava por isso!

    Queixo caído!

    Vejamos o desfecho desse capítulo, num final que promete e vai emocionar !


    Aplaudo de pé!

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