sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Perturbador - Caso 08 - A coisa certa a fazer...


Naquele momento único, tenso, de baixa capacidade de discernimento e de visão escurecendo, ela começa a lembrar-se de coisas que nunca havia parado para repensar ou reviver… Seu início, seus primórdios, suas primeiras etapas na vida… Era angustiante saber que ela podia ter feito aquilo antes, ter pensado antes, ter lembrado antes, mas infelizmente não aconteceu e agora… Era tarde demais para tentar corrigir… Rita nasceu em uma favela pobre do Rio de Janeiro! Desde muito cedo sua vida era trabalhar para ajudar os pais no sustento da casa, fosse nos semáforos, fosse ajudando na lida da casa… Seus pais sempre disseram à ela, sempre faça a coisa certa, mesmo que seja difícil e assim viverá em paz, não importa o problema que tenha para resolver!!

Dedicada e atenciosa aos ensinamentos dos pais, ela atingiu seus doze anos e começou a fazer serviços domésticos ao redor de onde moravam e assim, aumentou a renda da família sem precisar se voltar à situação à margem da lei que uma parte significativa dos mais pobres se voltavam… Agora, graças ao empenho de todos, eles tinham três refeições por dia para os quatro, seu pai, sua mãe, ela e seu irmão caçula… Na mente, sempre o conselho do pai quando se sentia fraquejar pelo cansaço e esforço:

 “- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!”

O tempo passou, e embora todo seu esforço e fé em dias melhores, quando tinha seus quinze anos um terrível incêndio na favela levou a vida de seus pais e irmão e uma nuvem negra abateu-se sobre ela… Sem casa, sem parentes, as ofertas da rua e da vida começaram a rondar-lhe, mas ela lembrava de seu pai: “- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!” De posse disso, Rita negou-se a deixar a conduta que sempre teve de lado, ia honrar os pedidos de seu pai! Buscou trabalho, dormiu algumas vezes na rua, mas conseguiu encontrar ajuda e um novo emprego, ergueu-se novamente com seu esforço e retidão!

Rita nunca estudou mas era uma empregada doméstica dedicada e profissional no que fazia, havia atingido seus dezoito anos apesar das dificuldades e persistência e agora, sua vida havia mudado… Estava trabalhando no centro do Rio de Janeiro, a família dos Moraes era íntegra, empática e a havia recebido muito bem… A patroa, professora de universidade particular estava grávida de seu segundo filho e feliz com o aumentar da família; o patrão, empresário do ramo de comércio internacional, estava radiante com o futuro onde Rita cuidaria deles e de seus filhos… Ambos com estabilidade e vida confortável, Rita conquistou a confiança da família, os Moraes admiravam e apoiavam a conduta da funcionária, sempre em qualquer tarefa destinada a ela, guiada pelos ensinamentos do pai falecido: “- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!” A nova oportunidade rendeu-lhe bom salário, foi convidada a morar com eles e incentivada a estudar para aprender a ler e escrever com mais facilidade, dando novas oportunidades! Rita estava feliz e convencia-se que seu pai estava certo, fazer sempre a coisa certa!

Alguns meses depois, o patrão foi convidado a assumir uma das filiais nos Estados Unidos e a família iria mudar-se… Rita foi convidada a ir com eles, teria moradia, escola e salário, além de folgas adequadas para ter uma nova vida… Nada mais prendia a jovem aqui e assim, em poucas semanas ela abandonava o Brasil e assumia nova pátria, com grandes expectativas no futuro junto dos Moraes… Em sua mente ela agradecia, “- Obrigado pai, por sempre fazer a coisa certa como me ensinou, hoje eu vivo bem e em paz!”

A família Moraes e Rita chegam ao seu destino, se instalam na nova casa, foram muitas semanas até tudo ficar pronto e finalmente estavam perfeitamente estabelecidos… Rita havia conhecido a vizinhança, estava matriculada em educação para jovens e adultos, mas adaptava-se maravilhosamente bem na nova cidade, na nova vida, e o lema de seu pai sempre à guiá-la… “- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!”

Em torno de um mês depois, o casal Moraes pediu à Rita que cuidasse do bebê recém-nascido e de seu filho mais velho, agora com doze anos, enquanto eles saiam para comemorar a nova fase de suas vidas. Com toda a responsabilidade do mundo, depois de colocar as crianças para dormir, Rita desceu as escadas e foi para a sala principal assistir TV. Do nada o telefone tocou, ela temia não saber responder pois conhecia muito pouco do inglês, mas resolveu arriscar… Do outro lado, ao invés de alô, a voz chiada e assustadora diz, em português: “- Estou aqui em cima com as crianças. É melhor você vir aqui”.

Rita, descrente de algo assim ser real, ignora a ligação, achou que fosse um trote e seguiu assistindo a TV. O telefone toca novamente, entre gargalhadas, a mesma voz sinistra dizia: “- Estou aqui em cima com as crianças. É melhor você vir aqui”.

Dessa vez Rita preocupou-se com a possibilidade de alguém estar rondando ou observando a casa, e ligou para a polícia avisando sobre o trote. Eles pediram para ela tentar prolongar a conversa com a pessoa no telefone caso ela ligasse de novo para que eles pudessem rastrear a ligação. O telefone como esperado pela polícia e indesejado por Rita toca outra vez, e a mesma voz sinistra sentencia: “- Estou aqui em cima com as crianças. É melhor você vir aqui”.

Rita não consegue prolongar a ligação e decide desligar e ir ver as escadarias, porém, quando largou o telefone ao gancho, embora receosa ela atende e seu espanto foi gigante ao perceber que era a polícia avisando que o tempo ao telefone havia permitido rastrearem a ligação e com voz apavorada, a oficial diz: “- Saia da casa, o homem está na outra linha, em outro cômodo da casa!”.

Assustada, ela ponderou as palavras da policial, mas também ponderou as palavras de seu pai…
“- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!”

Ao ouvir passos pesados no corredor, Rita entende que a policial estava certa e que as crianças eram sua responsabilidade, subindo as mesmas determinada ao mesmo tempo que em pânico, torcendo para que nada tivesse acontecido com elas quando então, fora como se o tempo tivesse parado… Uma sensação estranha e incômoda percorreu suas costas e ela resolveu parar e olhar para o espelho do corredor... A cena foi aterradora e ela não conseguia acreditar estar vendo aquilo...

No espelho, era ela, a mesma roupa, o mesmo cabelo, a mesma idade, mas... Sua expressão era sádica, estava coberta de sangue com uma enorme faca na mão direita à torcer a cabeça enquanto gargalhava… Sua mente então atacada por aquela visão, é invadida por uma recordação, algo destruidor, algo avassalador, algo que ela deveria saber o tempo todo e por algum motivo não lembrava… Ela enxerga em sua mente, o fogo... Lembra de que ela se viu no espelho no mesmo dia, mas com fósforo em, uma mão e álcool na outra, e lembra também de sua mãe e seu irmão já desfalecidos com as pancadas que com o rolo de massa ela havia feito nos dois... Seu pai? Ela nunca conheceu seu pai… Ela nunca teve um pai, fora fruto de violência sexual que sua mãe havia sofrido… Então, com a visão confusa e sua mente mais ainda, ela se pergunta: “- Então... Quem sempre… Me falou… Aquilo?"

Sua versão do espelho então sorri sadicamente se aproximando dela, mesmo que ela não houvesse se movido no corredor e eis que um vulto sombrio e demoníaco surge como que com a mão ao ombro da cópia maldita, satirizando: “- Oi filha… Que bom que fez a coisa certa…”

Rita grita de forma estridente, sua mão se move sob ordens do peso da culpa e da desilusão de ter fraquejado... Sua mão se guia pela fúria de ter sido tão fraca e sucumbido de novo... Agora ela tinha se decidido, estava determinada, aquilo nunca mais iria acontecer... Então, a dor lancinante e fina em seu pescoço e logo o liquido quente escorria abundante pelo mesmo trazendo a esperada redenção que a jovem finalmente teve coragem de procurar… Ela tenta levar as mãos, mas percebe que sua visão escurece aos poucos enquanto seu corpo chegava ao chão… Somente ali, naquele momento, ela sentia o prazer de organizar os pensamentos e entender tudo que acontecera desde sempre e naqueles segundos finais, enquanto por algum motivo obscuro ela mantinha a consciência, o vulto negro e disforme surge de novo, diante dela mas agora no corredor, sorrindo maliciosamente... "- Bem vinda de volta... Filha... Eu senti saudades..."

Quando a polícia invadiu a casa, encontrou Rita com o corte fatal no pescoço, as crianças esquartejadas, e centenas de pegadas descalças impressas com sangue por toda a residência…

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Perturbador - Caso 07 - Culpado acima de tudo...


A escuridão daquele cemitério era intensa, mal se enxergava o chão onde precisava cavar... Estava passado já da meia-noite como nos bons contos de história de terror… Em princípio eu deveria ter medo, ficar assustado, com o vento que imitava vozes à me chamar, com as sombras que pareciam monstros à espreita, com os portões e placas que batiam e rangiam como se os demais mortos quisessem sair dos túmulos…

Eu estava cansado, sujo, minhas mãos sangravam um pouco devido ao esforço para cavar o buraco que fosse adequado para seu tamanho… O velho estranho me disse que se o buraco fosse do tamanho certo, iria funcionar, que era a grande dádiva de sei povo à operar... A chuva atrapalhava, deixava a terra encharcada, não tinha apenas a terra para ser mexida, a água anexada aumentava o peso e tornava tudo mais difícil…

Além do esforço para abrir o buraco ao chão, as lágrimas e o choro me tiravam as forças... As imagens, as cenas, os momentos que nos levaram ali, me corroíam a alma e me faziam soluçar e por vezes gritar, desperdiçando energia valiosa… A autoestrada deserta, a discussão, os gritos, a noite, a falta de atenção, a curva e a água na pista… Tudo que lembro após é dolorido demais para analisar e mesmo assim, mesmo com a dor insuportável, tudo aquilo me salta à mente à cada instante, me culpando novamente por tudo…

Termino o serviço, saio dali como posso, não estou com medo, não tenho medo do ambiente nem dos que ali vivem, sou Eduardo Ramirez e minha meta é muito maior que isso, pois não poderia ter sido desse jeito, não poderia ter sido assim, não com Bianca… Isso não podia ter acontecido, eu tinha que resolver aquilo de qualquer forma... Eu entro em meu carro... Não, em nosso carro e me afasto em direção à nossa casa, com pressa, com ansiedade, com emoção, com a sensação de que fiz o certo…

Os relâmpagos cortam o céu terrivelmente quando adentro pela porta da frente de nossa casa, vou andando até perto da janela onde ficávamos a olhar as estrelas sentando-me pesadamente ao chão, mas desta vez, contemplando as nuvens turbulentas e o estrondar dos raios violentos lá fora... Alguns segundos de sobriedade e então de novo, a mente me assalta e minha consciência me cobra…

O carro sai da pista em plena floresta, rodopiou algumas vezes, ela foi jogada para fora pois havia removido o cinto para se jogar do carro… O carro seguiu descendo e se arrebatando, mas era mais lento que ela que foi arremessada mais à frente de forma brutal e quando finalmente tudo parou, lá estava Bianca em pé, expressão indescritível e aterradora, prensada contra uma árvore pelo nosso carro enquanto eu ainda estava ao volante, preso pelo cinto... Sua região abdominal esmagada pelo choque e ela ainda podia me olhar e respirar de forma fraca, o suficiente pra entender o que aconteceu antes de perder os sentidos e desfalecer…

O socorro chegou, a polícia chegou, ela foi levada e eu não fui culpado por ninguém… Ela foi examinada, liberada, sepultada e eu ainda assim não fui acusado de nada… Mas eu estava no volante, eu discuti por besteira, eu a acusei de algo que não havia feito à ponto dela tentar se jogar do carro… Então veio a curva e tudo aconteceu e eu a perdi…

Finalmente todas aquelas lembranças e dores me traziam para a realidade de novo, onde via o sangue escorrendo de minhas mãos pelos ferimentos da pá, era o início do meu êxtase naquela noite e minha espera parecia ter chegado ao fim, eu seria finalmente penalizado por tudo que fiz…

O local era ideal, me prometeram que encontraria li o que buscava… Apostei tudo nisso, removi ela de seu sepulcro e a levei para onde era o indicado, finalmente agora eu estava feliz e completo, minha hora de finalmente sorrir havia chegado…

A porta principal da casa se abre com um rangido que não tinha quando entrei, parecendo demonstrar um peso sem igual a forçar-lhe a abertura… Não ouso me virar, finamente eu tenho medo, finalmente eu temo por mim… Ouço passos encharcados, passos lamacentos, algo que parecia trôpego e falho na caminhada… Quero correr mas não o faço, eu esperei por aquilo, eu ansiava por aquilo… Então, dedos frios envolvem meu pescoço e começam a apertar até que sinto o ar começar à faltar em meus pulmões e meu sangue ter o fluxo interrompido… Sorrio... Ela voltou para mim... Finalmente alguém irá me culpar e me punir pelo que fiz!

FIM

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Perturbador - Caso 06 - Amor a qualquer custo...


A chuva caía de forma intensa… Não era algo impossível de se suportar, mas ela molhava bastante, era fato… Não estava frio também, a temperatura deixava os pelo eriçados, mas ainda assim não incomodava… Na verdade, tudo aquilo que se podia sentir ali em nada se comparava a tudo que já havia sentido… Eu havia decidido, não queria sentir mais nada…

Ao nascer minha mãe morreu, meu pai me culpou enquanto viveu pela perda dela… Eu sentia que ele não me amava por conta disso… Aos oito anos foi a vez de meu pai partir e então fui para uma casa de acolhimento… Fome, frio, maus-tratos entre outras coisas que prefiro sequer mais lembrar causada pelos cuidadores da instituição, à destruírem o pouco de mim que ainda restava… Eu tinha quase uma década e ainda ninguém nunca tinha me amado de verdade…

Consegui sobreviver, cheguei à adolescência, a escola mesmo com os bullyings devido à minha massa corpórea fora do padrão, sempre me trouxe tristeza mas não era algo que chegava a incomodar, afinal, eu era obeso mesmo, iria contrariar como? Segui meus dias, acreditando que realmente eu era a pior pessoa do mundo, um ser humano que deu errado e que as pessoas preferiam estar longe… De novo a vida jogava na minha cara, eu não era amado por ninguém, e isso me corroía…

Aos meus vinte e um anos, por conta de minha aparência física em desacordo com os moldes da sociedade, nunca conheci festas, confraternizações, reuniões, nada disso chamava minha atenção inclusive, mesmo que eu algum dia tivesse sido convidado para alguma… Nunca fui aluno exemplar, nunca fui bom em nada e meu estado de espírito não me permitia lutar para melhorar ou considerar que eu tinha algo que deveria ser cultivado, a autoestima… Tudo que batia na minha mente e na minha alma o tempo todo, era… Eu nunca havia sido amado por ninguém…

Hoje estou aqui, aos trinta e seis anos… Nunca tive um relacionamento, nunca uma mulher se interessou por mim… Nunca um vizinho se preocupou se eu estava bem ou vivo… Nunca alguém proferiu a frase “- Você se sente bem?”... Eu não esperava um amor incrível, eu queria que apenas, como alguém que ama cães afaga seu cãozinho, uma única alma pelo menos, dissesse para mim um dia com sinceridade, “- Eu gosto de você…

Mais um dia na minha vida se encerrava, eu adentrava o kitnet que alugava desiludido… Fui demitido segundo o chefe, por corte de despesas… O aluguel estava vencido havia três meses, o senhorio já havia dito que iria me despejar… Acumulava dívidas no mercado, na farmácia, no hospital… Sim, hospital, onde fui tentar descobrir que dores estomacais eram aquelas e adivinhem? Recebi um resultado de acordo com minha vida, havia um câncer nascendo em mim, nos intestinos, inoperável… Minha estimativa eram cinco meses, ou menos… Olhei para os céus e pensei… Porque vir ao mundo sem nunca poder ser amado por alguém, qual foi meu crime afinal?

Saí do kitnet, apanhei o ônibus e andei por quase duas horas até chegar próximo da floresta… Dali ainda tinha pelo menos uma hora de caminhada até o local que todos usavam, pois para não incentivar meu ato, não existem transportes públicos até o local… Vencendo essa etapa e me perguntando a todo instante, porque nunca fui amado, percebi alguns carros estacionados e cobertos de vegetação… Sim, muitos vinham e deixavam seus carros ali e nunca mais voltavam, nem mesmo seus familiares ou amigos vinham procurar por eles… Parece que haviam mais pessoas que não eram amadas também…

Segui pela trilha por talvez uma hora e era triste o caminho… Alguns calçados… Barracas destruídas pelo tempo… Árvores retorcidas, marcas em cada uma delas talvez por alguém que temia se arrepender da decisão e retornar… Era praticamente uma “via crucis” cheia de dor e medos e, a cada momento que eu cogitava "- Não, essa não é a atitude correta...", em minha mente martelava de novo… Eu nunca fui amado por alguém então, porque insistir…

Escolhi uma árvore, coloquei a corda por sobre o galho e subindo em um tronco consegui deixá-lo alto o suficiente para executar meu plano e então, relembrando tudo que minha vida tinha sido, verifiquei se o nó que eu tinha estudado e treinado tanto estava perfeito… Coloquei o pescoço dentro do laço e preparei para me despedir quando então algo me chamou a atenção… Luzes… Como se uma casa existisse ali… E voz de crianças… Brincando, rindo, se divertindo… Eu estava decidido, mas, definitivamente aquilo era curioso, como alguém podia se divertir no meio de uma floresta escura como aquela?

Desci e fui em direção, a chuva caía e vi a cabana… Um senhor e uma senhora estavam sentado ao lado de um fogo de chão, enquanto as crianças em idades variadas corriam e riam felizes… Era uma família, todos pareciam se dar bem, se amar… Eu olhava pra eles e pensava, porque nunca ninguém me amou… Quando dou por mim, o senhor de dentro da casa gesticulava para mim, aos gritos:

“- Ei… Você… Vai se resfriar nessa chuva… Venha, entre, espere a chuva passar…Vamos!”

Fiquei sem entender, mas… Nunca ninguém me convidou para nada… Eu fui, meus olhos escorriam lágrimas, eu estava repleto de felicidade com aquele convite… Ao chegar, o velho homem me recebeu com abraços, a senhora me convidava a entrar, retiraram meu casaco e as crianças faziam festa ao meu redor… Sentamos rodeando a fogueira e a panela borbulhava com aromas deliciosos devido provavelmente aos temperos utilizados…

O senhor então sorridente, após ver que eu estava bem e já me secando da chuva me pergunta, o que eu estava a fazer naquele local isolado com aquele tempo horrível… Eu óbvio não quis falar a verdade, disse que havia me perdido… Ele sorridente me disse que ficasse tranquilo, que hoje eu ficaria com eles e tudo estava bem… Me contaram histórias, contaram piadas, perguntaram sobre mim e sobre o que eu pensava ou sentia… Em meio a tudo aquilo, comecei a chorar de emoção e então eles ficaram sérios a me observar… Sem poder mentir mais pra eles falei tudo que minha vida tinha sido e que eu tinha ido para tirar minha vida…

Entre prantos de alegria, esclareci que era a primeira vez que alguém me acolhia com tanto carinho e que mesmo que eu morresse hoje, estaria feliz… Foi então que eles ficaram com aspecto tenebroso, estáticos a me olhar… Estranhei mas não imaginei o que poderia ter sido, então seus sorrisos se abriram, dentes surgiram por suas bocas e antes de conseguir discernir o golpe de machado em minha cabeça que tirou minha vida, eu pude ouvir o mais velho dizer:

“- Felicidade deixa a carne macia senhor... Nós amamos refeição macia... Obrigado senhor…”

Antes de expirar meu último suspiro, antes de perder meus sentidos por completo, sentindo minhas forças se esvair rapidamente, consegui com um sorriso no rosto e uma lágrima no rosto, formular um último sentimento em minha mente quase desligada…

“- Pelo menos, em algum momento… De alguma forma… Eu fui amado…”

Nipo Rangers "Utopia do Mal" - Cap. 14 - A eternidade para Aurithar!

No centro da câmara, o feto tecnológico flutuava dentro de seu tubo vertical, envolto no brilho gélido de fluidos que pulsavam como um sangu...