terça-feira, 15 de março de 2022

Perturbador - Caso 10 - O assalto!


O tumulto era grande, o abafamento daquele verão intragável não ajudava, a chuva atrapalhava bastante apesar de fraca e às vezes fazia a pistola não disparar… O alarme do banco soando alto, a cada freada de carro ou a cada grito eu cogitava que seria a polícia a chegar para me prender, e eu até quase queria isso depois do que vi… No entanto não era, e eu não iria encarar aquela coisa, eu estava conseguindo, eu estava fugindo, eu ia finalmente me dar bem, eu sentia isso!

Minha vida nunca foi fácil, mãe desconhecida, me deixou em uma calçada e fui recolhido pelo serviço público… Aí a lengalenga de vai e volta pra lares adotivos e tal, cada um pior que o outro, sempre cheio de gente babaca e a maioria, religiosos, alegando coisas sobre deus, céu e inferno, castigo após a morte para os pecadores, nossa... Como eu ria disso, tanta baboseira em uma vida só…

Cresci, atingi a maioridade e como qualquer serviço público, acham que alguém tinha um plano para o Spencer aqui quando saísse da aba do governo? Não, me soltaram nas ruas, se vira moleque… Drogas, espancamentos, furtos, bebida, cigarros, eis meus amigos e meus companheiros… O que sobra pra desgarrados como nós? Roubar, assaltar, óbvio… E assim surgiram os primeiros furtos, os assaltos à mão armada e enfim… Cá estou diante de um plano que finalmente deu certo…

Éramos oito, alugamos até um apartamento para onde iríamos após o assalto, era roubar e correr pra lá trocando de veículos diversas vezes no caminho e tudo quase deu certo pra todo mundo, mas no momento final, um carinha lá dentro se ergueu e comeu o Tommy na porrada para logo depois, comer ele de verdade… E eu não tô falando de putaria não, ele devorou ele parceiro, abriu uma bocarra sanguinolenta e mandou ele pra dentro… Os outros começaram a atirar nele e ele foi pra cima de todos, eu que não sou trouxa, corri com a grana antes de seja lá o que era aquilo fazer alvo no meu peito!

O troço foi assustador e eu não parava de pensar naquilo, no entanto, ao dobrar a esquina com a mala debaixo do braço, vi primeiro as luzes dos giroscópios, depois os gritos e o tiroteio começou… Milagrosamente não fui atingido mas, atingi e enviei três deles direto pro inferno, conseguindo entrar no beco à direita rapidamente, estreito como só ele mas eu me via correndo como nunca achei que correria!

Dobrei à esquerda e a à direita sem parar, aleatoriamente em cada esquina, pulei cercas, atravessei construções, eu simplesmente seguia buscando não dar um caminho aos policiais para me seguirem e quando menos esperei, finalmente atingi a estação de metrô. A mochila que havíamos comprado estava comigo, coloquei a mala da grana nela e a coloquei nas costas, tirando a jaqueta e a jogando no lixo, eu estava disfarçado agora, era só seguir o plano e ir para o apê esperar a poeira baixar…

Foram cinco metrôs e pelo menos quatro ônibus sem qualquer incidente além do silêncio anormal, mas acreditava eu, era por conta dos disparos que foram muitos e devem ter zoado meus tímpanos… Cheguei ao apê, entrei e de dentro espiei por alguns minutos para fora, nada nem ninguém me seguiu, eu estava salvo, era só esperar tudo acalmar e ficar com a grana toda pra mim sem dividir com ninguém… Por vezes pensava que merda tinha sido aquela que comeu o Tommy, mas preferia deixar aquilo de lado, não era mais assunto meu, ele me fez um favor, agora era dormir e esperar tudo acalmar…

A noite passa turbulenta, várias imagens, vários acontecimentos, a criatura, o confronto com a polícia… Acordo suado e assustado, alguém está mexendo na porta… Era de manhã, dormi despreocupado demais, talvez tenham me seguido… Pego a arma, me escondo atrás do armário e fico ali aguardando, o coração à mil…

Dois homens adentram o local, um deles bem mais velho, parecia mostrar o lugar, o outro mais jovem, parecia estudante… Os dois ficam à conversar, meu ouvido está bagunçado ainda, não consigo ouvir direito mas com certeza eram policiais ou algum parceiro dos que morreram… Me mexo com calma por detrás do armário, aponto a arma para o mais jovem primeiro, pois ele poderia revidar e puxo o gatilho…

A arma não dispara e eu puxo o gatilho de novo… Mais uma, duas, três vezes, nada… A maldita deve ter emperrado com a chuva de ontem, mas vejo que eles observam tudo e erguem o colchão, estão claramente buscando o dinheiro, e eu não ia deixar isso acontecer… Parto pra cima deles, eles sequer me veem e eu ataco e então... Eu que jurava que o aquilo que tinha comido o Tommy e os outros era a coisa mais assustadora da minha vida, me vi sem chão literalmente, atravessando os dois invasores com meu punho sem tocá-los, assim como a parede e acabando por cair lá embaixo na rua…

Me levanto, olho pra mim, nenhum ferimento... Olho para os lados, vejo muitos seres que mais pareciam zumbis à cambalear e fitar sua visão em mim, assim como todos as demais pessoas que passavam pelas ruas normalmente, mas os fantasmas… Porque estavam ali? Um arrepio correu por minhas costas atingindo minha nuca...

Corro em pânico para o quarto, os dois intrusos continuam ali como se nada tivesse acontecido, tento socá-los de novo, nada outra vez… A arma não está mais na minha mão, devo tê-la perdido, tento chutar exaustivamente e nada, até que os dois começam a se dirigir à porta e finalmente consigo ouvir a frase do mais velho, respondendo ao questionamento do mais novo:

“- Não seu preocupe, está vazio tem trinta dias… Eu aluguei para um grupo estranho, mas descobri depois pelos jornais que eram assaltantes de banco… Provavelmente iriam usar o local como esconderijo, mas infelizmente todos morreram de forma misteriosa, menos um deles que foi alvejado com dezenas de tiros em um confronto com a polícia… Coisa muito triste meu jovem!”

Aquilo me atingiu como um soco no nariz, ardeu tudo por dentro de mim e imagens começaram a pular à minha mente… O confronto com a polícia, o confronto com a criatura dentro do banco… As cenas voltam segundos antes do monstro surgir e sei lá de que forma minha mente revela a verdade que eu ocultava de mim com todas as forças… Do lado de fora, de cima de um prédio, os atiradores da SWAT nos alvejaram um a um, morremos quase todos dentro do banco e eu sei lá como, fugi atirando para fora, atingi diversas pessoas inclusive crianças e idosos, até que a polícia me parou…

O terror toma conta de minha alma, eu havia morrido, eu não estava mais ali, havia trinta dias desde o ocorrido que pra mim haviam parecido apenas horas… Eu havia morrido, crivado de balas e sequer consegui reagir, justo quando minha vida ia mudar eu perdi ela… Mas… Espera... Não pode ser verdade... Se morremos, como o monstro nos atacou? O que era aquele monstro que devorou a todos… Teria sido tudo aquilo um sonho então? Não houve um monstro e eu fantasiei tudo em meus últimos momentos de vida, seria isso?

Então as sombras do quarto começaram a se materializar, a se condensar em uma coisa única, algo grotesco e assustador… Eu o reconhecia, eu já o tinha visto antes… A criatura no banco… Ela estava ali agora… Aterradora… Dentes e boca aterrorizantes… Sua voz ecoa como um sibilar de cobra e consigo finalmente definir suas palavras enquanto tentava me afastar e me proteger:

“- Não se preocupe… O que está vendo nada mais é que crenças de religiosos, alegando castigos após a morte para os pecadores, muita baboseira em uma vida só… Devia ter acreditado mais nas histórias religiosas sobre pecadores, entenderia seu destino mais facilmente agora…”

Eu tento gritar e pedir ajuda quando ele avança, mas fantasmas, apesar de sofrerem, geralmente não são ouvidos por ninguém…

FIM

4 comentários:

  1. Ais um conto excelente!
    Muito bem narrado e está cada vez melhor a habilidade de nos levar por um caminho, dar uma guinada e nos jogar para outro.
    Primeiro imaginei que o monstro do banco iria aparecer em algum momento, resultando num baita susto, mas dai você dá uma invertida na história e vemos a verdade sobre o que havia acontecido com o criminoso, num final de tirar o fôlego.
    Meus parabéns cara! Mandou bem demais!!

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    1. Grande Norb, mais uma vez obrigado pelo incentivo e apoio de sempre! Pois é véio, esse esquema de dar uma guinada na trama e jogar a gente de um lado pra outro dentro da trama, eu aprendi com um escritor bom pra caramba que mora em Atibaia, talvez tu conheça, o cara é autor de texto pra caramba, alguns parados que eu queria continuar a ler, e foi lá com um tal de "Bate o sino" que peguei minha primeira referência sobre "conduz pra direita e no final, atira ele pra esquerda com tudo" e isso me causou um baita impacto, que foi o que resolvi aplicar em vários textos meus e muito nesses contos! Fico feliz que tenha curtido mas saiba que a referência e aprendizado, se ficou bom, vem de muitos textos desse ilustre senhor! Gratidão meu amigo!! \0/

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  2. Eita nós!!!

    Que conto incrível!

    Triste o fato de a pessoa se encontrar tão fora da realidade que não consegue perceber que havia morrido...

    A espiritualidade lhe veio cobrar com juros e correção monetária todo o seu modo de vida errático e sua visão turva, materialista e rasa da vida e dos seus mistérios transcendentais....


    Maravilhoso!

    Esses contos estão cada vez melhores !


    Parabéns ,amigo !

    Está mandando bem demais!

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    1. Grande Jirayrider meu amigo, mais uma vez gratidão pela força, incentivo, apoio e amizade de sempre, saiba que poder sempre contar com essas linhas repletas de palavras acalentadoras me deixam muito feliz, obrigado de coração! Quanto ao acontecido, temos uma pessoa que nunca se preocupou com ninguém a não ser ele mesmo... Sofreu até chegar nisso? Com certeza, mas tudo que se planta, se colhe, o plantio é facultativo, mas a colheita do que se plantou é obrigatória... No caso eu usei a crença católica, os espíritos do inferno vieram levar nosso pecador para as chamas eternas, na visão espírita, quem veio de encontro à ele pode ser qualquer coisa, um desafeto antigo, alguém em busca de vingança ou até mesmo um espírito não esclarecido em busca de dominação para planos futuros... O fato é que a mensagem é real, tudo que fizermos de errado em algum momento de nossa existência, teremos de prestar contas sobre, por isso... Ande correto, é a melhor saída! Muito obrigado uma vez mais meu amigo, teu incentivo e amizade é muito importante pra minha continuidade, grande abraço! \0/

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