sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Perturbador - Caso 04 - A ponte...


A noite estava tranquila, a viagem se tornando incrivelmente agradável… A música era calma, mas não tanto que me desse sono, e o motor do carro que aluguei para visitar minha família depois de tanto tempo trabalhando na cidade vizinha, era suave e até gostoso de se ouvir…

A brisa se tornara muito reconfortante, quase fria, dava aqueles arrepios gostosos no braço e fazia, junto com o céu adornado de estrelas brilhantes, devido à baixa poluição luminosa do trajeto, um espetáculo à parte… Livre das pressões do trabalho e estudos, me sentia como que flutuando em lago calmo, em uma tarde de primavera e sol ameno…

Os quilômetros foram se passando, passei pela ponte de divisa entre os dois condados e sei lá porque depois de tanto tempo sem pensar sobre, me lembrei das lendas do local, sobre a criança que fora assassinada e arremessada da mesma... Seu corpo nunca fora encontrado... Isso aconteceu ainda nos tempos dos meus avós e tanto eles quanto vários outros narravam que, anos depois de sua morte, a menina começou a aparecer de novo, matando os desavisados que passavam sobre a ponte…

É fato que alguns acidentes aconteceram no local e apesar de todos terem sempre tido uma explicação lógica pelas investigações oficiais, me chamava muito a atenção como os acidentes concentravam-se sempre naquele ponto… Senhor Dunkles, senhora Carttman, os irmãos Billkors entre outros, morreram ao passar os limites da ponte, sofrendo acidentes terríveis e apesar de nunca encontrarem os corpos como a menina da lenda, ainda assim, todo mundo se convencia de que algo completamente explicável havia lhes acontecido…

Minha mente viajava pelas possibilidades de animais terem sumido com os corpos, ou mesmo o rio abaixo da ponte ter enterrado os mesmos ao fundo de seu leito lamacento, tentando não concordar com algo de sobrenatural acontecendo ali, afinal, seria bizarro demais para ser verdade... De repente o céu me chama a atenção, pois comecei a avistar muitos relâmpagos… Estranhei, pois a noite estava limpa, mas como tempestades e tornados são normais para nós, não dei atenção, apenas segui trajeto…

Repentinamente do nada, como se uma pedra tivesse sido arremessada em meu para-brisa com violência, o vidro dianteiro literalmente explodiu eu acabei no susto do acontecimento, freando o carro sem qualquer precaução adequada, fazendo o mesmo derrapar e rodopiar pela pista três vezes até que finalmente consegui deter o veículo ainda sobre a rodovia, felizmente sem acidentes ou maiores danos… Conforme minha respiração acalmava, comecei a olhar ao redor em busca de algo, mas nada consegui avistar, apenas a tempestade nos céus e tudo mais em completo silêncio, até demais…

Abri a porta do carro, coloquei os pés ao chão ficando em pé e então um calafrio percorreu meu corpo com o surgir de uma espécie de sibilo, como se alguém assoprasse com a língua tocando o céu da boca... Olhei temeroso para o chão e entre o pânico e o terror, vi aquele rosto, deformado, como se tivesse batido em algo durante uma queda brutal… Os braços completamente cheio de fraturas, o cérebro exposto por algum tipo de pancada e a pele... Era completamente pálida e molhada como se tivesse ficando submersa em água por muitos dias…

Minha primeira reação foi a mais natural de todas, sair dali aos berros, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, de suas unhas quebradas e sujas partiram garras aterrorizantes que agarraram minhas pernas de forma agressiva, eu senti cada uma delas perfurando tendões, veias e, sem forças, caí enquanto a criatura abria uma bocarra gigante com inúmeros dentes como se fosse a boca de um tubarão, arrancando com tal ato, uma de minhas pernas inteiras com a mordida que parecia ser impossível…

A dor era lancinante, não achei que fosse suportar e apesar de querer lutar por minha vida, só consegui gritar mais ao ver ela remover as garras de minha perna, não para me permitir uma fuga, mas para atacar de novo, perfurando desse vez meu peito com uma das mãos, arrancando meu coração de um forma que eu jamais imaginei ser possível, mostrando a mim o mesmo à pulsar em sua garra esquelética, como se saboreasse meu desespero e gritos... A segunda mão por sua vez, passou como um vento pela frente do meu campo de visão e então, tudo terminou para mim… Tudo que consegui ver e ouvir enquanto minha cabeça caía do tronco, era o barulho de ossos quebrando e meu corpo sendo devorado ao passo que a criatura focou de novo seus olhos frios em mim, voltando à uma forma infantil de menina, sorrindo e expressando-se com voz fantasmagórica:

“- Ficar na água tempo demais, dá fome…”

Eu grito sem que ninguém me ouça enquanto ela avançava para devorar minha cabeça e então os tachões da rodovia me fizeram despertar em pânico, quase saindo da estrada por ter dormido ao volante… Parei o carro de imediato, olhei o céu e ele estava límpido como antes… Abri a porta do carro vagarosamente, nada havia ao chão ou abaixo do veículo e o vento soprava como antes abençoado pelo brilho da lua como eu lembrava antes de fatalmente ter iniciado meu sonho…

Pego a garrafa de água, bebo nervosamente afinal, meu coração ainda estava disparado, tudo parecia ter sido tão real… Fico por alguns minutos ali até me acalmar e volto finalmente para o carro, para seguir minha viagem… Alguma coisa em mim queria que eu desse meia volta e desistisse da mesma, cheguei a ficar alguns segundos com o motor ligando ponderando sobre, mas então uma voz quase que sussurrava em meu íntimo, que havia sido um sonho, que eu não podia ceder para um medo tão absurdo e assim resolvi continuar, haviam mais de cinco anos que não via meus pais e eles me aguardavam…

Entrei no carro, reiniciei o trajeto e fiquei a pensar em tudo... Porque aquele sonho, o que isso queria dizer, será que a menina do rio existia e precisava de ajuda? Mudei a estação do rádio para uma música mais movimentado e quando voltei meu olhar para a auto-estrada novamente, o pânico instaurou-se em mim por completo… Eu terminara de cruzar a ponte da divisa, o céu estava repleto de relâmpagos com uma terrível tempestade e então meu para-brisa explode em mil pedaços me obrigado à frear, rodopiar e finalmente parar… Sequer sei se meus gritos foram ouvidos, mas me congelou a alma por completo, quando uma voz fria e assustadora cortou a noite quase sussurrando...

“- Ficar na água tempo demais, dá fome...”

FIM

4 comentários:

  1. Uou! Uou! Uou! Cara, histórias assustadoras envolvendo estradas, ruas ou mesmo pontes são algo clássico e sempre difícil criar algo que possa ser considerado novidade.
    E eis aqui uma novidade!
    A forma como voce foi narrando, em primeira pessoa , deixou os acontecimentos totalmente envolventes e, porra, assustador... menininha monstro... bbrrrr
    Senti aqui a dor que o coitado ali passou e, quando ele despertou, achando que tudo não passará de um sonho, mostrando mais uma vez como você tá mandando bem demais nessa série, me joga aquela cena e a frase final...
    Cara, meus mais sinceros parabéns! Tá mandando bem demais!

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    1. Valeu Norb, fico muito feliz que tenha curtido mais esse conto! Como digo, eu estou escrevendo essas pequenas narrativas como exercício para conseguir escrever capítulos menores, menos detalhados mas ainda assim completos em sua narrativa, e essas ideias de pequenas inserções de acontecimentos isolados me ajuda muito a ter mais material também! Esse conto em especial, achei que seria legal dar vez à crença, com alguém acreditando na existência e infelizmente, não sendo recompensado por isso, apenas se tornou mais uma vítima! Fico feliz que tenha curtido, muito obrigado pelo comentário, leitura e incentivo de sempre! \0/

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  2. Francamente ,senhor Lanthys das incríveis histórias !!!!

    Fica fazendo doce ,dizendo que não sabe escrever histórias de terror e nos presenteia com esse conto que, deu medo, confesso.

    O que poderia dar errado numa noite tranquila e estrelada sob um luar lindo?

    Uma ponte ...

    Ah... A maldita ponte onde uma menina foi brutalmente assassinada e sua alma penada se vingava dos desavisados .


    Foi incrível como conduziste a narrativa até o final ,deixando no ar se o rapaz tinha tido um pesadelo ou se aconteceu mesmo o terrível ataque da criança faminta por carne de seres humanos ....


    Maravilhoso !

    Cada vez se superando mais !


    PS....

    Deixe o excesso de modéstia de lado...

    Tu mandou bem demais !

    Esse foi o melhor conto até aqui !


    Parabéns !!!


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    1. Jirayrider meu grande amigo, muito obrigado novamente pela leitura e incentivo de sempre! Realmente eu não sei as escrever, apenas estou me esforçando pra sair o melhor possível, uma vez que isso não é meu foco primário... Mas achei que colocar o cara no cenário tranquilo e depois tocar o horror na vida dele ia ser legal... Pontes no meio do nada sempre assustam e costumam, principalmente para o interior, ter histórias assustadoras sobre o local, achei que podia sair algo legal dali e eis que surgiu o conto! Fico contente que tenha gostado e espero que o da semana que vem esteja no mesmo patamar! Grande abraço e mais uma vez muito obrigado! \0/

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