quinta-feira, 21 de julho de 2022

Crônicas da Força Terrena - Cap. 04 - Vingança Vazia! (Parte Final)


A criatura Hiisi bate os pesados braços ao chão e se lança em carga contra o oponente declarado, enquanto NeoDragon sem hesitar faz o mesmo, se lançando como um meteoro contra o monstro, ao passo que Usko apenas flutuou levemente para mais alto do que estava, se mantendo há pouco mais que um metro acima do solo, como se esperando por algo que ele sequer conseguia compreender o que seria, pelo menos naquele momento…

Enquanto os dois poderosos adversários se dirigiam um contra o outro para o embate final, Usko parecia enxergar através dos olhos de seu aliado Peryton, assim como a criatura alada parecia compreender e partilhar de seus pensamentos! Apostando nisso, é que NeoDragon se lançou mentalizando seu plano e cada passo deste plano traçado, como se o reprisasse mentalmente, detalhe por detalhe enquanto corria, esperando que a comunicação única entre os Densetsus fizesse com que Usko o compreendesse!

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Crônicas da Força Terrena - Cap. 03 - Vingança Vazia! (Parte 2)


A noite ia alto, os bombeiros e a ambulância iluminavam o local que apesar da mata que os cercava contornando o lago, ainda era maravilhosamente calma e convidativa… Ao longe relâmpagos se formavam, mas era impossível saber se aquela tempestade que parecia se formar viria até eles ou desaparecia em uma nova virada do vento norte… Ryuichi encontrava-se naquele momento sentado ao degrau de acesso ao interior da ambulância pela parte traseira, não apresentava mais que alguns arranhões ao corpo, ao passo que Fredriik tinha uma luxação na terceira costela esquerda, seu dano físico do acontecimento, digamos assim, mas o policial ainda teria de amargurar os danos emocionais do ocorrido e, sua expressão era clara, era de quem considerava que não se sentia ajudando o suficiente diante de tudo…

sábado, 25 de junho de 2022

Crônicas da Força Terrena - Cap. 02 - Vingança Vazia! (Parte 1)

Um guerreiro solitário, vivenciando uma situação da qual ele se culpa, buscando redenção e correção enquanto m mal considerado extinto, luta para surgir novamente diante deste mundo!

terça-feira, 15 de março de 2022

Perturbador - Caso 10 - O assalto!


O tumulto era grande, o abafamento daquele verão intragável não ajudava, a chuva atrapalhava bastante apesar de fraca e às vezes fazia a pistola não disparar… O alarme do banco soando alto, a cada freada de carro ou a cada grito eu cogitava que seria a polícia a chegar para me prender, e eu até quase queria isso depois do que vi… No entanto não era, e eu não iria encarar aquela coisa, eu estava conseguindo, eu estava fugindo, eu ia finalmente me dar bem, eu sentia isso!

Minha vida nunca foi fácil, mãe desconhecida, me deixou em uma calçada e fui recolhido pelo serviço público… Aí a lengalenga de vai e volta pra lares adotivos e tal, cada um pior que o outro, sempre cheio de gente babaca e a maioria, religiosos, alegando coisas sobre deus, céu e inferno, castigo após a morte para os pecadores, nossa... Como eu ria disso, tanta baboseira em uma vida só…

Cresci, atingi a maioridade e como qualquer serviço público, acham que alguém tinha um plano para o Spencer aqui quando saísse da aba do governo? Não, me soltaram nas ruas, se vira moleque… Drogas, espancamentos, furtos, bebida, cigarros, eis meus amigos e meus companheiros… O que sobra pra desgarrados como nós? Roubar, assaltar, óbvio… E assim surgiram os primeiros furtos, os assaltos à mão armada e enfim… Cá estou diante de um plano que finalmente deu certo…

Éramos oito, alugamos até um apartamento para onde iríamos após o assalto, era roubar e correr pra lá trocando de veículos diversas vezes no caminho e tudo quase deu certo pra todo mundo, mas no momento final, um carinha lá dentro se ergueu e comeu o Tommy na porrada para logo depois, comer ele de verdade… E eu não tô falando de putaria não, ele devorou ele parceiro, abriu uma bocarra sanguinolenta e mandou ele pra dentro… Os outros começaram a atirar nele e ele foi pra cima de todos, eu que não sou trouxa, corri com a grana antes de seja lá o que era aquilo fazer alvo no meu peito!

O troço foi assustador e eu não parava de pensar naquilo, no entanto, ao dobrar a esquina com a mala debaixo do braço, vi primeiro as luzes dos giroscópios, depois os gritos e o tiroteio começou… Milagrosamente não fui atingido mas, atingi e enviei três deles direto pro inferno, conseguindo entrar no beco à direita rapidamente, estreito como só ele mas eu me via correndo como nunca achei que correria!

Dobrei à esquerda e a à direita sem parar, aleatoriamente em cada esquina, pulei cercas, atravessei construções, eu simplesmente seguia buscando não dar um caminho aos policiais para me seguirem e quando menos esperei, finalmente atingi a estação de metrô. A mochila que havíamos comprado estava comigo, coloquei a mala da grana nela e a coloquei nas costas, tirando a jaqueta e a jogando no lixo, eu estava disfarçado agora, era só seguir o plano e ir para o apê esperar a poeira baixar…

Foram cinco metrôs e pelo menos quatro ônibus sem qualquer incidente além do silêncio anormal, mas acreditava eu, era por conta dos disparos que foram muitos e devem ter zoado meus tímpanos… Cheguei ao apê, entrei e de dentro espiei por alguns minutos para fora, nada nem ninguém me seguiu, eu estava salvo, era só esperar tudo acalmar e ficar com a grana toda pra mim sem dividir com ninguém… Por vezes pensava que merda tinha sido aquela que comeu o Tommy, mas preferia deixar aquilo de lado, não era mais assunto meu, ele me fez um favor, agora era dormir e esperar tudo acalmar…

A noite passa turbulenta, várias imagens, vários acontecimentos, a criatura, o confronto com a polícia… Acordo suado e assustado, alguém está mexendo na porta… Era de manhã, dormi despreocupado demais, talvez tenham me seguido… Pego a arma, me escondo atrás do armário e fico ali aguardando, o coração à mil…

Dois homens adentram o local, um deles bem mais velho, parecia mostrar o lugar, o outro mais jovem, parecia estudante… Os dois ficam à conversar, meu ouvido está bagunçado ainda, não consigo ouvir direito mas com certeza eram policiais ou algum parceiro dos que morreram… Me mexo com calma por detrás do armário, aponto a arma para o mais jovem primeiro, pois ele poderia revidar e puxo o gatilho…

A arma não dispara e eu puxo o gatilho de novo… Mais uma, duas, três vezes, nada… A maldita deve ter emperrado com a chuva de ontem, mas vejo que eles observam tudo e erguem o colchão, estão claramente buscando o dinheiro, e eu não ia deixar isso acontecer… Parto pra cima deles, eles sequer me veem e eu ataco e então... Eu que jurava que o aquilo que tinha comido o Tommy e os outros era a coisa mais assustadora da minha vida, me vi sem chão literalmente, atravessando os dois invasores com meu punho sem tocá-los, assim como a parede e acabando por cair lá embaixo na rua…

Me levanto, olho pra mim, nenhum ferimento... Olho para os lados, vejo muitos seres que mais pareciam zumbis à cambalear e fitar sua visão em mim, assim como todos as demais pessoas que passavam pelas ruas normalmente, mas os fantasmas… Porque estavam ali? Um arrepio correu por minhas costas atingindo minha nuca...

Corro em pânico para o quarto, os dois intrusos continuam ali como se nada tivesse acontecido, tento socá-los de novo, nada outra vez… A arma não está mais na minha mão, devo tê-la perdido, tento chutar exaustivamente e nada, até que os dois começam a se dirigir à porta e finalmente consigo ouvir a frase do mais velho, respondendo ao questionamento do mais novo:

“- Não seu preocupe, está vazio tem trinta dias… Eu aluguei para um grupo estranho, mas descobri depois pelos jornais que eram assaltantes de banco… Provavelmente iriam usar o local como esconderijo, mas infelizmente todos morreram de forma misteriosa, menos um deles que foi alvejado com dezenas de tiros em um confronto com a polícia… Coisa muito triste meu jovem!”

Aquilo me atingiu como um soco no nariz, ardeu tudo por dentro de mim e imagens começaram a pular à minha mente… O confronto com a polícia, o confronto com a criatura dentro do banco… As cenas voltam segundos antes do monstro surgir e sei lá de que forma minha mente revela a verdade que eu ocultava de mim com todas as forças… Do lado de fora, de cima de um prédio, os atiradores da SWAT nos alvejaram um a um, morremos quase todos dentro do banco e eu sei lá como, fugi atirando para fora, atingi diversas pessoas inclusive crianças e idosos, até que a polícia me parou…

O terror toma conta de minha alma, eu havia morrido, eu não estava mais ali, havia trinta dias desde o ocorrido que pra mim haviam parecido apenas horas… Eu havia morrido, crivado de balas e sequer consegui reagir, justo quando minha vida ia mudar eu perdi ela… Mas… Espera... Não pode ser verdade... Se morremos, como o monstro nos atacou? O que era aquele monstro que devorou a todos… Teria sido tudo aquilo um sonho então? Não houve um monstro e eu fantasiei tudo em meus últimos momentos de vida, seria isso?

Então as sombras do quarto começaram a se materializar, a se condensar em uma coisa única, algo grotesco e assustador… Eu o reconhecia, eu já o tinha visto antes… A criatura no banco… Ela estava ali agora… Aterradora… Dentes e boca aterrorizantes… Sua voz ecoa como um sibilar de cobra e consigo finalmente definir suas palavras enquanto tentava me afastar e me proteger:

“- Não se preocupe… O que está vendo nada mais é que crenças de religiosos, alegando castigos após a morte para os pecadores, muita baboseira em uma vida só… Devia ter acreditado mais nas histórias religiosas sobre pecadores, entenderia seu destino mais facilmente agora…”

Eu tento gritar e pedir ajuda quando ele avança, mas fantasmas, apesar de sofrerem, geralmente não são ouvidos por ninguém…

FIM

quinta-feira, 3 de março de 2022

Perturbador - Caso 09 - Frases e verdades...


Era noite de quarta-feira, estávamos a assistir ao jogo de rúgbi pela liga mundial, parecia que seria uma noite tranquila, mas como bem diria Edward Murphy, "Se alguma coisa pode dar errado, dará" e eu iria comprovar isso no chamado de hoje!

Somos do 28º Batalhão Anti-Chamas da cidade de Fort Lauderdale e combater incêndios e salvar vidas é nossa principal missão ou motivo de vivermos! O alarme soou e parecia que nossos corpos reagiam como que em modo automático… Todos sabiam onde tudo estava, tudo havia sido treinado uma infinidade de vezes e em poucos minutos, completamente equipados e com adrenalina ao máximo, estávamos saindo do quartel general em direção à avenida 375, trajeto para a cidade vizinha!

O chamado da emergência avisava que um carro havia saído da pista, provavelmente devido à chuva forte daquela noite e que o carro que vinha logo atrás e avisou da emergência, não pode ficar no local pois estava trazendo uma mulher em vias de dar à luz, com extrema urgência para o centro médico! Isso queria dizer que, os demais que passassem sem ter visto o acidente, sequer saberiam que haviam pessoas que talvez precisassem de ajuda ali!

No entanto, embora a necessidade de velocidade, eu mantinha para mim o mantra de Leon Tolstói, “Os dois guerreiros mais poderosos são a paciência e o tempo!” Na nossa profissão, se não mantermos a sanidade e a serenidade, vidas são perdidas e isso não é admissível para qualquer soldado de resgate que se preze!

Bastaram minutos para chegarmos perto do indicado pelo veículo que informou o acidente, a chuva estava cada vez mais forte e seria difícil naquele breu todo, encontrarmos o local exato do ocorrido, poderíamos perder segundos vitais para salvar qualquer um deles e em um gesto de ansiedade talvez e da minha vontade de poder salvar aquelas pessoas, mentalizei a frase de Aristóteles “A esperança é o sonho do homem acordado!”

Eis que alguns metros à frente, como que em resposta à minha esperança manifestada, víamos alguém, em plena rodovia, acenando freneticamente os braços para chamar nossa atenção! A pessoa parecia estar bastante machucada, era uma mulher, aparentava seus trinta e cinco anos, cabelo loiro, blusa clara, calça jeans marinho… Havia sangue nela se percebia de longe, mas assim que ela sentiu que a seguiríamos, ela correu barranco abaixo acenando sempre, com certeza nos mostrando o caminho do acidente!

Socorristas, brigada de incêndio, equipamentos para cortar e remover ferragens, medicamentos, macas, tudo que fosse necessário para agirmos no local seguia conosco e de forma incrível, a mulher se mantinha sempre distante de nós por mais que corrêssemos… Enquanto a coitada seguia valente como nenhum de nós conseguiria ser, minha mente insistia em buscar frases e lembrei da célebre frase de Erich Remarque, “No desespero e no perigo, as pessoas aprendem a acreditar no milagre. De outra forma não sobreviveriam.” Aquilo era uma grande verdade e como esperado, seguimos firmes, bastaram alguns minutos para acharmos o veículo, capotado, gasolina vazando e de longe se ouvia o choro de um bebê, provavelmente preso às ferragens!

A mãe provavelmente era quem estava nos guiando, não conseguiu ajudar o bebê e foi à rodovia nos encontrar! Graças ao esforço dela, estávamos ali agora porém, diferente do que pensamos, o bebê não estava preso a nada, estava solto dentro do carro, de alguma forma ele foi jogado do assento e chorava muito devido ao susto provavelmente… Claro, era fato que sem o socorro ele morreria com a explosão que estava por acontecer, mas os ferimentos eram sem dúvida mínimos, o pequeno não corria mais riscos…

Removemos o bebê de meio dos ferros distorcidos o mais rápido que pudemos e então nos voltamos para o outro ocupante do carro, o motorista, que era o único ainda dentro do mesmo e se notava, pelo estado do corpo, estar sem vida já, infelizmente… No entanto, olhando com um pouco mais de atenção, o que chocou na verdade, não fora o estado do corpo ou mesmo a tristeza de perder uma vida, mas sim, os trajes e descrição daquela pessoa morta… Aparentava seus trinta e cinco anos, cabelo loiro, blusa clara e calça jeans marinho…

Olhamos todos uns para os outros e depois buscamos pela mulher que havia nos conduzido até ali e não mais a avistamos em lugar algum… Nenhum de nós era capaz de dizer qualquer coisa diante daquilo, daquela cena que tantos de nós já havíamos em algum momento ouvido relatar, a cena sobrenatural e porque não dizer fantástica, do fantasma determinado da mãe à buscar ajuda à seu filho prestes à morrer, mas era fato também que em sua grande maioria, ninguém acreditaria algo assim ser realmente verdade… No íntimo de meu ser, tentando resolver aquela sentença sem qualquer explicação, como sempre fiz em minha vida eu busquei uma frase famosa que me ajudasse a pelo menos acalmar meu coração diante daquilo e eis que a expressão proferida pelo inesquecível Shakespeare me veio à mente como um raio: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia…”

O carro começou a incendiar, todos tentaram correr e eu fui até a ribanceira para ver se havia mais alguém e então novamente o impossível me saltava aos olhos… Ao fundo do vale, perto da margem do rio, eu avisto novamente a mulher que nos guiou até ali… De pronto me ponho a questionar, como ela foi parar lá, como estava de braços abertos a nos chamar, como ela podia se manter de pé caindo por quase oito metros de altura… Então ouço meu colega gritar meu nome, viro-me para o veículo, a explosão acontece, eles são jogados para lá e eu ribanceira abaixo e assim, a visão que jamais conseguirei explicar…

A mulher, que havia nos trazido até ali, não era a mãe, não era um fantasma, era algo que eu não sabia definir, que explodiu em tentáculos e uma bocarra terrivelmente assustadora e repleta de dentes aterrorizantes… Sem ter onde me agarrar, como mudar minha queda, apenas caí direto em sua boca, senti seus dentes e meus ossos quebrando e meus órgãos sendo triturados… A explosão encobriu os sons, a chuva e o rio, diante da visão de meus colegas, deu destino a meus restos mortais… Meus últimos suspiros físicos foram dados dentro do estômago ácido do que quer que fosse aquela criatura e então, talvez por conta de tantas frases que já havia dito e da situação sem igual em que me encontrava, pela primeira vez eu não tinha uma frase para citar, e finalmente morri, consumido pelo ser…

Aí você se perguntaria, como estou contando essa história então? Venha comigo, se imagine dentro de uma jaula, com grades fortes e duas janelas para observar para fora… As janelas são os olhos de meu corpo, meus antigos olhos e a jaula é meu corpo agora possuído… A criatura ou seja lá o que for, ao consumir meu corpo se transformou em mim assim como antes de transformou na mãe do bebê e sabe-se lá quantos antes… Como o monstro não podia digerir minha alma, aqui estava eu, agarrado ao que me restou da materialidade, chorando dia e noite com o que ele é capaz de fazer, atacando e atraindo mais e mais pessoas para as encostas das rodovias, devorando tantas quanto pode, e o pior de tudo, sequer sei dizer porque não abandonou meu corpo assumindo a forma de suas novas vítimas…

Impotente, traumatizado, amarrado à meu corpo sem poder abandoná-lo, eu o vejo matar e matar sem parar, enganando homens, mulheres e crianças… Diante de tudo aquilo e do que seria minha eternidade, me restou buscar um último acalento, um último lampejo do que fui um dia, trazendo com toda força do meu ser ainda resistente, uma última expressão antes de deixar de existir pra sempre, sendo consumido por completo pela fúria insana daquele que agora era minha jaula e que nos tornou dois seres em um único corpo… Creio que a frase foi deveras adequada…

"Ou você morre como herói, ou vive o bastante para se tornar o vilão" - Harvey Dent

FIM

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Perturbador - Caso 08 - A coisa certa a fazer...


Naquele momento único, tenso, de baixa capacidade de discernimento e de visão escurecendo, ela começa a lembrar-se de coisas que nunca havia parado para repensar ou reviver… Seu início, seus primórdios, suas primeiras etapas na vida… Era angustiante saber que ela podia ter feito aquilo antes, ter pensado antes, ter lembrado antes, mas infelizmente não aconteceu e agora… Era tarde demais para tentar corrigir… Rita nasceu em uma favela pobre do Rio de Janeiro! Desde muito cedo sua vida era trabalhar para ajudar os pais no sustento da casa, fosse nos semáforos, fosse ajudando na lida da casa… Seus pais sempre disseram à ela, sempre faça a coisa certa, mesmo que seja difícil e assim viverá em paz, não importa o problema que tenha para resolver!!

Dedicada e atenciosa aos ensinamentos dos pais, ela atingiu seus doze anos e começou a fazer serviços domésticos ao redor de onde moravam e assim, aumentou a renda da família sem precisar se voltar à situação à margem da lei que uma parte significativa dos mais pobres se voltavam… Agora, graças ao empenho de todos, eles tinham três refeições por dia para os quatro, seu pai, sua mãe, ela e seu irmão caçula… Na mente, sempre o conselho do pai quando se sentia fraquejar pelo cansaço e esforço:

 “- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!”

O tempo passou, e embora todo seu esforço e fé em dias melhores, quando tinha seus quinze anos um terrível incêndio na favela levou a vida de seus pais e irmão e uma nuvem negra abateu-se sobre ela… Sem casa, sem parentes, as ofertas da rua e da vida começaram a rondar-lhe, mas ela lembrava de seu pai: “- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!” De posse disso, Rita negou-se a deixar a conduta que sempre teve de lado, ia honrar os pedidos de seu pai! Buscou trabalho, dormiu algumas vezes na rua, mas conseguiu encontrar ajuda e um novo emprego, ergueu-se novamente com seu esforço e retidão!

Rita nunca estudou mas era uma empregada doméstica dedicada e profissional no que fazia, havia atingido seus dezoito anos apesar das dificuldades e persistência e agora, sua vida havia mudado… Estava trabalhando no centro do Rio de Janeiro, a família dos Moraes era íntegra, empática e a havia recebido muito bem… A patroa, professora de universidade particular estava grávida de seu segundo filho e feliz com o aumentar da família; o patrão, empresário do ramo de comércio internacional, estava radiante com o futuro onde Rita cuidaria deles e de seus filhos… Ambos com estabilidade e vida confortável, Rita conquistou a confiança da família, os Moraes admiravam e apoiavam a conduta da funcionária, sempre em qualquer tarefa destinada a ela, guiada pelos ensinamentos do pai falecido: “- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!” A nova oportunidade rendeu-lhe bom salário, foi convidada a morar com eles e incentivada a estudar para aprender a ler e escrever com mais facilidade, dando novas oportunidades! Rita estava feliz e convencia-se que seu pai estava certo, fazer sempre a coisa certa!

Alguns meses depois, o patrão foi convidado a assumir uma das filiais nos Estados Unidos e a família iria mudar-se… Rita foi convidada a ir com eles, teria moradia, escola e salário, além de folgas adequadas para ter uma nova vida… Nada mais prendia a jovem aqui e assim, em poucas semanas ela abandonava o Brasil e assumia nova pátria, com grandes expectativas no futuro junto dos Moraes… Em sua mente ela agradecia, “- Obrigado pai, por sempre fazer a coisa certa como me ensinou, hoje eu vivo bem e em paz!”

A família Moraes e Rita chegam ao seu destino, se instalam na nova casa, foram muitas semanas até tudo ficar pronto e finalmente estavam perfeitamente estabelecidos… Rita havia conhecido a vizinhança, estava matriculada em educação para jovens e adultos, mas adaptava-se maravilhosamente bem na nova cidade, na nova vida, e o lema de seu pai sempre à guiá-la… “- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!”

Em torno de um mês depois, o casal Moraes pediu à Rita que cuidasse do bebê recém-nascido e de seu filho mais velho, agora com doze anos, enquanto eles saiam para comemorar a nova fase de suas vidas. Com toda a responsabilidade do mundo, depois de colocar as crianças para dormir, Rita desceu as escadas e foi para a sala principal assistir TV. Do nada o telefone tocou, ela temia não saber responder pois conhecia muito pouco do inglês, mas resolveu arriscar… Do outro lado, ao invés de alô, a voz chiada e assustadora diz, em português: “- Estou aqui em cima com as crianças. É melhor você vir aqui”.

Rita, descrente de algo assim ser real, ignora a ligação, achou que fosse um trote e seguiu assistindo a TV. O telefone toca novamente, entre gargalhadas, a mesma voz sinistra dizia: “- Estou aqui em cima com as crianças. É melhor você vir aqui”.

Dessa vez Rita preocupou-se com a possibilidade de alguém estar rondando ou observando a casa, e ligou para a polícia avisando sobre o trote. Eles pediram para ela tentar prolongar a conversa com a pessoa no telefone caso ela ligasse de novo para que eles pudessem rastrear a ligação. O telefone como esperado pela polícia e indesejado por Rita toca outra vez, e a mesma voz sinistra sentencia: “- Estou aqui em cima com as crianças. É melhor você vir aqui”.

Rita não consegue prolongar a ligação e decide desligar e ir ver as escadarias, porém, quando largou o telefone ao gancho, embora receosa ela atende e seu espanto foi gigante ao perceber que era a polícia avisando que o tempo ao telefone havia permitido rastrearem a ligação e com voz apavorada, a oficial diz: “- Saia da casa, o homem está na outra linha, em outro cômodo da casa!”.

Assustada, ela ponderou as palavras da policial, mas também ponderou as palavras de seu pai…
“- Nunca deixe de fazer a coisa certa, mesmo que seja quase impossível! Lembre-se disso minha filha!”

Ao ouvir passos pesados no corredor, Rita entende que a policial estava certa e que as crianças eram sua responsabilidade, subindo as mesmas determinada ao mesmo tempo que em pânico, torcendo para que nada tivesse acontecido com elas quando então, fora como se o tempo tivesse parado… Uma sensação estranha e incômoda percorreu suas costas e ela resolveu parar e olhar para o espelho do corredor... A cena foi aterradora e ela não conseguia acreditar estar vendo aquilo...

No espelho, era ela, a mesma roupa, o mesmo cabelo, a mesma idade, mas... Sua expressão era sádica, estava coberta de sangue com uma enorme faca na mão direita à torcer a cabeça enquanto gargalhava… Sua mente então atacada por aquela visão, é invadida por uma recordação, algo destruidor, algo avassalador, algo que ela deveria saber o tempo todo e por algum motivo não lembrava… Ela enxerga em sua mente, o fogo... Lembra de que ela se viu no espelho no mesmo dia, mas com fósforo em, uma mão e álcool na outra, e lembra também de sua mãe e seu irmão já desfalecidos com as pancadas que com o rolo de massa ela havia feito nos dois... Seu pai? Ela nunca conheceu seu pai… Ela nunca teve um pai, fora fruto de violência sexual que sua mãe havia sofrido… Então, com a visão confusa e sua mente mais ainda, ela se pergunta: “- Então... Quem sempre… Me falou… Aquilo?"

Sua versão do espelho então sorri sadicamente se aproximando dela, mesmo que ela não houvesse se movido no corredor e eis que um vulto sombrio e demoníaco surge como que com a mão ao ombro da cópia maldita, satirizando: “- Oi filha… Que bom que fez a coisa certa…”

Rita grita de forma estridente, sua mão se move sob ordens do peso da culpa e da desilusão de ter fraquejado... Sua mão se guia pela fúria de ter sido tão fraca e sucumbido de novo... Agora ela tinha se decidido, estava determinada, aquilo nunca mais iria acontecer... Então, a dor lancinante e fina em seu pescoço e logo o liquido quente escorria abundante pelo mesmo trazendo a esperada redenção que a jovem finalmente teve coragem de procurar… Ela tenta levar as mãos, mas percebe que sua visão escurece aos poucos enquanto seu corpo chegava ao chão… Somente ali, naquele momento, ela sentia o prazer de organizar os pensamentos e entender tudo que acontecera desde sempre e naqueles segundos finais, enquanto por algum motivo obscuro ela mantinha a consciência, o vulto negro e disforme surge de novo, diante dela mas agora no corredor, sorrindo maliciosamente... "- Bem vinda de volta... Filha... Eu senti saudades..."

Quando a polícia invadiu a casa, encontrou Rita com o corte fatal no pescoço, as crianças esquartejadas, e centenas de pegadas descalças impressas com sangue por toda a residência…

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Perturbador - Caso 07 - Culpado acima de tudo...


A escuridão daquele cemitério era intensa, mal se enxergava o chão onde precisava cavar... Estava passado já da meia-noite como nos bons contos de história de terror… Em princípio eu deveria ter medo, ficar assustado, com o vento que imitava vozes à me chamar, com as sombras que pareciam monstros à espreita, com os portões e placas que batiam e rangiam como se os demais mortos quisessem sair dos túmulos…

Eu estava cansado, sujo, minhas mãos sangravam um pouco devido ao esforço para cavar o buraco que fosse adequado para seu tamanho… O velho estranho me disse que se o buraco fosse do tamanho certo, iria funcionar, que era a grande dádiva de sei povo à operar... A chuva atrapalhava, deixava a terra encharcada, não tinha apenas a terra para ser mexida, a água anexada aumentava o peso e tornava tudo mais difícil…

Além do esforço para abrir o buraco ao chão, as lágrimas e o choro me tiravam as forças... As imagens, as cenas, os momentos que nos levaram ali, me corroíam a alma e me faziam soluçar e por vezes gritar, desperdiçando energia valiosa… A autoestrada deserta, a discussão, os gritos, a noite, a falta de atenção, a curva e a água na pista… Tudo que lembro após é dolorido demais para analisar e mesmo assim, mesmo com a dor insuportável, tudo aquilo me salta à mente à cada instante, me culpando novamente por tudo…

Termino o serviço, saio dali como posso, não estou com medo, não tenho medo do ambiente nem dos que ali vivem, sou Eduardo Ramirez e minha meta é muito maior que isso, pois não poderia ter sido desse jeito, não poderia ter sido assim, não com Bianca… Isso não podia ter acontecido, eu tinha que resolver aquilo de qualquer forma... Eu entro em meu carro... Não, em nosso carro e me afasto em direção à nossa casa, com pressa, com ansiedade, com emoção, com a sensação de que fiz o certo…

Os relâmpagos cortam o céu terrivelmente quando adentro pela porta da frente de nossa casa, vou andando até perto da janela onde ficávamos a olhar as estrelas sentando-me pesadamente ao chão, mas desta vez, contemplando as nuvens turbulentas e o estrondar dos raios violentos lá fora... Alguns segundos de sobriedade e então de novo, a mente me assalta e minha consciência me cobra…

O carro sai da pista em plena floresta, rodopiou algumas vezes, ela foi jogada para fora pois havia removido o cinto para se jogar do carro… O carro seguiu descendo e se arrebatando, mas era mais lento que ela que foi arremessada mais à frente de forma brutal e quando finalmente tudo parou, lá estava Bianca em pé, expressão indescritível e aterradora, prensada contra uma árvore pelo nosso carro enquanto eu ainda estava ao volante, preso pelo cinto... Sua região abdominal esmagada pelo choque e ela ainda podia me olhar e respirar de forma fraca, o suficiente pra entender o que aconteceu antes de perder os sentidos e desfalecer…

O socorro chegou, a polícia chegou, ela foi levada e eu não fui culpado por ninguém… Ela foi examinada, liberada, sepultada e eu ainda assim não fui acusado de nada… Mas eu estava no volante, eu discuti por besteira, eu a acusei de algo que não havia feito à ponto dela tentar se jogar do carro… Então veio a curva e tudo aconteceu e eu a perdi…

Finalmente todas aquelas lembranças e dores me traziam para a realidade de novo, onde via o sangue escorrendo de minhas mãos pelos ferimentos da pá, era o início do meu êxtase naquela noite e minha espera parecia ter chegado ao fim, eu seria finalmente penalizado por tudo que fiz…

O local era ideal, me prometeram que encontraria li o que buscava… Apostei tudo nisso, removi ela de seu sepulcro e a levei para onde era o indicado, finalmente agora eu estava feliz e completo, minha hora de finalmente sorrir havia chegado…

A porta principal da casa se abre com um rangido que não tinha quando entrei, parecendo demonstrar um peso sem igual a forçar-lhe a abertura… Não ouso me virar, finamente eu tenho medo, finalmente eu temo por mim… Ouço passos encharcados, passos lamacentos, algo que parecia trôpego e falho na caminhada… Quero correr mas não o faço, eu esperei por aquilo, eu ansiava por aquilo… Então, dedos frios envolvem meu pescoço e começam a apertar até que sinto o ar começar à faltar em meus pulmões e meu sangue ter o fluxo interrompido… Sorrio... Ela voltou para mim... Finalmente alguém irá me culpar e me punir pelo que fiz!

FIM

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Perturbador - Caso 06 - Amor a qualquer custo...


A chuva caía de forma intensa… Não era algo impossível de se suportar, mas ela molhava bastante, era fato… Não estava frio também, a temperatura deixava os pelo eriçados, mas ainda assim não incomodava… Na verdade, tudo aquilo que se podia sentir ali em nada se comparava a tudo que já havia sentido… Eu havia decidido, não queria sentir mais nada…

Ao nascer minha mãe morreu, meu pai me culpou enquanto viveu pela perda dela… Eu sentia que ele não me amava por conta disso… Aos oito anos foi a vez de meu pai partir e então fui para uma casa de acolhimento… Fome, frio, maus-tratos entre outras coisas que prefiro sequer mais lembrar causada pelos cuidadores da instituição, à destruírem o pouco de mim que ainda restava… Eu tinha quase uma década e ainda ninguém nunca tinha me amado de verdade…

Consegui sobreviver, cheguei à adolescência, a escola mesmo com os bullyings devido à minha massa corpórea fora do padrão, sempre me trouxe tristeza mas não era algo que chegava a incomodar, afinal, eu era obeso mesmo, iria contrariar como? Segui meus dias, acreditando que realmente eu era a pior pessoa do mundo, um ser humano que deu errado e que as pessoas preferiam estar longe… De novo a vida jogava na minha cara, eu não era amado por ninguém, e isso me corroía…

Aos meus vinte e um anos, por conta de minha aparência física em desacordo com os moldes da sociedade, nunca conheci festas, confraternizações, reuniões, nada disso chamava minha atenção inclusive, mesmo que eu algum dia tivesse sido convidado para alguma… Nunca fui aluno exemplar, nunca fui bom em nada e meu estado de espírito não me permitia lutar para melhorar ou considerar que eu tinha algo que deveria ser cultivado, a autoestima… Tudo que batia na minha mente e na minha alma o tempo todo, era… Eu nunca havia sido amado por ninguém…

Hoje estou aqui, aos trinta e seis anos… Nunca tive um relacionamento, nunca uma mulher se interessou por mim… Nunca um vizinho se preocupou se eu estava bem ou vivo… Nunca alguém proferiu a frase “- Você se sente bem?”... Eu não esperava um amor incrível, eu queria que apenas, como alguém que ama cães afaga seu cãozinho, uma única alma pelo menos, dissesse para mim um dia com sinceridade, “- Eu gosto de você…

Mais um dia na minha vida se encerrava, eu adentrava o kitnet que alugava desiludido… Fui demitido segundo o chefe, por corte de despesas… O aluguel estava vencido havia três meses, o senhorio já havia dito que iria me despejar… Acumulava dívidas no mercado, na farmácia, no hospital… Sim, hospital, onde fui tentar descobrir que dores estomacais eram aquelas e adivinhem? Recebi um resultado de acordo com minha vida, havia um câncer nascendo em mim, nos intestinos, inoperável… Minha estimativa eram cinco meses, ou menos… Olhei para os céus e pensei… Porque vir ao mundo sem nunca poder ser amado por alguém, qual foi meu crime afinal?

Saí do kitnet, apanhei o ônibus e andei por quase duas horas até chegar próximo da floresta… Dali ainda tinha pelo menos uma hora de caminhada até o local que todos usavam, pois para não incentivar meu ato, não existem transportes públicos até o local… Vencendo essa etapa e me perguntando a todo instante, porque nunca fui amado, percebi alguns carros estacionados e cobertos de vegetação… Sim, muitos vinham e deixavam seus carros ali e nunca mais voltavam, nem mesmo seus familiares ou amigos vinham procurar por eles… Parece que haviam mais pessoas que não eram amadas também…

Segui pela trilha por talvez uma hora e era triste o caminho… Alguns calçados… Barracas destruídas pelo tempo… Árvores retorcidas, marcas em cada uma delas talvez por alguém que temia se arrepender da decisão e retornar… Era praticamente uma “via crucis” cheia de dor e medos e, a cada momento que eu cogitava "- Não, essa não é a atitude correta...", em minha mente martelava de novo… Eu nunca fui amado por alguém então, porque insistir…

Escolhi uma árvore, coloquei a corda por sobre o galho e subindo em um tronco consegui deixá-lo alto o suficiente para executar meu plano e então, relembrando tudo que minha vida tinha sido, verifiquei se o nó que eu tinha estudado e treinado tanto estava perfeito… Coloquei o pescoço dentro do laço e preparei para me despedir quando então algo me chamou a atenção… Luzes… Como se uma casa existisse ali… E voz de crianças… Brincando, rindo, se divertindo… Eu estava decidido, mas, definitivamente aquilo era curioso, como alguém podia se divertir no meio de uma floresta escura como aquela?

Desci e fui em direção, a chuva caía e vi a cabana… Um senhor e uma senhora estavam sentado ao lado de um fogo de chão, enquanto as crianças em idades variadas corriam e riam felizes… Era uma família, todos pareciam se dar bem, se amar… Eu olhava pra eles e pensava, porque nunca ninguém me amou… Quando dou por mim, o senhor de dentro da casa gesticulava para mim, aos gritos:

“- Ei… Você… Vai se resfriar nessa chuva… Venha, entre, espere a chuva passar…Vamos!”

Fiquei sem entender, mas… Nunca ninguém me convidou para nada… Eu fui, meus olhos escorriam lágrimas, eu estava repleto de felicidade com aquele convite… Ao chegar, o velho homem me recebeu com abraços, a senhora me convidava a entrar, retiraram meu casaco e as crianças faziam festa ao meu redor… Sentamos rodeando a fogueira e a panela borbulhava com aromas deliciosos devido provavelmente aos temperos utilizados…

O senhor então sorridente, após ver que eu estava bem e já me secando da chuva me pergunta, o que eu estava a fazer naquele local isolado com aquele tempo horrível… Eu óbvio não quis falar a verdade, disse que havia me perdido… Ele sorridente me disse que ficasse tranquilo, que hoje eu ficaria com eles e tudo estava bem… Me contaram histórias, contaram piadas, perguntaram sobre mim e sobre o que eu pensava ou sentia… Em meio a tudo aquilo, comecei a chorar de emoção e então eles ficaram sérios a me observar… Sem poder mentir mais pra eles falei tudo que minha vida tinha sido e que eu tinha ido para tirar minha vida…

Entre prantos de alegria, esclareci que era a primeira vez que alguém me acolhia com tanto carinho e que mesmo que eu morresse hoje, estaria feliz… Foi então que eles ficaram com aspecto tenebroso, estáticos a me olhar… Estranhei mas não imaginei o que poderia ter sido, então seus sorrisos se abriram, dentes surgiram por suas bocas e antes de conseguir discernir o golpe de machado em minha cabeça que tirou minha vida, eu pude ouvir o mais velho dizer:

“- Felicidade deixa a carne macia senhor... Nós amamos refeição macia... Obrigado senhor…”

Antes de expirar meu último suspiro, antes de perder meus sentidos por completo, sentindo minhas forças se esvair rapidamente, consegui com um sorriso no rosto e uma lágrima no rosto, formular um último sentimento em minha mente quase desligada…

“- Pelo menos, em algum momento… De alguma forma… Eu fui amado…”

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Perturbador - Caso 05 - Sangue e liberdade...


O dia havia sido terrível… Era sexta-feira, todos na faixa nos 25 anos como eu tinham estampado na testa a ideia de “sextou”, mas eu… Ah, eu só queria chegar na minha casa, tomar um banho demorado e dormir um sono reparador e tranquilo… Era tudo que eu buscava para aquela noite sem dúvida alguma…O metrô andava rápido era fato, mas ainda assim as duas horas de trajeto eram quase insuportáveis pois elas me lembravam o tempo todo de tudo que eu detestava no meu cotidiano… Aglomerações, barulho, som alto, pessoas entrando e saindo, ter de conviver com centenas de pessoas no mesmo dia, atender clientes de mau humor, suando, um calor devastador e o relógio sempre contra meus pensamentos…

As horas passam como uma espécie de sonolência e finalmente chego ao prédio... O elevador demora, a porta demora, o corredor demora para ser vencido, a chave demora para abrir a porta mas felizmente… Eu estava em casa… Morar sozinha e ser solteira era libertador para alguém avessa à regras e horários e se não fosse o sono, eu iria olhar a lua a noite toda pela janela... Fui largando as roupas pelo caminho assim que fechei todas as trancas da porta e entrei direto para o chuveiro onde gastei pelo menos dez minutos simplesmente debaixo do jato, recuperando o fôlego e a sanidade…

Termino o banho, vou até a geladeira… Um copo de leite e o sanduíche que ficou de ontem são mais que suficiente para o estômago não me tirar o sono e, quando finalmente entro no quarto, o ar condicionado já havia preparado o cenário para que o sono me abraçasse na minha cama cheirosa e macia… Sequer consigo descrever quanto tempo levei para dormir, mas foi quase instantâneo e o silêncio do local onde moro, foi fator decisivo para tal acontecimento…

Como que mergulhada em uma paz, sinto minha mente viajar e creio que poucos minutos após dormir comecei a sonhar… Tudo bem, eu estava dormindo como ansiei o dia todo e, estava na minha casa como implorei todo o dia, não havia porque reclamar de sonhar, mas… Ele foi bastante... Diferente… Me vi saindo pela janela do prédio, nunca olhava para mim mesma, mas a brisa revestia meu rosto e as luzes se passavam como flashes… Eu corri pelas ruas, eu pulei sobre casas, eu andei por campos e vegetações espessas e alguns lapsos em meio à isso era fato... Sentia-me livre, sentia-me liberta, sentia-me... Feliz... Então do nada comecei à retornar e no que pareceram poucos minutos, eu estava adentrando a janela do meu quarto novamente…

O diferencial extra, além de tudo que eu havia sentido naquele sonho tão real é que eu parecia não ter vindo sozinha, como se alguém tivesse me acompanhado de alguma forma… Então foi que o sonho virou pesadelo, pois no instante seguinte eu me via sobre alguém, eu arrancava pedaços de sua pele e as devorava com prazer… O sangue escorria, eu lambia o chão extasiada e já via o corpo praticamente devorado enquanto uma sensação de prazer sem igual parecia percorrer todas as minhas células de uma forma que eu não saberia explicar... Era embriagante, era delicioso e era isso que tornava o sonho, um pesadelo... Eu estava amando cada segundo transcorrido…

E a vítima? Era quem eu tinha cogitado, havia me acompanhado, eu havia trazido essa pessoa para devorá-la em meu quarto, como se fosse a coisa mais natural do mundo... Homem... Jovem... Cabelos medianos e castanhos… Roupa casual e chamou-me muito a atenção ao sapato, incrivelmente bonito e estiloso... Oras porque em um pesadelo desses o design do sapato me chamou a atenção…

Continuei minha "refeição" naquele sonho maluco e então em um instante, como se nunca tivesse existido ninguém, não havia mais sangue ao chão, não havia mais sequer um corpo, apenas sentia o sangue a escorrer pelo canto direito de minha boca e ao passar o dedo polegar pelo local, foi como se um arrepio percorresse meu corpo e a sensação era como a de um intenso orgasmo... Me atirei novamente sobre a cama, deitada de bruços adormecendo rapidamente outra vez…

Abro os olhos assustada, estou deitada na cama como deitei quando cheguei em casa... Outra coisa me chama a atenção rapidamente, eu estava nua e não havia deitado assim... Viro-me e sento-me ofegante na cama, cobrindo os seios e puxando o lençol para cima de meu corpo, temerosa de que houvesse mais alguém na casa, e apesar da janela aberta, não ouvi nenhum ruído no apartamento... Levantei-me lentamente enrolada no lençol, fechei a janela e respirei com calma, dizendo para mim mesmo:

"- Foi apenas um terrível pesadelo... Devo ter deitado sem roupa e nem percebi..."

Fui à cozinha, peguei um copo de água e voltei sorvendo o líquido com satisfação, olhando para a cidade ao longe naquela noite esplêndida… Eu não via mais a lua, o que indicava que a noite havia transcorrido boa parte... Vou para o quarto novamente, e paro diante do espelho sem olhar para o mesmo, pois algo me chamou a atenção… O copo em que eu bebia estava manchado de sangue como se algo revestido de sangue tivesse tocado nele… Fiquei olhando para o mesmo e pensando como aquele sangue havia chegado ali... Olhei para minhas mãos, estavam intactas e foi então que resolvi olhar para o espelho…

O canto de minha boca, estava sujo de sangue, sangue já coagulado mas em um filete espesso… Tentei tocar no mesmo mas tinha medo de ser realidade e antes que eu decidisse meu dilema, senti algo incomodar em minha boca e tentei puxar... Fios de cabelos castanhos saem em meus dedos, no exato momento em que deixei o copo cair ao chão se quebrando, quando o espelho me mostrou a outra face daquela dúvida, que agora parecia se desmistificar de vez…

Logo ao lado da minha cama, eu avistei o sapato bonito, da marca que eu havia visto no sonho e um rastro de sangue que seguia para debaixo dela… O pânico sobrepôs a incredulidade inicial, assim como a sensação e o gosto de sangue sendo sorvido sobrepôs todo o resto das minhas emoções... Instinto era o que me preenchia agora e então, a janela estava aberta novamente e a noite me chamava para me sentir liberta novamente pela cidade cheia de corações pulsantes!

FIM

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Perturbador - Caso 04 - A ponte...


A noite estava tranquila, a viagem se tornando incrivelmente agradável… A música era calma, mas não tanto que me desse sono, e o motor do carro que aluguei para visitar minha família depois de tanto tempo trabalhando na cidade vizinha, era suave e até gostoso de se ouvir…

A brisa se tornara muito reconfortante, quase fria, dava aqueles arrepios gostosos no braço e fazia, junto com o céu adornado de estrelas brilhantes, devido à baixa poluição luminosa do trajeto, um espetáculo à parte… Livre das pressões do trabalho e estudos, me sentia como que flutuando em lago calmo, em uma tarde de primavera e sol ameno…

Os quilômetros foram se passando, passei pela ponte de divisa entre os dois condados e sei lá porque depois de tanto tempo sem pensar sobre, me lembrei das lendas do local, sobre a criança que fora assassinada e arremessada da mesma... Seu corpo nunca fora encontrado... Isso aconteceu ainda nos tempos dos meus avós e tanto eles quanto vários outros narravam que, anos depois de sua morte, a menina começou a aparecer de novo, matando os desavisados que passavam sobre a ponte…

É fato que alguns acidentes aconteceram no local e apesar de todos terem sempre tido uma explicação lógica pelas investigações oficiais, me chamava muito a atenção como os acidentes concentravam-se sempre naquele ponto… Senhor Dunkles, senhora Carttman, os irmãos Billkors entre outros, morreram ao passar os limites da ponte, sofrendo acidentes terríveis e apesar de nunca encontrarem os corpos como a menina da lenda, ainda assim, todo mundo se convencia de que algo completamente explicável havia lhes acontecido…

Minha mente viajava pelas possibilidades de animais terem sumido com os corpos, ou mesmo o rio abaixo da ponte ter enterrado os mesmos ao fundo de seu leito lamacento, tentando não concordar com algo de sobrenatural acontecendo ali, afinal, seria bizarro demais para ser verdade... De repente o céu me chama a atenção, pois comecei a avistar muitos relâmpagos… Estranhei, pois a noite estava limpa, mas como tempestades e tornados são normais para nós, não dei atenção, apenas segui trajeto…

Repentinamente do nada, como se uma pedra tivesse sido arremessada em meu para-brisa com violência, o vidro dianteiro literalmente explodiu eu acabei no susto do acontecimento, freando o carro sem qualquer precaução adequada, fazendo o mesmo derrapar e rodopiar pela pista três vezes até que finalmente consegui deter o veículo ainda sobre a rodovia, felizmente sem acidentes ou maiores danos… Conforme minha respiração acalmava, comecei a olhar ao redor em busca de algo, mas nada consegui avistar, apenas a tempestade nos céus e tudo mais em completo silêncio, até demais…

Abri a porta do carro, coloquei os pés ao chão ficando em pé e então um calafrio percorreu meu corpo com o surgir de uma espécie de sibilo, como se alguém assoprasse com a língua tocando o céu da boca... Olhei temeroso para o chão e entre o pânico e o terror, vi aquele rosto, deformado, como se tivesse batido em algo durante uma queda brutal… Os braços completamente cheio de fraturas, o cérebro exposto por algum tipo de pancada e a pele... Era completamente pálida e molhada como se tivesse ficando submersa em água por muitos dias…

Minha primeira reação foi a mais natural de todas, sair dali aos berros, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, de suas unhas quebradas e sujas partiram garras aterrorizantes que agarraram minhas pernas de forma agressiva, eu senti cada uma delas perfurando tendões, veias e, sem forças, caí enquanto a criatura abria uma bocarra gigante com inúmeros dentes como se fosse a boca de um tubarão, arrancando com tal ato, uma de minhas pernas inteiras com a mordida que parecia ser impossível…

A dor era lancinante, não achei que fosse suportar e apesar de querer lutar por minha vida, só consegui gritar mais ao ver ela remover as garras de minha perna, não para me permitir uma fuga, mas para atacar de novo, perfurando desse vez meu peito com uma das mãos, arrancando meu coração de um forma que eu jamais imaginei ser possível, mostrando a mim o mesmo à pulsar em sua garra esquelética, como se saboreasse meu desespero e gritos... A segunda mão por sua vez, passou como um vento pela frente do meu campo de visão e então, tudo terminou para mim… Tudo que consegui ver e ouvir enquanto minha cabeça caía do tronco, era o barulho de ossos quebrando e meu corpo sendo devorado ao passo que a criatura focou de novo seus olhos frios em mim, voltando à uma forma infantil de menina, sorrindo e expressando-se com voz fantasmagórica:

“- Ficar na água tempo demais, dá fome…”

Eu grito sem que ninguém me ouça enquanto ela avançava para devorar minha cabeça e então os tachões da rodovia me fizeram despertar em pânico, quase saindo da estrada por ter dormido ao volante… Parei o carro de imediato, olhei o céu e ele estava límpido como antes… Abri a porta do carro vagarosamente, nada havia ao chão ou abaixo do veículo e o vento soprava como antes abençoado pelo brilho da lua como eu lembrava antes de fatalmente ter iniciado meu sonho…

Pego a garrafa de água, bebo nervosamente afinal, meu coração ainda estava disparado, tudo parecia ter sido tão real… Fico por alguns minutos ali até me acalmar e volto finalmente para o carro, para seguir minha viagem… Alguma coisa em mim queria que eu desse meia volta e desistisse da mesma, cheguei a ficar alguns segundos com o motor ligando ponderando sobre, mas então uma voz quase que sussurrava em meu íntimo, que havia sido um sonho, que eu não podia ceder para um medo tão absurdo e assim resolvi continuar, haviam mais de cinco anos que não via meus pais e eles me aguardavam…

Entrei no carro, reiniciei o trajeto e fiquei a pensar em tudo... Porque aquele sonho, o que isso queria dizer, será que a menina do rio existia e precisava de ajuda? Mudei a estação do rádio para uma música mais movimentado e quando voltei meu olhar para a auto-estrada novamente, o pânico instaurou-se em mim por completo… Eu terminara de cruzar a ponte da divisa, o céu estava repleto de relâmpagos com uma terrível tempestade e então meu para-brisa explode em mil pedaços me obrigado à frear, rodopiar e finalmente parar… Sequer sei se meus gritos foram ouvidos, mas me congelou a alma por completo, quando uma voz fria e assustadora cortou a noite quase sussurrando...

“- Ficar na água tempo demais, dá fome...”

FIM

sábado, 15 de janeiro de 2022

Perturbador - Caso 03 - Nova moradia...


Sou moradora atualmente de uma região da Rússia que prefiro não indicar, tenho muito medo de ser localizada novamente, não sei como essas… Coisas, agem… Não citarei nomes ou cidades reais para que caso eles estejam entre nós não possam nos identificar uma vez mais, mas… Eu preciso expor meu caso a alguém e talvez, mais alguém tenha passado pelo mesmo e esteja lendo esta postagem neste momento… Como nome fictício eu escolhi Yuliya e se você já passou por isso, saiba, você não está sozinha neste acontecimento, existem mais pessoas com medo assim como você…

Alguns mitos parecem simplesmente mitos, você não acha plausível acreditar em contos de criaturas que assumem formas e matam pessoas ou outros seres… Eu sempre fui cética à esse ponto, para mim, essas coisas não passavam de lendas, nunca existiriam, nunca foram reais porém, depois de certo acontecimento, eu hoje não tenho mais tanta certeza…

Minha babushka contava histórias da Aswang, criatura mítica descrita como uma mistura de vampiro e bruxa. A criatura geralmente aparecia segundo ela em forma feminina, e era canibal assim como devoradora dos mortos ou qualquer coisa que possuísse carne. São capazes de se transformar em enormes cães pretos ou em javalis e alguns dizem que em muitos outros objetos também… Dizia minha babushka que elas tinham preferência por fetos ou crianças, mas de novo, meu ceticismo sempre considerou isso como uma história para assustar crianças que não seguiam ordens dos mais velhos.

Pois bem, depois de quinze anos de matrimônio, vim a descobrir que meu marido tinha uma amante, na verdade outra família, e nenhuma das duas sabia da outra… Quando descobri tudo e os motivos fúteis para tal traição, resolvi deixá-lo seguir junto de sua segunda (ou primeira, já não saberia dizer mais) família e parti para uma vida nova junto de minha pequena filha Layeva (também nome fictício) de apenas cinco anos… Juntos, ela, eu e nosso gato Tovarishch partimos para essa nova morada…

Compramos uma casa pequena, mas confortável e em bom estado, suficiente para nossas necessidades! Não tínhamos móveis em demasia, apenas o básico para nosso dia a dia e com essa praticidade, em pouco tempo estávamos instaladas de novo na nova casa, prontas e felizes para seguirmos novos rumos! Layeva se adaptou à vizinhança muito bem, eu também havia gostado de tudo e parecia que teríamos uma vida tranquila…

Certa noite, eram em torno de vinte e duas horas, creio que mais precisamente na terceira noite que estávamos na casa, minha filha me chamou novamente para dizer que a mesa de cabeceira de cama do quarto dela estava fazendo barulhos estranhos… Eu decidida a resolver isso de vez, subi as escadas pronta para contar para ela que isso seria impossível e quando adentrei ao quarto vi ela apontando para o móvel e ao redor dele, alguns tufos de pelos de nosso gato Tovarishch espalhados ao redor assim como sangue escorrendo de dentro do referido móvel… Minha filha me olhou e disse:

“- Mama… O Tovarishch entrou ali e não saiu mais…”

Eu calmamente sentei ao lado dela, a abracei para que sentisse segurança em mim e disse-lhe com toda tranquilidade que possuía:
“- Está tudo bem meu amor, Tovarishch entrou ali para brincar de se esconder e em breve ele voltará para se divertir com você… Por enquanto, vamos colocar o agasalho e vamos ver a babushka, ela deve ter biscoitos e chocolate quentinhos para você ter sono mais facilmente, venha com a mama!”

Vesti Layeva como podia, desci com ela no colo rapidamente pelas escadas em direção ao nosso carro! Abri a garagem nervosa e com o máximo de controle que consegui me colocar, saímos rapidamente da casa em direção à casa de minha mãe que ficava relativamente próxima, algo em torno de 30 minutos…

Layeva parecia não entender tudo, mas aceitou sem reclamar a saída repentina de casa… Para mim, enquanto a olhava no retrovisor, eu pensava… Não havia outra opção naquele momento, não havia outra maneira de proteger ela e a mim… No entanto... As histórias de minha babushka sobre a Aswang não paravam de martelar em minha cabeça uma vez que nós nunca tivemos uma mesa de cabeceira em nossos móveis…

FIM


sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Perturbador - Caso 02 - Pesadelos reais...


Eu me chamo Vanessa e tive, apesar de alguns percalços, uma vida boa desde que me lembro das coisas… Meu pai nos abandonou muito cedo é fato, eu era pequena, mal lembro dele mas, não faço verdadeiramente questão… É uma opção e deve viver sua vida como achar melhor, não guardo mágoas ou qualquer sentimento, preferi respeitar a vontade dele apenas… Assim, apesar das dificuldades, minha mãe e eu sempre vivemos juntas e sempre nos demos muito bem… Sempre afirmo que tive uma bela infância, uma adolescência consciente e hoje, já com meus vinte e quatro anos, me considero conduzida na vida…

Sempre vivemos uma vida real, sem crenças em coisas impossíveis ou milagres do céu... Tudo que precisamos devemos correr atrás, esse era nosso pensamento, o que é real é o que pode ser tocado, e assim como não há benesses do nada, nunca acreditei em coisas que não podem ser vistas, até que de fato eu as vi...

Apesar de nunca termos luxo, nunca nos faltou nada, sempre tivemos de comer, de vestir e serviço de saúde quando necessário... Minha mãe por sua vez sempre trabalhou e sempre foi uma mulher decidida e determinada… Nunca tivemos doenças graves ou enfermidades que nos tirassem quaisquer capacidades de sobreviver por conta própria, porém nos últimos anos, minha mãe começou a se sentir cansada, desorientada em alguns momentos, abatida e até mesmo desanimada em alguns dias, mas o que mais me preocupava é que ela parecia demonstrar medo em várias situações, algo que não era o normal dela…

Conversamos muito, ela me dizia apenas que dormia mal à noite e que isso a deixava debilitada… Sem querer ser intrusiva, eu apenas me preocupei em manter consultas regulares com o médico e cuidar dela e do seu bem-estar da melhor maneira que podia…

Os meses passaram e minha mãe passou a reclamar muito sobre pesadelos, que tinha vários deles por noite mas não dizia o que sonhava, por mais que eu tentasse me inteirar para ajudá-la… O médico recomendou um psicólogo, fomos, ela fez várias sessões mas os pesadelos segundo ela sempre continuavam e sua expressão havia mudado, ela parecia estar sempre em medo constante, olhava para o nada e se assustava, como se visse a um fantasma em diversos momentos… Dormia mais durante o dia que a noite, devido ao medo dos pesadelos e já não dormia mais sozinha… Tudo se tornava mais preocupante e não via um meio de ajudá-la…

Um dia fomos ao shopping e eu sugeri que ela esperasse na praça de alimentação, enquanto eu buscava nossa comida no restaurante. Quando voltei, a primeira coisa que fiz foi perguntar se estava tudo bem pois ela estava com uma aparência muito estranha e mais assustada do que o normal. Ela respondeu como sempre, que estava tudo bem, eu sabia que não mas, respeitei uma vez mais…

Finalizamos nosso almoço e fomos à escada rolante, quando ao virar para conversar com minha mãe, quase enfartei ao ver um homem com roupas do século passado segurando em um dos seus ombros e olhando pra mim com muita raiva. Na hora minha mãe percebeu minha cara de choque e perguntou (gritando) porque eu estava daquele jeito, ao passo que ao contar o que eu havia visto, ela começou a chorar e disse:

“- Você acabou de descrever o homem que tenta matar você todos os dias nos meus pesadelos minha filha... Ele disse que quando você o visse, seria o nosso último dia na Terra…”

FIM

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Perturbador - Caso 01 - Traumas familiares...


O carro ia chegando calmamente diante da casa bastante tradicional ao estilo daquele país… Edward Hench, psicólogo formado e atuante há mais de cinco anos considerava que a cidade era boa, a vizinhança era boa, qualquer um se sentiria em um paraíso ao morar na pequena Ligonier, Pennsylvania… No entanto, não era o que aquela família vivia no seu dia a dia, por longos dois anos ele queria ajudá-los…

O psicólogo então desliga o motor do carro após alguns segundos observando a residência e se prepara para mais uma sessão triste, afinal, lidar com as emoções de uma criança em depressão não era algo fácil… Sem dúvida a psicologia era a carreira que escolheu e amava, mas ainda assim, alguns atendimentos eram tão intensos que acabavam por cobrar o preço por tal escolha… Separar o sofrimento dos outros dos próprios, ainda era difícil para Edward, porém ele seguia firme em seu propósito de ajudar sempre…

Ele desce do veículo seguindo em direção à casa, pronta e cordialmente é recebido pelos pais Adam e Loraine que o acompanham à sala de estar onde o chá estava servido aguardando a todos! Logo o filho caçula de nove anos, Robert, descia as escadas bastante abatido como era de costume, cumprimentando a todos e seguindo para sua poltrona preferida do ambiente… O casal se olha e então observam o psicólogo, todos entendiam o motivo da tristeza de Robert e estavam dispostos a tudo para ajudar o pequeno a superar a tragédia que a família vivia atualmente… Edward então, percebendo que Robert já estava acomodado, inicia a sessão em grupo tentando não prolongar aquilo por muito tempo:

“- E então Robert, há algo que queira nos contar hoje para iniciarmos nossa conversa?”

O pequeno então olha para todos e uma lágrima escorre por seu olho direito, no mesmo instante em que inicia a falar: “- Acho que nada de novo senhor Edward… Já contei isso tantas vezes, mas continua o mesmo de sempre, eu simplesmente odeio quando meu irmão Robbie tem que ir embora… Papai e mamãe me explicam sempre que ele está muito doente, que tenho sorte por ter um cérebro em que todas as substâncias químicas vão para onde devem ir direitinho, como um rio que segue seu curso. Quando reclamo que estou entediado sem um irmãozinho com quem brincar, eles tentam me fazer sentir bem dizendo que ele está muito mais entediado do que eu, já que está confinado a um quarto escuro em um hospício. Eu sempre imploro para que lhe deem uma última chance e algumas vezes sou atendido, como foi no verão passado, foram os dias mais felizes da minha vida… O Robbie voltou para casa várias vezes e eu me diverti muito nesse tempo, mas infelizmente, cada vez que ele vinha durava menos do que a anterior e toda vez, sem falta, começava tudo de novo. Os gatos dos vizinhos apareciam na caixa de brinquedos dele com os olhos arrancados, encontramos as lâminas de barbear do meu pai no escorregador no parquinho do outro lado da rua, as vitaminas da mamãe são trocadas por tabletes de detergente da máquina de lavar louças, nosso canário, ou o que restou dele amanheceram no micro-ondas e alguém empurrou a escada do senhor Louies que estava podando a árvore e ele veio a morrer com a queda sobre os fios elétricos da casa dele… Meus pais claro, estão mais receosos agora, usando “últimas chances” com moderação. Eles dizem que a condição mental dele o torna charmoso, que fica mais fácil para ele fingir que é normal e enganar os médicos que cuidam dele para que acreditem que ele está pronto para reabilitação. Que eu vou ter que aprender a conviver com meu tédio, se isso significar que estarei seguro longe dele.”

A descarga emocional das palavras do pequeno Robert narrando todos os acontecidos foi forte, foi tensa, foi avassaladora… A mãe Loraine levantou-se do sofá chorando e correu para a cozinha, o pai Adam foi atrás para confortá-la… Edward conteve-se por alguns instantes mas vendo o desespero da mãe, pediu licença à Robert e foi ter com os dois… Enquanto isso, Robbie retira do bolso uma pastilha de detergente da máquina de lavar louças, a observando com o olhar fixo e melancólico, balançando o pequeno item entre a mão, para logo em seguida observar a xícara de chá do psicólogo com um olhar que demonstrava certa alegria… Após alguns segundos, Robert guarda a pastilha de novo no bolso, com uma visão de insatisfação, quase que cochichando logo depois para si mesmo… “ - Odeio quando o Robbie tem que ir embora… Eu tenho que fingir que sou bonzinho até ele voltar outra vez…”

FIM

Ekzyliön - Caso 3 - Aquela que revela!

O relógio da praça marcava quase meio-dia. A luz forte do sol recortava sombras curtas no chão de pedra, e o jovem estava sentado na beira d...